A Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou hoje que o surto de febre-amarela em Angola “continua de elevada preocupação”, depois de na quarta-feira as autoridades angolanas terem dado a epidemia como controlada. Ou seja, o regime faz, como sempre fez, da mentira um modo de vida.
“Osurto em Angola continua de elevada preocupação devido à transmissão local persistente em Luanda apesar de quase seis milhões de pessoas terem sido vacinadas; há registo de transmissão local em seis províncias (zonas urbanas e portos principais) e há um alto risco de propagação aos países vizinhos”, escreve a OMS num relatório sobre a situação da febre-amarela.
A posição da Organização Mundial de Saúde surge depois de, na quarta-feira, a directora provincial da Saúde de Luanda, Rosa Bessa, ter anunciado – reproduzindo as ordens superiores – que a epidemia de febre-amarela está controlada.
Segundo a responsável, os casos e óbitos por febre-amarela registaram uma redução considerável, resultado da campanha de vacinação que decorre na província de Luanda, o epicentro da epidemia, onde estão ainda por vacinar 500 mil pessoas.
Segundo os dados transmitidos à OMS pelo Ministério da Saúde de Angola, e que pecam por manifesta ocultação dos números reias – entre 5 de Dezembro e 4 de Maio de 2016, o Ministério da Saúde registou um total de 2.149 casos suspeitos com 277 mortos e 661 casos confirmados em laboratório, 70% dos quais na província de Luanda, pode ler-se no relatório hoje publicado pela organização.
Há casos confirmados em 13 das 18 províncias e há outros suspeitos em todas as províncias, havendo registo de transmissão local em seis províncias, em 14 distritos, incluindo Luanda.
A OMS considera que há um risco elevado de estabelecimento da transmissão local em outras províncias onde não há ainda registo de casos autónomos.
Dois casos registados na República Democrática do Congo terão sido importados de duas províncias de Angola onde não há registo de transmissão local (Cabinda e Zaire).
O risco de transmissão local em Cabinda é elevado devido aos expatriados que trabalham na província e isto constitui um risco agravado de transmissão à República Democrática do Congo e à República do Congo, que fazem fronteira com o enclave, alerta a OMS.
Casos importados de Angola foram já confirmados em três países: a República Democrática do Congo (37 casos), o Quénia (dois casos) e a China (11 casos).
Há também um caso suspeito na Namíbia, o que realça o risco de disseminação internacional através de viajantes não imunizados.
A OMS informa ainda, no relatório, que apesar da campanha de vacinação a decorrer em Luanda, Benguela e Huambo, os números apontam para uma cobertura insuficiente nas três províncias.
Cerca de 1,7 milhões de vacinas serão entregues a Angola em breve e outras 700 mil foram pedidas pelo Grupo Internacional de Coordenação.
Negócio sujo com as vacinas
A vacina contra a febre-amarela que seria grátis de acordo a narrativa oficial, está a ser depositada nas farmácias, de onde são comercializadas por 500 kwanzas cada ampola.
Segundo Rosa António, que acorrera na companhia do marido e filhos ao posto de vacinação do Zango III, município de Viana, zona que mais mortes registou por conta da propalada febre-amarela, alguns técnicos de saúde ali destacados, retiram as ampolas do interior do posto oficial e depositam-nas nas farmácias mais próximas.
“Por causa do elevado número de pessoas que formam longas filas para serem vacinadas, alguns técnicos sugerem, discretamente, a determinados cidadãos, para que se desloquem à farmácia, onde estão a comercializar as vacinas por 500 Kzs”, disse, acrescentando, “estes técnicos estão mesmo a fazer dinheiro. Muita gente não quer e outras não conseguem aguentar estas longas filas, preferem ir às farmácias comprar as ampolas, e simplesmente procuram um enfermeiro no bairro para as administrar. É muito simples quanto isso, se eu tivesse dinheiro, também faria o mesmo, são apenas 500 kzs, ouvi que noutros bairros estão mais caras”, alertou.
Entretanto, história mais ou menos similar à de dona Rosa, do Zango, foi reportada ao Folha 8 por Jorge Sebastião, na zona do Km30, também em Viana. Este luandense confessa não ter sido ele a vivenciar o facto, mas sim, sua sobrinha.
“Por causa do trabalho que me tem ocupado muito, orientei a minha sobrinha a levar os primos ao posto de vacinação, mas face à demanda populacional, só dois dos cinco meninos foram vacinados, nem ela mesma conseguiu”, lamentou, adicionando, “para além disso, ela trouxe-me um relatório muito negativo, que só se compreende pela falta de patriotismo destes técnicos de saúde. Negociar ampolas com as farmácias para estas venderem aos cidadãos? Isto já é de mais, quer dizer que quem não tiver dinheiro, não se imuniza contra a doença, e permanece propenso ao surto”.
Também visivelmente irritada, está Marília Victória de 28 anos de idade, que tem três filhos e, tal como muitos, não conseguiu vacinar nenhum.
A jovem diz ter nalguns dias saído de casa às 3 horas da manhã, para conseguir a “sagrada” sorte de vacinar os rebentos, mas todo esforço tem sido um fracasso face ao elevado número de pessoas que se apresentam nos respectivos postos de vacinação.
“Sr. Jornalista, as pessoas podem chegar cedo aqui, mas os vacinadores iniciam muito tarde seu trabalho, alegam estar a aguardar pela chegada das vacinas, e irritam-nos ainda mais, porque após vacinarem uma dúzia de pessoas, dizem que as ampolas de vacinação acabaram. Presumo que fazem isso para pressionar as pessoas a adquirirem as vacinas nas farmácias de seus amigos”, afirmou.