Candando de Isabel dos Santos abastece Sonangol

Para se defender da contestação popular, a presidente do Conselho de Administração da Sonangol, nomeada para o cargo num exercício de evidente nepotismo por parte do seu pai, tem vindo a queixar-se de que é vítima de intrigas políticas. Mas, se por um lado se queixa, por outro mais não tem feito do que tomar medidas que dão total razão a todos os angolanos contestatários.

Por Graça Campos (*)

Recentemente, Isabel dos Santos socorreu-se do seu primo Manuel Lemos (o primeiro genro de Marta dos Santos, irmã de José Eduardo dos Santos) para fazer chegar aos responsáveis da contratação de serviços da Sonangol as suas “ordens superiores”.

Que ordens são estas? Isabel dos Santos decidiu que o supermercado Candando, que lhe pertence, será o fornecedor exclusivo de cabazes à Sonangol. Desde Julho, o supermercado Candando fornece, em regime de exclusividade, os bens alimentares e outros aos refeitórios da petrolífera. Neste caso, Manuel Lemos, administrador-executivo da Sonangol, limitou-se a conferir o cunho oficial a uma prática já em curso desde que Isabel dos Santos tomou posse, em Junho passado.

Entre cabazes, eventos de Natal e Ano Novo, assim como outros mimos que os funcionários da petrolífera partilham com membros da presidência da República e os incontáveis anexos e dependências, a Sonangol gasta anualmente qualquer coisa como US $100 milhões.

Isabel dos Santos decidiu deitar mãos a uma porção significativa desta maquia. Com duas simples “ordens superiores”, a filha do presidente da República – não é demais repetir, porque só por esta razão é que ela se tornou presidente da Sonangol – abocanhou o que muitas empresas pelo mundo fora não conseguem em anos de trabalho porfiado.

Aliás, a filha do presidente da República não tentou sequer maquilhar o seu propósito. Pessoas com costas menos protegidas teriam, por certo, promovido um concurso público para conferir alguma transparência à operação milionária. Mas a filha do presidente da República não precisa de se sujeitar a este género de aborrecimentos. Queria para si o dinheiro que a Sonangol desperdiça em cabazes, e foi-lhe feita a vontade. A filha do presidente da República tem as almofadas todas do Estado ao seu dispor, e não se coíbe de fazer uso disto. O que não pode é pretender que todos os angolanos subscrevam silenciosamente os seus actos.

A decisão de atribuir ao Candando o monopólio dos fornecimentos de cabazes e outros serviços à Sonangol coloca a nu uma crua realidade: a filha do presidente da República não está de todo interessada em sanear a empresa. O estado calamitoso em que se encontram as contas da Sonangol não lhe perturba o sono.

Atribuir o monopólio dos cabazes ao Candando, garantidamente a superfície comercial mais cara do país, revela que a recuperação da Sonangol não é tarefa que dê trabalho aos neurónios da filha do presidente.

Qualquer gestor sensato e consciente das responsabilidades que recaem sobre uma empresa como a Sonangol teria optado por um caminho bem diferente daquele que foi seguido por Isabel dos Santos. Num momento em que inúmeros chefes de família já não conseguem garantir o famigerado pão nosso de cada dia, manter a importação de cabazes para a petrolífera é somente um acto imoral.

A filha do presidente, de resto, elevou a imoralidade a patamares que se julgavam impossíveis, até mesmo em países do faz de conta, como é o caso de Angola, onde já não há limite para os abusos de poder.

Também por todas estas razões, a filha do presidente da República não tem qualquer justificação para se afirmar vítima de perseguição política. Muito pelo contrário. Vítimas de intrigas políticas, e perseguidos, são os milhões de angolanos impedidos de participar na gestão do seu país.

Vítimas são os milhões de angolanos que vêm o seu património, as suas empresas – sim, porque as empresas públicas são de todos nós – escorrerem para as mãos da filha do presidente.

Vítimas são os milhões angolanos que ao longo dos últimos 30 anos não são tidos nem achados para decidir sobre questões essenciais, como por exemplo o presente e o futuro da Sonangol.

Vítimas são os milhões de angolanos cada vez mais pobres, para que a filha do Presidente se possa passear pelo mundo como a mulher mais rica de África.

Vítimas são os milhões de angolanos aos quais não é fornecida a menor explicação para o facto de os diamantes mais valiosos descobertos em Angola irem parar, invariavelmente, às mãos da filha do presidente e do seu marido Sindika Dokolo. Esses sim, esses milhões de angolanos é que são vítimas.

Ao não resistir, mais uma vez, à tentação de enriquecer a qualquer preço, a actual gestora da Sonangol confere abundantes razões a todos quantos contestam a sua nomeação.

Está visto que entre a filha do presidente da República e o erário público deveria ser erigida uma barreira absolutamente intransponível. Por razões patológicas ou de outra natureza, Isabel dos Santos não resiste a deitar a mão àquilo que deveria ser de todos os angolanos. Foi assim com a Nova Cimangola, que de um momento para o outro passou para as suas mãos sem que ate hoje o país consiga perceber o que se passou; foi assim com a Unitel, que deveria ter sido uma empresa do Grupo Sonangol. Foi assim com o BFA, onde a Sonangol deveria ter posição preponderante. É assim com a Imogestin.

O Estado angolano endividou-se seriamente para mitigar a escassez habitacional no país. A construção das centralidades obedece a esse esforço. Mas a quem foi atribuída, sem qualquer concurso, a venda dessas habitações? Mais uma vez, a filha do presidente surge no meio do caminho.

Segundo o raciocínio da filha do presidente, qualquer dia todos os angolanos poderão responder em tribunal por supostamente a perseguirem. Isto faz algum sentido?

E se algum dia, pelo contrário, os termos da equação se inverterem? Ou seja, se os espoliados de hoje decidirem pedir contas a quem os colocou na indigência em que se encontram, quem se sentaria no banco dos réus? Esta é a pergunta pertinente.

(*) Maka Angola
Foto: Folha 8

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