E se a alternativa só for a guerra?

O MPLA está no poder desde 1975 e por lá vai ficar. A razão é simples. Com a ajuda subserviente da comunidade internacional, o regime continua a aumentar a razão da força e a arrasar a força da razão. Só militares são mais de 100 mil. Activistas sociais são… 15+2.

Por Orlando Castro

Todo o mundo sabe que com o poder absoluto que tem nas mãos (é também o presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo), José Eduardo dos Santos é um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente autocrático, há mais tempo em exercício. E, como também todos sabem, se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente.

O facto de não ser caso único, nomeadamente em África, em nada abona do ponto de vista democrático e civilizacional a favor de Eduardo dos Santos. Mas, verdade seja escrita, isso não o preocupa. Se ele foi capaz de se divorciar da União Soviética para casar com os EUA é porque sabe de que lados sobrevivem os ditadores bons.

Tivesse Muammar Kadafi tido o mesmo sentido estratégico e ainda hoje estaria do lado dos ditadores bons. Como mudou, passou a terrorista mau, e foi o que se viu.

Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. Em qualquer estado de direito democrático tal não seria possível. Mas isso tem alguma importância? Claro que não.

Aliás, e Angola não foge infelizmente à regra, África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para a ditadura.

Com José Eduardo dos Santos passa-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao actual presidente perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.

E quando, por manifesta ingenuidade e não menos manifesta simplicidade, o Povo dá sinais de querer alterar este (mau) estado de coisas, o regime acena logo com o espectro da guerra. “Isso não”, dizem os angolanos de tão sacrificado por dezenas de anos de guerra. E, mal por mal, preferem a barriga vazia do que os tiros.

Também a comunidade internacional vem logo a terreiro para, sem cuidar da veracidade das teses do regime, dizer que não permitirá o regresso à guerra. E como é que o faz? Simples. Apoiando José Eduardo dos Santos.

É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão. Seja na guerra ou na paz, o Povo continua a ser o escravo.

Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de grande estadista. Rótulo que não corresponde ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.

É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.

É, como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.

Reconheça-se, entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como o bode expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.

Desde 2002, o presidente vitalício de Angola tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.

Todos sabemos que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José Eduardo dos Santos não tem as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhuma ditador com 37 anos de permanência seguida no poder, tem as mãos limpas.

Mas essa também não é uma preocupação. Quando se tem muitos e muitos milhões, pouco importa como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.

Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala.

Aliás, como se vê com a farsa que é o suposto julgamento dos 15+2 jovens activistas, a lei primeira do regime é a de que até prova em contrário todos são culpados. Por isso o regime mata primeiro e “interroga” depois. Por isso decreta a sentença e depois faz o julgamento de modo a bater certo com o veredicto. Simples.

Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes de outros povos sujeitos à vontade dos ditadores, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha cada vez mais fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até supostos jornalistas. Não admira, inclusive, que como nas últimas consiga em alguns círculos ter mais votos do que eleitores inscritos.

É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 37 anos, aos quais quer somar mais uns tantos, é sempre o mesmo, José Eduardo dos Santos. Até um dia, como é óbvio.

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