Deputados com (mas sem) motoristas

O Centro de Integridade Pública (CIP), em Angola, denunciou a existência de deputados à Assembleia Nacional da República de Angola que se recusam a contratar motoristas, como mandam as normas protocolares internas do Parlamento, a fim de se apropriarem dos valores (134 mil Kwanzas) e usarem-nos a seu bel-prazer.

Por Dionísio Halata

A fim de fugirem à contratação de motoristas profissionais, há parlamentares que empregam parentes ou filhos, a quem pagam um valor inferior ao que deviam, embora as verbas lhes sejam atribuídas pelo Estado todos os meses, na medida que recebem o respectivo salário de deputado.

No entender do jurista Albano Pedro, tais práticas acontecem por conivência da “Casa das Leis”. “O processo começa a estar viciado já mesmo a partir do momento em que a Assembleia Nacional permite que sejam os próprios deputados a pagarem os motoristas que os transportam todos os dias. Não devia ser assim, por que o Parlamento, enquanto órgão de soberania e do Estado, devia acautelar os direitos e garantias destes trabalhadores. Os motoristas ao serem pagos directamente pelos deputados nem sequer são descontados para efeitos de segurança social ou reforma. Quem os vai amparar futuramente?”, disse o jurista, para quem havendo essa clara violação constitucional, o Executivo devia intervir, através do Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS).

“Não se trata de usurpação de competências entre dois órgãos de soberania, mas antes uma garantia de fiscalização de todas as verbas que saem do Orçamento Geral do Estado (OGE), porque aquele dinheiro que entregam aos parlamentares é cabimentado. Além disso, o MAPTSS tem a responsabilidade de assegurar a protecção dos interesses daqueles funcionários”, continuou o jurista Albano Pedro, em declarações ao Centro de Integridade Pública de Angola (CIP Angola).

A pesquisa do Centro de Integridade Pública de Angola ouviu alguns parlamentares, mas nem todos aceitaram falar sobre a questão. Dos oito deputados da Convergência Ampla de Salvação de Angola-Coligação Eleitoral (CASA-CE), apenas dois aceitaram dar entrevista. Da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) somente quatro se predispuseram falar ao CIP Angola. Enquanto no Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) cinco representantes do povo, dos 175 que foram eleitos, aceitaram abordar a temática com os investigadores do centro já referido.

Segundo a pesquisa efectuada, um dos motoristas acusa os deputados angolanos de fazerem transparecer que tem sido um favor pagar aos motoristas que usam, sejam eles filhos ou parentes seus. Buscam aquelas pessoas que estejam a passar por dificuldades, no seio da família, e “empregam-nos”. Mas dão-lhes a entender que estão a pagá-los do próprio bolso e que a Assembleia Nacional jamais cobre tais gastos, razão por que muitos dos motoristas não conseguem queixar-se em instância nenhuma.

Todavia, nem sempre os deputados usam apenas os filhos ou parentes. Há quem opte por utilizar os agentes da segurança, oriundos da Unidade de Protecção de Individualidades Protocolares (UPIP) ou de Protecção Física (UPF), fornecidos pela Polícia Nacional para a proteger os parlamentares.

Lindo Bernardo Tito, deputado e vice-presidente da CASA-CE, é citado como um dos parlamentares que recorre a essa prática, utilizando o dinheiro (134 mil Kwanzas), que devia pagar ao motorista, para outros fins, designadamente entrega-os aos dois filhos que, segundo disse ao CIP Angola, apoiam a família com a viatura domestica que lhe foi atribuída pelo Estado.

Nfuca Muzemba, da UNITA, é outro deputado que não possui motorista, porque também utiliza as verbas, que o Estado lhe dá, para outros fins. “Uso-o para atender a outros funcionários”, afirmou o parlamentar.

Já Sérgio Luther Rescova, deputado pelo MPLA, mensalmente paga apenas 80 mil Kwanzas ao motorista, pois o que mais importa a Rescova não é pagar o valor completo ao mesmo, mas antes o tratamento humano que lhe dá em contrapartida. “O meu motorista é mais do que um simples motorista. Ele entende. Não há razões para ele se queixar, porque sempre que posso tento ajudá-lo”, afirmou deputado, que também é o líder nacional da juventude do MPLA, o partido que dirige o País desde a Independência Nacional, em 1975.

Embora nem todos o façam, ainda assim há motoristas que, em privado, lamentam a situação humilhante por que passam. “Se foi para eles que votamos e, por esse motivo, deviam representar-nos e defender-nos, mas não o fazem. A quem então havemos de nos queixar mais?”, clamou um deles, aos pesquisadores do CIP Angola.

Diferente dos colegas, a deputada da UNITA, Navita Ngolo, afirmou que paga a totalidade dos 134 mil Kwanzas ao motorista, pois o facto de ela ser jovem e, sobretudo, religiosa impede-a de roubar o pouco que cabe aos outros (nesse caso, aos motoristas!).

O Centro de Integridade Pública de Angola é uma organização não-governamental angolana, apartidária e apolítica, que se propõe investigar, fiscalizar e denunciar actos contra a integridade pública no País, assim como acompanhar o grau de cumprimento dos pronunciamentos dos detentores de cargos públicos, nos mais diversos segmentos da vida nacional.

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