Angola? Nem (sequer) pensar!

O presidente executivo da Sonae, Paulo Azevedo, admitiu hoje uma expansão da parceria com a Satya, à qual o grupo se associou para entrar no retalho alimentar em Moçambique, mas assegurou que Angola ficará de fora do acordo.

“E stamos a desenvolver uma parceria importante, mas ainda são só duas lojas, é um investimento ainda pequeno”, afirmou Paulo Azevedo durante a apresentação das contas de 2016 da Sonae, que hoje decorreu na Maia (Portugal).

Embora remetendo desenvolvimentos para “mais tarde em 2017”, o líder da Sonae revelou que os parceiros estão “a procurar novas localizações para crescer” em África e, sem querer avançar eventuais novos mercados, deixou desde logo claro que Angola – onde foi mal sucedida uma primeira tentativa de entrada no retalho alimentar, com a empresária angolana Isabel dos Santos – ficaria de fora.

“Ainda não sei qual é que é o âmbito [de uma eventual expansão da parceria com o grupo Satya, do milionário Mohamed Ibrahim, anunciada em Setembro de 2016], mas Angola está excluída desse âmbito”, afirmou.

Relativamente aos resultados de 2016 da Sonae, os responsáveis executivos da Sonae afirmaram-se “muito satisfeitos”, com o aumento de 7,2% do volume de negócios (para 5.376 milhões de euros) a significar que o grupo “vendeu por dia mais um milhão de euros” do que em 2015, e tendo o EBITDA (resultados antes de impostos, juros, amortizações e depreciações) ultrapassado “pela primeira vez os mil milhões de euros”.

Histórias do passado recente

Sob o título “Divórcio litigioso, por mútuo acordo ou (re)conciliação?”, o Folha 8 escrevia no dia 26 de Abril de 2015: “A possibilidade, que em grande parte era uma realidade, da entrada dos hipermercados Continente em Angola parece ter a certidão de óbito assinada. A Sonae e a Condis vão divorciar-se. Por mútuo acordo? Talvez não.”

E foi mesmo “não”. Isabel dos Santos, bem ao estilo democrático do seu pai, só acredita na reconciliação desde que a outra parte faça o que ela quer. Simples.

Para avançar com o projecto, uma cópia fiel do Continente e que foi surripiada à Sonae, nomeadamente através da contratação de dois pesos-pesados (Miguel Osório e João Seara) da equipa de Paulo Azevedo, Isabel dos Santos criou a empresa Contidis.

Contidis? Exactamente. A anterior, a que fora constituída em 2011 em parceria com a Sonae, chamava-se Condis.

De há muito que a Sonae sabia que, a qualquer momento, Isabel dos Santos iria dar o golpe fatal à parceria. Acreditava, contudo, que o faria de forma ortodoxa. Estava enganada. Nos negócios, a filha do presidente nunca nominalmente eleito e no poder há 38 anos, não olha a meios para atingir os (seus) fins. É ela nos negócios e o pai na domínio do país.

Até mesmo quando viu dois dos seus quadros de topo zarpar para Luanda, Paulo Azevedo ainda alimentou a esperança (já ténue) de que Isabel dos Santos explicasse o que se passava. Esperou sentado.

A equipa de Paulo Azevedo verificou que que rainha santa Isabel (dos Santos) – dona de Angola (e de parte de Portugal) em parceria com o seu pai – apunhalou a Sonae pelas costas ao contratar esses dois quadros de topo da área de retalho que trabalhavam nesta parceria, Miguel Osório e João Seara.

Isabel dos Santos nunca se preocupou com isso. É para o lado que dorme melhor. Aprendeu isso no berço. Com os milhões que tem, a que junta os milhões que precisar, não dá ponto sem nó.

Chegou a falar-se que o Continente estaria de portas abertas no nosso país no Verão de 2015. A Sonae apostou forte. Constituiu uma equipa para acompanhar a abertura dos hipermercados mas, é claro, primeiro foi necessário engolir uns tantos sapos, o que fez esgotar os stocks de “alka seltzer” das próprias lojas. Depois seguiram-se doses industriais de hóstias para tirar o pecado de negociar com um dos regimes mais corruptos do mundo.

Nada resultou. A estratégia de Isabel dos Santos foi seguida com todo o rigor. O dinheiro compra tudo. E então quando o dinheiro não custou a ganhar ou é roubado…

O projecto que marcaria a entrada do maior empregador privado português no território angolano seria fruto de uma parceria estabelecida entre o grupo e, como não poderia deixar de ser e corresponde à Lei da Probidade do nosso país, a empresária e não se sabe quantas vezes milionária Isabel dos Santos.

A Sonae não podia alegar ignorância. Melhor do que ninguém, Paulo Azevedo sabia que quem sai aos seus não degenera. José Eduardo dos Santos é, para além de chefe do Governo, o presidente de Angola desde 1979, sem nunca ter sido nominalmente eleito, bem como do MPLA (partido que está no poder desde a independência).

Hipermercados, supermercados, lojas de conveniência, lojas de proximidade, restauração, para-farmácias, livrarias, vestuário, desporto, electrónica, centros comerciais, administração de imóveis, investimentos financeiros, telecomunicações, software e sistemas de informação e media são as áreas do império fundado por Belmiro de Azevedo, a Sonae.

Mas como tudo na vida, Belmiro de Azevedo é muito diferente do seu sucessor dinástico, o filho Paulo Azevedo. O pai, que nem ao domingo descansava, dizia a mesma coisa em qualquer dia de semana. Hoje a estratégia é diferente. O filho diz às segundas, quartas e sextas uma coisa, às terças quintas e sábados outra coisa. E ao domingo vai à missa.

O acordo com a Condis – detida maioritariamente, como também não poderia deixar de ser e sempre respeitando o espírito e a letra da tal Lei da probidade, por Isabel dos Santos – aconteceu ainda em 2011, sendo que o projecto previa a abertura de uma rede de hipermercados Continente nosso país.

João Seara era o homem forte do grupo para este projecto, sendo que deveria ocupar o cargo de director executivo. A empresa nunca adiantou grandes pormenores, dizendo apenas que “não estava definida nenhuma data em concreto, mas tanto a Sonae como a Condis estão a envidar todos os esforços para proceder à abertura da primeira unidade o mais breve possível”.

Neste típico ziguezaguear chegou-se a uma previsão que parecia ter fundamento: Verão de 2015. Chegou até a falar-se de equipas mandatadas para começar a definir as gamas de produtos que seriam enviados para Luanda e que se juntariam a outros aqui produzidos. A própria Condis tinha em marcha a construção de uma infra-estrutura que acolheria as instalações do hipermercado.

A entrada da Sonae em Angola sofreu alguns contratempos, explicando-se assim a relutância do grupo português em avançar com uma data concreta. A internacionalização da empresa para o nosso país esteve em desenvolvimento desde 2012, ano em que a Sonae e a ANIP assinaram um contrato de investimento no valor de 100 milhões de dólares, com vista à abertura de cinco hipermercados.

Todos os atrasos poderiam ter a ver com o facto de, durante algum tempo, a Sonae ter tido dificuldades em engolir as regras da corrupção angolana.

Fernando Ulrich, então presidente do BPI, banco presente em Angola desde 1996, poderá ter tido um papel importante ao garantir a pés juntos que em Angola não há corrupção. Ao ouvi-lo dizer que “o BPI nunca pagou nada a ninguém para obter nada em troca como nem nunca ninguém nos pediu nada para fazer o que quer que fosse em troca”, Paulo Azevedo (Belmiro não foi nessa) sorriu e mandou avançar as suas tropas.

Em abono da tese de Fernando Ulrich, recorde-se que o procurador português que em tempos investigava o caso “BES Angola” ingressou no Banco Internacional de Crédito (BIC), presidido então pelo cavaquista Luís Mira Amaral, uma instituição de capitais luso-angolanos que, mais uma vez, é dominada pela tal impoluta cidadã Isabel dos Santos, que é filha do não menos impoluto cidadão José Eduardo dos Santos.

Paulo Azevedo reeditou a velha teoria de rapidamente e em força para… Angola. Falhou na rota.

É pena. Como muitos angolanos (muitos mesmo) vivem na miséria e raramente sabem o que é uma refeição, estavam à espera de fazer incursões ao Continente, ou melhor, aos caixotes do lixo do Continente, e lá encontrar restos quase novos de comida.

A Sonae assumiu que não era uma empresa filantrópica e, por isso, negociava com os donos do poder e, no caso de Angola, do país. E, como sempre, é muito mais fácil negociar com dirigentes vitalícios do que com os que resultam de uma vida democrática. Aliás, a família Azevedo gosta muito de viver em democracia. Já se os outros vivem em ditadura, o problema é deles. O que importa é haver gente com muitos dólares. E o regime tem fartura dessa espécie.

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