De joelhos nunca!

Foi há um ano. Assassinaram jornalistas e polícias, em Paris, num atentado contra o semanário satírico francês “Charlie Hebdo”. Foi também um ataque contra a liberdade de expressão.

Por Orlando Castro

F oi visto assim por muitos, alguns apenas como forma de cumprirem uma formalidade politicamente correcta. Mesmo em países não muçulmanos o lamento sabe a hipocrisia. Isto porque, para muitos, a liberdade de expressão (quando não coincide com a verdade oficial) representa um atentado contra a segurança do Estado.

Por cá, ou seja por Angola, todos os poderes instituídos defendem oficialmente a liberdade de expressão e de imprensa… nos outros países. A nível interno isso é uma chatice.

É verdade que tanto cartoonistas como jornalistas da África lusófona expressaram também a sua condenação. Fizeram-no cumprindo um dever sincero de solidariedade, sabendo muitos deles que também são um alvo preferencial.

E por falar em jornalistas lusófonos, relembremos que o jornalista Carlos Cardoso foi assassinado, em Moçambique, no dia 22 de Novembro de 2000 porque, como Jornalista, fazia uma séria investigação à corrupção que rodeava o programa de privatizações apoiado pelo Fundo Monetário Internacional.

Para Mia Couto, “não foi apenas Carlos Cardoso que morreu. Não mataram somente um Jornalista moçambicano. Foi assassinado um homem bom, que amava a sua família e o seu país e que lutava pelos outros, os mais simples. Mas mais do que uma pessoa: morreu um pedaço do país, uma parte de todos nós”.

Embora sejam uma espécie em vias de extinção, os Jornalistas continuam (em todo o mundo) a ser uma espinha na garganta dos ditadores, mesmo quando eleitos estão escudados em regimes ditos democráticos.

Por cá, o regime de José Eduardo dos Santos – perante a criminosa indiferença da comunidade internacional – já elaborou o seu plano e já estão contratados os assassinos, para eliminar sem deixar rasto, jornalistas do Folha 8. Entre outros. É uma questão de tempo e de oportunidade.

“Como eles não querem vender o órgão, vamos acabar com a cabeça, para imobilizar o corpo todo, pois continuam a fazer estragos na imagem do camarada Presidente e do governo”, dizia um informe dos Serviços de Inteligência a que o F8 teve acesso.

O principal visado é, continua a ser, o nosso director, William Tonet, “pela rudeza dos escritos, no seu jornal, onde não falta a regularidade de publicação de segredos do Estado, calúnia e difamação, contra o camarada Presidente José Eduardo dos Santos, sua família e dirigentes do partido, o MPLA, e membros do governo”, justificam, no documento considerado secreto, os algozes da Segurança, para legitimar o plano macabro, depois da UGP (Unidade da Guarda Presidencial), exército reconhecidamente privado e ilegal à luz de um Estado de Direito, de José Eduardo dos Santos, ter falhado a sua morte, com o “abalroamento” da sua viatura no dia 29 de Setembro de 2013, na zona do Morro Bento, em Luanda.

O tom ameaçador subiu, na véspera do Natal de 2014, após publicação de uma entrevista concedida ao Semanário Crime, onde William Tonet aborda com frontalidade questões do 27 de Maio de 1977, opinando que Angola ganharia mais caso se tivesse efectivado um golpe de Estado, liderado por Nito Alves.

Em Dezembro do ano passado, há portanto meia dúzia de dias, voltaram a avisar: “pára de falar mal do camarada Presidente, porque graças a ele, seu cabrão de merda, ainda, estás vivo”!

Pelo tempo passado, importa reflectir nas razões – sempre actuais – que levaram ao assassinato de Carlos Cardoso, Ele morreu por entender que a verdade é o melhor predicado dos Homens de bem. Morreu, ainda segundo Mia Couto, porque “a sua aposta era mostrar que a transparência e a honestidade eram não apenas valores éticos mas a forma mais eficiente de governar”.

Morreu, “por ser puro e ter as mãos limpas”. Morreu “por ter recusado sempre as vantagens do Poder”. Morreu por ter sido, por continuar a ser, o que muito poucos conseguem: Jornalista.

“Liquidaram um defensor da fronteira que nos separa do crime, dos negócios sujos, dos que vendem a pátria e a consciência. Ele era um vigilante de uma coragem e inteligência raras”, afirmou Mia Couto num testemunho que deveria figurar em todos os manuais de Jornalismo, que deveria estar colocado em todas (apesar de poucas) Redacções onde se faz Jornalismo.

É certo que no mundo lusófono não são muitos os casos de morte física. Mas há, igualmente, muitos assassinatos. O crime contra os Jornalistas é agora muito mais refinado. Não se dão tiros, marginaliza-se. Não se dão tiros, rescinde-se. Não se dão tiros, amordaça-se. Não se dão tiros, descredibiliza-se.

“O sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pela selvajaria, pela ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueamento de dinheiro e do tráfico de armas. E o fazem, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia garantir a ordem e punir a barbárie”, disse Mia Couto numa cerimónia fúnebre em Honra de Carlos Cardoso.

Por cá, tal como por lá, os algozes do regime continuam apostados em matar os mensageiros. Ainda não se convenceram que matar o mensageiro não resulta. A liberdade continua viva.

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