O grande coelho branco

O mágico pavoneia grande habilidade. Muitos anos de estrada. A cada truque, olhares inquietos prospectam-se na sala de espectáculos. Ali, ele era o rei e todos obedeceriam ao torvelinho de ilusão. O show, entretanto, se encaminhava ao gran finale.

Por Gabriel Bocorny Guidotti
Jornalista e escritor
Porto Alegre – Brasil

De dentro da cartola negra, que parecia vazia até então, brota um enorme coelho branco, puxado pelas peludas orelhas. Um desfecho digno, dignitário de um grande artista.

Imagine o coelho como o universo. Ele é a soma de todos os astros, corpos celestes, criaturas, religiões. Na base dos pelos, como um grão de areia na imensidão, mas no epicentro da criação, a humanidade. Para tentar explicar a existência do coelho, a ciência. Para tentar explicar a criação do coelho, a filosofia, também conhecida como a capacidade de se admirar com as coisas.

O texto começou com um mágico, mas na génese tudo frutifica por meio de uma criança. Vamos supor que uma família esteja reunida para um jantar. Pai, mãe e filho. De repetente, o pai começa a flutuar pela cozinha. A criança, de imediato, aponta com alegria: “papai tá voando”. A mãe, de costas para a cena, vira-se e solta um berro. Seu costume à gravidade fê-la perder a capacidade de se surpreender. Diga-se de passagem, um filósofo é uma pessoa que permanece a vida inteira com a mente aberta, exactamente como a de uma criança.

Voltemos ao coelho. No topo dos pelos, filósofos e crianças voam, praticando seus sonhos. De fora, observando displicentemente, os apáticos e indiferentes. Indolentes, não aceitam largar sua realidade. O cotidiano os consumiu de forma irreversível. Perderam a capacidade de se admirar. Enquanto isso, o mundo revela-se heterodoxo. A vida não é nascer, crescer e morrer, somente. É também perguntar.

Buscar respostas insufla o espírito e nos concede cada vez mais motivos para viver. Quando a rotina nos transforma em máquinas, aniquilamos nossa vontade de perguntar. Assim sendo, a capacidade de se admirar está morrendo no fundamento mercantilista.

Precisamos enfrentar essa tendência. Pense, confronte ideias, respire a brisa da manhã. Imagine o segredo que reserva a cartola do mágico, conjecture sobre as origens do universo. Explore o grande coelho branco. A jornada será magistral.

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