O Juiz e a sentença

A propósito da recém prorrogação da prisão domiciliária dos 15-1 presos políticos (visto que a ditadura decidiu trancar novamente o mais jovem dos destemidos cidadãos, Nito Alves, na comarca de Viana), façamos uma abordagem simples e desprovida de alguns elementos por não ter tido, até agora, acesso ao despacho do juiz Januário Domingos José (ou de quem lho remeteu para que apenas o assinasse).

Por Um dos Réus

Aliás, os advogados dos 15 “presos do Zedú” podem sempre que necessário, em nome da verdade, publicar cópia do despacho nos órgãos de comunicação social e afins, como as redes sociais, com vista a demonstrar as ilegalidades e irregularidades constantes dos doutos despachos em resposta aos requerimentos feitos ao tribunal onde decorre o julgamento. É simplesmente uma proposta que, ao ser aceite, em nada contraria qualquer disposição legal.

Vamos ao que nos propomos. Walter Tondela, um dos advogados dos réus, comentando em entrevista concedida a alguns jornais acerca da medida de coacção, lamentou o facto do juiz presidente ter fundamentado a permanência da prisão domiciliar nos termos do artigo 36° da lei das medidas cautelares em processo penal, pois que tal disposição refere-se aos detidos em situação de prisão preventiva. E tem razão!

Vejamos:

1° – O artigo 36° citado pelo juiz Januário (ou por quem lhe mandou assinar o despacho) é o segundo artigo da secção VIII que tem o título de “Prisão Preventiva”. Desde já vê-se que os artigos abaixo do título são relativos aos arguidos e réus que se encontram em prisão preventiva, que são os cerca de 70% dos presos que apodrecem nas cadeias angolanas aguardando, pelo menos, o primeiro interrogatório por parte de um magistrado do Ministério Público (procurador ou procuradora, pode até ser com o rosto tapado como a do caso 15+2. Estarão todos ocupados com a palhaçada em questão?) e não para arguidos em prisão domiciliária, situação em que se encontram os 14.

Esta secção (VIII) do capítulo III tem 7 artigos. Termina precisamente com o artigo 42°, sob epígrafe “liberdade do arguido sujeito à prisão preventiva”.

Note-se que este artigo (42°) prevê que, “quando a prisão preventiva se extinguir […], o magistrado do Ministério Público, na fase de instrução preparatória, ou o juiz, nas fases subsequentes, pode impor ao arguido uma ou mais medidas de coacção previstas nos artigos 26°, 27°, 28° e 32°”. vide n°. 2 do artigo citado.

A última parte da transcrição realça o seguinte: enquanto estiveram presos em comarcas distantes e em condições desumanas, várias vezes os advogados exibiram cópias dos requerimentos que haviam dado entrada nos tribunais (Provincial de Luanda, Supremo e até Constitucional) onde pediam expressamente o que vem nos artigos 26° (obrigação de apresentação periódica), 27° (proibição de permanência em determinada localidade, de contactar certas pessoas, de não se ausentar sem autorização da localidade onde reside – bairro, município ou província -, salvo para trabalho ou escola), 28° (obrigação de prestar caução) e 32° (interdição de saída do país).

E os advogados pediam muito bem, embora ainda não na vigência desta lei (lei 25/15, de 18 de Setembro) mas com fundamento na lei da prisão preventiva em instrução preparatória (lei 18-A/92, de 17 de Julho), agora revogada.

O juiz Januário (ou quem lhe mandou assinar o despacho apenas), ao fundamentar nos termos do artigo 36°, violou grosseiramente o espírito, letra e até o alcance da nova lei.

2° – Dispõe o artigo 36°, n°. 1, que “o Magistrado do Ministério Público pode impor ao arguido a medida de prisão preventiva […]”. Aqui está outra violação e demonstração de incompetência profissional até na hora de fazer o mal. Ora vejamos: o artigo se refere claramente ao MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO e não ao MAGISTRADO JUDICIAL. Onde está o equívoco, meus senhores manipuladores? É simples! O problema é que até “a maldade também precisa descansar”.

Para além do número 1, já citado, este artigo tem mais três pontos, isto é, os números 2, 3 e 4. Os três números seguintes também não se referem ao juiz Januário (entenda-se a magistrados judiciais. Ou o Januário não sabe em qual magistratura está empregado?).

3° – Foi possível ainda saber pela imprensa que consta do “despacho de manutenção” assinado pelo juiz Januário (exarado pelo suspeito do costume porque sabemos que é o costume do suspeito) uma alínea atribuída ao artigo 36° mas que na verdade não existe. Não sei a que alínea se refere o advogado, em termos alfabéticos, talvez seja a “alínea Y ou Z(edú)”, daí a importância da divulgação pública dos despachos surgidos da palhaçada. Mas pronto… na falta disso, façamos uma análise a partir do vazio:

Apenas o número 3 deste artigo tem alíneas, e no caso só três (a, b e c). Na hipótese de realmente não existir a tal alínea, visto que concomitantemente estaremos diante de “não fundamentação” ou “fundamentação do nada”, então o despacho é nulo. Sem efeitos jurídicos. Mas se os réus tentarem ir à cantina comprar um quilo de açúcar por 500 kzs serão, certamente, baleados à queima-roupa pelas costas pelos agentes destacados em suas residências. As ordens da ditadura são para cumprir e matar dá direito à promoção, como já vimos acontecer com um dos homicidas no caso Cassule e Kamulingue.

Entretanto, de acordo com as leis da própria ditadura, podem os interessados (advogados e réus) simplesmente requerer a “anulação do despacho nulo”, por mais ridículo que tudo isto possa parecer, apenas por uma questão de formalismo histórico. Aliás, vide o artigo 100° do código de processo penal.

4° – Walter Tondela não mente quando evoca inconstitucionalidade por parte do juiz Januário (ou de quem lhe mandou assinar o despacho), pois estamos perante um grave atropelo às funções legislativas da Assembleia Nacional, enquanto órgão por excelência encarregue de exercer “o poder legislativo”, nos termos do artigo 141°, n°. 2 da CRA, ao inventar uma lei que em momento algum passou pela Assembleia Nacional.

É ainda inconstitucional pelo facto do tribunal não garantir e assegurar a “observância da Constituição, das leis […]”, conforme o artigo 177°, n°. 1, da CRA sob epígrafe “Decisões dos tribunais”.

O juiz Januário não está a ser independente no exercício das suas funções, nem está a obedecer à Constituição e a lei , tal como exigido pelo artigo 179°, n°. 1 da CRA.

Conclusão: No âmbito da lei das medidas cautelares em processo penal (lei 25/15, de 18 de Setembro), que curiosamente entrou em vigor no dia 18 de Dezembro, data em que os presos políticos passaram ao regime de prisão domiciliária (um facto histórico, pelo que todos, em especial os estudantes e profissionais de Direito, devem apontar na agenda), dispõe a secção VII, com o título “Prisão Domiciliar”, os moldes da novel prisão em Angola.

Esta secção comporta somente dois artigos – o 33° (aplicação da medida) e 34° (prazos de duração). Ao longo destes artigos, em momento algum aparece escrito MAGISTRADO JUDICIAL mas apenas MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Mas pronto…

Apenas duas remissões explícitas aparecem no segundo artigo, 34°, e remetem para os artigos 40°, vide n°. 1; e 26° a 28°, vide n°. 3. Todas vão no sentido de se alterar a medida para uma menos gravosa, tal como já referido no primeiro ponto desta abordagem.

Porém, o juiz, ao manter a prisão domiciliar dos presos políticos, com receio de que os réus venham a “continuar os actos criminosos” que os levaram ao tribunal (entenda-se ler livros e pensar simplesmente numa Angola melhor), está claramente a dizer o seguinte: “esses jovens são mesmo terroristas para nós, MPLA, e por isso não podem continuar a andar por aí como se fossem militantes nossos”.

Por outra, “esses rapazes devem permanecer presos, ainda que em casa, pelo menos até depois das eleições de 2017”, ou ainda que “estamos a ganhar tempo para que sejam esquecidos e depois lhes matarmos um por um, em homenagem à célebre frase: não vamos perder tempo com julgamentos”.

O que podem os presos políticos fazer? O que de melhor fazem – protestar contra as leis e ordens injustas.

E os advogados? Fazer o trabalho deles e sobretudo recorrer às instâncias jurisdicionais de nível superior (claro que não me refiro a órgãos angolanos, estes não têm credibilidade e independência necessárias).

E a população? Exigir a libertação dos 15+2, de Marcos Mavungo, de todos injustiçados e de Angola. Gritar bem alto Liberdade Já!

Nota: Nos primeiros dias do julgamento foi alegado que a sala estava extremamente cheia e que, por falta de espaço, os jornalistas ficariam numa outra a assistir pela televisão. Até os familiares foram impedidos de entrar, sendo reduzidos a dois membros apenas. Foram instaladas câmaras de filmagens que emitem para televisões em circuito fechado, um acto inédito na história dos julgamentos em Angola – de quem são aqueles aparelhos topo de gama?

Acontece que agora a sala está completamente vazia, conforme os leitores podem ver pelas imagens apresentadas pela TV Zimbo e narrativas de familiares, apesar de ainda se ver uns poucos agentes infiltrados da “DISA”.

Perante essa situação desértica, porque a imprensa não voltou ainda a exigir a presença na sala? Pode sempre fazê-lo, pois as sessões de julgamentos, regra geral, são públicas, nos termos do artigo 407° do código de processo penal.

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