Confesso que, enquanto académico, acalento um fascínio científico pelas afirmações do embaixador António Luvualu de Carvalho, pois estas constituem um exemplo inimitável de uma retórica assente na magia metafórica do nada.
Por Rui Verde
Doutor em Direito (*)
Em cada uma das afirmações de Luvulau há uma impossibilidade lógica que nos remetem para o mundo mítico do Dr. Pangloss, mestre de Cândido, personagem criada pelo filósofo Voltaire. Segundo o Dr. Pangloss, não existe efeito que não tenha causa, as coisas só podem ser tal como efectivamente são, e vivemos todos no melhor dos mundos possíveis.
A última afirmação fantástica de Luvualu referiu-se à condenação arbitrária dos 17 activistas, e cito: «Com certeza que 99 por cento da população angolana não está interessada neste acórdão do Tribunal de Luanda.» Como justificação para tão sábio julgamento, acrescentou: «Não existe nenhuma manifestação, não existe nenhum levantamento…»
Neste caso em concreto, o embaixador Luvualu faz lembrar o director-geral da PIDE (a polícia política secreta portuguesa), major Silva Pais, que na noite de 24 de Abril de 1974 assegurava ao ministro do Interior português que o país estava calmo, tudo tranquilo, tudo controlado, quando, na verdade, as colunas de tanques já estavam na rua para depor o regime ditatorial.
Parece que o embaixador Luvualu só considera que as pessoas estão interessadas em determinado assunto se forem para a rua queimar pneus… Caso contrário, não têm interesse. Ora, Luvualu está redondamente enganado. As mudanças e os interesses não começam com caminhadas nas ruas – terminam com caminhadas nas ruas.
E, neste momento, em Angola, pode não haver caminhadas, mas há seguramente o equivalente: um movimento de mais de 200 mil pessoas por dia nas redes sociais angolanas, movimento esse em não se vê indiferença, não se vê acomodamento, vê-se uma grande vontade de mudança. Sim, é certo que 200 mil pessoas não passam de 1 por cento da população, mas, como saberá o egrégio embaixador, estas 200 mil pessoas representam uma amostra de uma população e desespero e com medo, mas desejosa de mudança. E, portanto, 200 mil pessoas representam a vanguarda de um movimento muito mais alargado.
Não há indiferença, nem há apoio ao regime de José Eduardo dos Santos. Há apenas a esperança de que ele se desmorone sozinho, como de resto está a acontecer. Em pleno século XXI, Luvualu não pode fazer como o ditador português Salazar, que, para votar a sua Constituição, resolveu considerar as abstenções como votos a favor, recorrendo exactamente a um argumento idêntico: se as pessoas não votam, é porque concordam com o estado de coisas e não desejam qualquer mudança.
Os factos já desmentiram o embaixador Luvualu por diversas vezes. Todavia, ele insiste. Recentemente, em Washington, afirmou que um dos grandes investimentos e motivos de orgulho do regime angolano era aquele que tinha sido feito em hospitais e unidades de saúde. Menos de uma semana foi o tempo que bastou para se ver o estado miserável dos hospitais e das morgues em Angola.
O servilismo panglossiano não é a melhor forma de servir o líder: pelo contrário, é a melhor forma de lhe criar uma ilusão e lhe alimentar uma cegueira que apressam o seu fim. Com outros conselheiros idênticos a Luvualu, JES estará fora do poder em três tempos.
Se calhar, o embaixador Luvualu é um agente secreto com a missão especial de derrubar o presidente. Só isso explica o facto de 99 por cento das suas afirmações serem tão disparatadas.
(*) MakaAngola