Os ventos anunciando a libertação dos 15+2+1, jovens presos políticos, injustamente acusados de tentativa de golpe de Estado, actos preparatórios e associação de malfeitores, por estarem a ler um livro, visando eliminar o analfabetismo em relação à ditadura e à democracia, continuam a chegar a todos os cantos do país.
Por William Tonet
Para o nascer desta nova aurora estiveram na génese os advogados de defesa, que mesmo fustigados pela demolidora máquina propagandística do regime, das arbitrariedades dos magistrados da causa, não desistiram de clamar por justiça, ante a injustiça. Hoje trazemos mais um destes intrépidos Homens do direito, o advogado Miguel Francisco “Michel”, em entrevista exclusiva ao Folha 8.
Folha 8 – O Tribunal Supremo no Acórdão relativo ao Habeas Corpus, interposto pela equipa de Defesa, do qual o advogado Miguel Francisco foi um dos mais empolgantes actores, parece ter sido muito claro, quanto aos erros primários do juiz da causa. Qual é a leitura que se impõe?
Miguel Francisco “Michel” – Antes de mais, permitam que faça a seguinte correcção: não é que tenha sido um dos advogados mais empolgantes. Toda a equipa de defesa foi empolgante! Todos nos empenhamos para que a legalidade fosse reposta. E foi o que aconteceu. Quanto à leitura que se impõe fazer, penso que o desfecho do caso era o esperado e previsto pela defesa, antes da interposição do Habeas Corpus, pois só mesmo o Juiz de primeira instância não quis enxergar, por razões que não consigo minimamente perceber. Entendo, salvo opinião diferente, que o meritíssimo juiz de primeira instância tinha (e tem) a obrigação de saber que nos Estados de Direito Democrático como o que vigora em Angola, a liberdade é a regra, a sua privação é mera excepção.
F8 – A sua convicção é a de ter havido aqui uma análise imparcial de que factores em concreto?
MFM – A imparcialidade que refere é um imperativo de justiça, pois não faz sentido falar em justiça se o julgador não for minimamente imparcial, daí o aplicador da lei não dever estar arrebatado por qualquer espécie de paixão. Assim, no meu fraco entender, os factores são todos os que a lei impõe; o aplicador deve ter sempre presente a correcta aplicação da lei, num caso concreto. Penso que foi o que os Venerandos do Tribunal Supremo tiveram em conta, corrigindo o juiz de primeira instância.
F8 – Quer dizer que, na sua opinião, o Supremo avaliou com esmero, não só as questões administrativas procedimentais, como as processuais?
MFM – Sem dúvidas, como disse anteriormente, é tarefa de um juiz ser escravo da lei e não de ideologias contrárias ao direito.
F8 – O que leva um juiz a atrasar um recurso que tem a ver com liberdades e direitos fundamentais, ao ponto de levar o Tribunal Supremo a sugerir um procedimento disciplinar, do Conselho Superior da Magistratura Judicial?
MFM – A leitura que faço é má. Muito má! A forma como o meritíssimo juiz de primeira instância se portou ao longo de todo este processo que, infelizmente, ainda não terminou (e oxalá que o desfecho seja o que a defesa preconizou e por isso tempestivamente interpôs o competente recurso), não dignifica a justiça. Atento a gravidade da situação criada com reflexos na credibilidade do sistema judicial que ele tem a obrigação de preservar, impôs que o Conselho Superior da Magistratura Judicial tomasse as medidas que se impõem na plano disciplinar e quiçá, criminal, por abuso de poder.
F8 – Este desfecho leva-o a confiar na justiça angolana?
MFM – Mesmo que muitos não concordem comigo, como ainda há dias ouvi de um “comentarista” do costume, pessoa que muito respeito, enquanto auxiliar da justiça como reza a Constituição, reitero que até prova em contrário, continuo a acreditar no Sistema Judicial de que também faço parte.
F8 – Que análise faz do comportamento dos magistrados do Ministério Público e do Judicial, no julgamento dos 15+2 de triste memória?
MFM – Bom. É claro, como a água, que com comportamentos como o do juiz de primeira instância, Januário José, não se vai credibilizar a Justiça no País. Quer se queira, quer não, a verdade porém é a de que a Justiça angolana saiu muito mal na fotografia, como se diz na gíria. E tudo isso por força do que se passou durante o julgamento dos pobres jovens. Logo esta responsabilidade só pode ser imputada ao Ministério Público e ao Tribunal de primeira instância.
F8 – Na sua opinião, o juiz estava manietado por forças externas?
MFM – Não vale a pena esconder isso. Na vã tentativa de querer prestar vassalagem a quem penso dela não precisar, acabou por manchar a própria imagem, e de que maneira.