A Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO) pediu hoje pelo menos 109 milhões de dólares para ajudar 23 milhões de pessoas na África Austral, que se deparam com a pior seca dos últimos 35 anos. Angola também é vítima.
Asemanas de começar a preparação da terra para a próxima época agrícola, a agência das Nações Unidas explicou em comunicado que este montante se destina a fornecer sementes, fertilizantes, equipamentos e outros bens e serviços aos pequenos agricultores e pecuaristas da região.
O objectivo, acrescentou, é que na próxima época agrícola consigam produzir alimentos suficientes para evitarem ficar dependentes da ajuda humanitária até meados de 2018.
“Os agricultores têm de conseguir plantar até Outubro e, se não o conseguirem, teremos mais uma colheita reduzida em Março de 2017, afectando severamente a segurança alimentar e nutricional e as vidas na região”, alertou a organização no comunicado.
Dois anos consecutivos de seca, incluindo a pior dos últimos 35 anos, que se verificou este ano, deixaram quase 40 milhões de pessoas na região em risco de insegurança alimentar até ao início do próximo ano.
Todos os países estão afectados, mas seis Estados – Botsuana, Lesoto, Malaui, Namíbia, Suazilândia e Zimbabué – já declararam emergências nacionais devido à seca, enquanto a África do Sul declarou o estado de emergência em oito das suas nove províncias e Moçambique declarou um alerta vermelho de 90 dias em algumas zonas do sul e do centro do país.
Na terça-feira, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) declarou a seca um desastre regional e apelou à ajuda da comunidade internacional.
O apelo da SADC refere que são precisos 2,7 mil milhões de dólares para ajudar todos os sectores da economia da região a recuperar da seca deste ano, dos quais ainda falta financiar 2,4 mil milhões de dólares.
Na ocasião, o presidente do Botsuana e, por inerência, da SADC, Seretse Khama Ian Khama, disse que as avaliações mais recentes “indicam que o número de pessoas em insegurança alimentar é de cerca de 40 milhões, o que representa cerca de 14% da população total” da comunidade.
Segundo o comunicado da FAO de hoje, o plano de resposta daquela agência da ONU cobre 10 países – Lesoto, Madagáscar, Maláui, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabué – que pediram assistência específica.
“Os altos níveis de desemprego e o abrandamento do crescimento económico significam que a principal forma de as pessoas acederem à alimentação é através daquilo que elas próprias produzem. Ajudá-las a fazê-lo irá fornecer um apoio inestimável numa região onde pelo menos 70 por cento da população depende da agricultura para viver”, disse o coordenador da FAO para a África Austral, David Phiri, citado no comunicado da organização.
“Temos de retirar o máximo desta pequena janela de oportunidade e garantir que os agricultores estão prontos para plantar até Outubro, quando começam as chuvas”, acrescentou.
A seca actual deve-se ao impacto do fenómeno El Niño e os seus efeitos deverão atingir o nível máximo entre Janeiro e Março de 2017, estima a FAO.
Além dos danos na agricultura, que exacerbaram a malnutrição crónica na região, a seca matou mais de 640 mil cabeças de gado no Botsuana, Suazilândia, África do Sul, Namíbia e Zimbabué, devido a falta de pasto, falta de água ou surtos de doenças.
Teme-se que no final deste ano ocorra o contra fenómeno do El Niño, o La Niña, que deverá trazer chuvas abundantes, o que poderá ser positivo para a agricultura, mas também comporta o risco de cheias, que poderiam destruir a produção e ameaçar o gado.
O caso de Angola
Em Fevereiro deste ano as Nações Unidas doaram a Angola 8,2 milhões de dólares para executar um projecto de combate às alterações climáticas na província do Cunene, que enfrenta há vários anos uma seca severa.
A ministra do Ambiente angolana, Fátima Jardim, e o Coordenador residente das Nações Unidas em Angola, Pier Paolo Balladelli, assinaram no dia 11 de Fevereiro de 2016 o Memorando de execução do Projecto de Resiliência às Alterações Climáticas na Bacia Hidrográfica do Rio Cuvelai.
O projecto, a ser desenvolvido até 2019, visa ajudar – se as verbas não se perderem pelo caminho – a reduzir as vulnerabilidades decorrentes de alterações climáticas, que afectam os habitantes naquela zona, através de investimentos direccionados e o desenvolvimento das suas capacidades.
Concretamente, o projecto vai promover a instalação de um sistema de alerta rápido, o reforço da capacidade do serviço de hidro-meteorologia local, que vão monitorizar as condições metrológicas extremas e as alterações climáticas na Bacia do Rio Cuvelai.
Em declarações à imprensa no final da cerimónia, Fátima Jardim disse que o projecto está inserido no Plano de Adaptação de Angola, uma obrigação da Convenção-quadro da ONU para as alterações climáticas.
Fátima Jardim agradeceu às Nações Unidas a rápida resposta ao apelo de Angola, esperando a continuidade de ajudas, sobretudo dos países desenvolvidos, para “contribuições importantes” como esta feita pela ONU para a província do Cunene e o sul de Angola, há vários anos assolados por uma seca severa.
“Apresentamos esse projecto às Nações Unidas, que é um projecto que se enfoca hoje para a província do Cunene, mas que temos a intensão de abrir à parte sul do país, porque é a parte que de uma forma mais adversa e notória sofre riscos climáticos”, referiu a ministra.
A titular da pasta do Ambiente sublinhou a importância de se educar as comunidades no Cunene, onde a desflorestação é “muito agressiva”, para serem corrigidas “algumas práticas incorrectas cometidas até agora”.
Segundo Fátima Jardim, o Plano de Adaptação de Angola está orçado em mais de 10 mil milhões de dólares, e tem inúmeros projectos nas áreas da agricultura, da educação das comunidades, entre outras, que continuarão a ser apresentados à comunidade internacional.
Por sua vez, Pier Paolo Balladelli salientou que o projecto além de trabalhar na mitigação climática vai igualmente diminuir a pobreza.
“Os camponeses que vão ser parte alvo deste projecto sobre a Bacia do Rio Cuvelai vão ter muito mais capacidade de resiliência, porque vão ter mais informações sobre como ele tem que se adequar para ter cultivações mais rentáveis nesse tipo de problemas que temos pela mudança climática”, adiantou.
Pier Paolo Balladelli, igualmente representante em Angola do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), elogiou (não é mentira, elogiou mesmo) a vontade e capacidade de o Governo angolano “trabalhar conjuntamente com os outros países a nível mundial para se adaptar à mudança climática através de projectos-pilotos como este”.