No dia 28 de Julho de 2007, na Faculdade de Economia do Porto (Portugal), realizou-se uma conferência sobre o processo eleitoral em Angola. Caetano de Sousa, presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), foi o orador principal do evento ao qual compareceram cerca de 200 angolanos de primeira e mais meia dúzia de segunda.
Por Orlando Castro
Com uma hora de atraso, o encontro começou com o aplauso da assistência à entrada do Embaixador de Angola, Assunção Afonso Sousa dos Anjos, bem como das cônsules em Lisboa e no Porto, respectivamente Elisabeth Simbrão e Maria de Jesus dos Reis Ferreira, e ao orador convidado.
Por deficiências sonoras, que nada preocuparam a assistência, pouco percebi do que disse o Embaixador ou do que afirmou Caetano de Sousa. Também é certo que, diga-se em abono da verdade, abandonei a sessão no início da intervenção do presidente da CNE.
E abandonei a sessão porque descobri que, afinal, o meu lugar não era ali. E descobri isso graças à oportuna explicação de gente ligada à organização, presumo que do Consulado no Porto.
Explico. No meio dos tais 200 cidadãos presentes estavam pouco mais de meia dúzia de brancos, mesmo contando com o meu velho amigo Ricardo Pereira que ali se encontrava a fotografar ao serviço do Consulado.
Durante a sessão, algumas pessoas foram distribuindo pela assistência um pequeno papel que tempos depois recolhiam. Presumo que se tratava de perguntas sobre o processo eleitoral e destinadas aos oradores.
Reparei (talvez por deficiência profissional) que esses papéis não eram entregues aos cidadãos brancos que, se não eram angolanos eram, pelo menos, amigos de Angola. Não creio que estivessem ali como penetras apenas para o faustoso beberete que estava a ser montado para o fim da festa.
Interpelei então uma das pessoas que distribuía os ditos papéis, perguntando-lhe se eu não teria direito a um deles.
A resposta foi clara e inequívoca:
“- Isto é só para angolanos”.
A tradução desta afirmação é fácil, já que nenhum dos 200 cidadãos presentes trazia qualquer rótulo a dizer: “Sou angolano”. Ou seja, queria dizer: “Isto é só para angolanos negros”.
Assim sendo, e porque sou angolano… mas branco, não tive outro remédio que não fosse abandonar a sala. Triste, é certo. Magoado, é claro. Mas como nada posso fazer quanto ao local em que nasci, ao país que amo e onde me fiz homem, e muito menos quanto à minha cor, a solução foi ir embora.
Quase nove anos depois lembrei-me deste episódio porque, agora, o Parlamento do MPLA aprovou um diploma que impede os cidadãos estrangeiros e seus descendentes, nascidos em Angola no tempo colonial português, de serem angolanos.
Angola continua a ser (re)construída à imagem e semelhança do MPLA, como se fosse um regime de partido único. E, de facto – que não de jure –, é isso mesmo.
Se o MPLA é Angola e Angola é o MPLA, se herói nacional há só um, Agostinho Neto e mais nenhum, sendo angolano nunca serei angolano.
O dono de Angola continua a dizer quem é, ou não, angolano. Até um dia. Eu prefiro relembrar Teta Lando: “Se tu és branco isso não interessa a ninguém, se tu és mulato isso não interessa a ninguém, se tu és negro isso não interessa a ninguém. O que interessa é a tua vontade de fazer uma Angola melhor. Uma Angola verdadeiramente livre, uma Angola independente.”
Em 1975, no Huambo, Jonas Savimbi disse-me que Angola não se define – sente-se. É exactamente isso. E sendo isso, se José Eduardo dos Santos é angolano eu não sou, nunca poderei ser. É que ele vive para se servir dos angolanos. Eu vivo para servir o meu Povo, os angolanos.