O ministro das Relações Exteriores de Angola, Georges Chikoti, afirmou que “não há motivos para alarme” nas ameaças à segurança de estrangeiros no país, assumindo que o alerta emitido este mês pela embaixada norte-americana em Luanda foi extemporâneo.
D esde 8 de Janeiro que os cidadãos dos Estados Unidos da América são aconselhados a evitar três locais de Luanda, após informação sobre uma “potencial ameaça de segurança” na capital angolana, de acordo com um alerta do Departamento de Estado norte-americano, corroborado dias depois pelo Reino Unido, que também alertou os seus cidadãos.
“Havia de facto uma certa informação que partiu de Angola, informando essas embaixadas, particularmente a norte-americana, para fazer alguma contenção. Isso ocorreu no início do mês passado [Dezembro], mas esse perigo depois dissipou-se, não se confirmou. Mas o Governo americano só emitiu esta nota para o seu pessoal aqui no início deste mês. É a mesma informação, mas vem com algum atraso”, disse hoje Georges Chikoti, em declarações à rádio pública angolana.
O chefe da diplomacia angolana disse ainda, após consulta ao Ministério do Interior, que os alertas surgidos em Dezembro estão a ser investigados e que “não há necessariamente algum perigo neste momento e nesta hora”.
“A informação que foi circulada pela embaixada norte-americana foi feita com atraso relativamente ao tempo em que lhe tinha sido dada esta informação. Não havia motivos para alarme”, apontou Georges Chikoti, garantindo que a situação geral é de “estabilidade”.
Emitido e publicado na página de internet da unidade de segurança diplomática (Bureau of Diplomatic Security) do Departamento de Estado, o alerta resultou, lê-se, de uma “informação recebida na embaixada” em Luanda, mas sem concretizar a informação sobre a ameaça.
O alerta ficará activo até 8 de Fevereiro e os cidadãos norte-americanos em Luanda são aconselhados, “como medida de precaução”, a evitar a presença no Belas Shopping, Ulengo Comercial Center e Hotel Baía (centro da cidade).
Na mesma informação, os cidadãos norte-americanos são aconselhados a elevar o nível de alerta pessoal, a evitar grandes eventos e locais de concentração em Luanda, bem como à revisão de planos de segurança individuais.
O que, afinal, se teme?
Então o que se teme? Atentados terroristas? Revolta social? Manifestações contra o regime? Excluída à partida deverá estar a tese do embaixador itinerante do regime, Luvualu de Carvalho, de que a NATO – a pedido dos activistas dos direitos humanos detidos – poderia fazer uma intervenção no país. Sendo os EUA membros na NATO… não parece credível. Mas, como em tudo, há razões estratégicas que o regime conhece mas não divulga.
Quando Luvualu revelou essa tese, a NATO esclareceu que “não se envolve militarmente seja em que país for sem um pedido explícito dos governos ou do Conselho de Segurança das Nações Unidas autorizando os Estados-membros a agir”.
Será que, embora em sentido contrário, Angola encena uma nova farsa para, como membro do Conselho de Segurança da ONU, pedir uma intervenção militar de combate ao terrorismo ou – melhor ainda – obter cobertura para com os seus próprios meios levar a cabo uma purga que arrase todos os potenciais, e não potências, contestatários internos?
Desde logo importa saber quem beneficia com este alerta do Departamento de Estado dos EUA. E o principal beneficiário é, na actual situação social em que as sementes primaveris andam por cá, o regime. Não é, pois, de excluir – apesar da explicação de Georges Chikoti, a possibilidade de o regime conseguir cobertura internacional para pôr a casa na ordem que mais lhe convém.
Apesar de caricata, a afirmação de Luvualu de Carvalho de que os activistas detidos desde Junho em Luanda queriam provocar uma intervenção da NATO em Angola que conduzisse ao derrube do Presidente José Eduardo dos Santos até faz – agora – sentido. Os EUA aí estão a – sob o manto da segurança dos seus cidadãos – garantir que nada acontecerá ao regime.
Socorrendo-se das afirmações do ministro do Interior do regime, Ângelo Veiga Tavares, o embaixador itinerante disse na altura que os activistas pretendiam realizar uma marcha até ao Palácio Presidencial, “levando com que fossem quebradas as regras de segurança (…) para que a guarda presidencial ou a polícia presente reagisse, matasse crianças, matasse senhoras e matasse idosos para provocar a comoção internacional e justificar então uma intervenção vergonhosa”.
“É isto que se procurava. Que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) ou alguns países que dela fazem parte fizessem um ataque a Angola, para que se verifique o horror que se verifica agora na Líbia ou se verificou e verifica na Tunísia”, acentuou o diplomata itinerante.
Para melhor se perceber a estratégia do regime basta ver o Orçamento Geral de Estado, um documento político que traduz em números as opções políticas do poder executivo. E a principal opção chama-se repressão.
A opção política do OGE de 2016 é simples e está vertida nos respectivos números: a fatia dedicada à defesa, segurança e ordem aumente 8,9%, enquanto a parte respeitante a despesas sociais diminui cerca de 2%.
A verdade é que, quando o povo sofre uma intensa crise económica, o Governo não se preocupa com os apoios sociais: preocupa-se com a repressão. Apenas assim é possível justificar que os ministérios com a maior dotação orçamental sejam a Defesa e o Interior e só depois surja a Saúde.
E, mesmo depois de a princesa-filha Isabel dos Santos dar a sua entrevista à BBC e dizer que o principal desafio com que se depara Angola é a educação, o orçamento da Educação desce em termos relativos, na distribuição de recursos pelos vários sectores, subindo apenas 1% em relação ao ano transacto. Em resumo, não há qualquer investimento real na educação.
Simultaneamente, as despesas com a Justiça também sofrem um decréscimo, nesse caso através de um corte efectivo.
Não há democracia se a justiça não funcionar. Não há liberdade se a justiça não funcionar. Olhando para os números, vê-se claramente o que pensa o Governo: o principal objectivo é manter o poder à força, o povo é irrelevante e a justiça deve ser acantonada e depauperada, para não ter qualquer veleidade.
É impressionante o modo como uns números aparentemente inócuos traduzem, na verdade, uma política assente na repressão. E, no entanto, até mesmo estas dotações são enganadoras.
Veja-se o caso da Defesa: um soldado das FAA ganha 22 000 Kz, menos de 100 dólares. Como é que tal é compaginável com o imenso orçamento da Defesa? Alguma explicação terá de existir para que os soldados ganhem menos do que os seguranças privados que guardam os bancos e do que as empregadas domésticas dos altos oficiais do exército. Ora, a estabilidade que um generoso orçamento para a Defesa sugere é enganadora. Este pagamento miserável aos soldados, que os coloca quase ao nível de escravos, não assegura qualquer modernização ou avanço das Forças Armadas.
E tem de colocar-se a seguinte questão: o governo, que tem medo de tudo, não tem medo de que estes soldados, sem logística adequada ou equipamento, sejam um foco de rebelião?
É que a divisão nas FAA acentua-se numa perspectiva classista: os generais têm tudo; os soldados não têm nada. A redução orçamental na Justiça coloca grandes perplexidades. Este decréscimo revela o quê sobre os magistrados?
Ultimamente, o ministro da Justiça, Rui Mangueira, tem desempenhado o papel de ministro das Relações Exteriores, defendendo, nas suas viagens ao exterior, a política torcionária do regime, ao invés de zelar pelo interesse da Justiça. Os magistrados parecem contentar-se com privilégios pessoais, como automóveis e casas, remetendo-se a um silêncio tumular acerca das condições de trabalho a que estão sujeitos.
Será por isso que se escolhem juízes com fraca preparação técnica, quando há muitos e competentes juízes em Angola, que, no entanto, preferem manter-se à parte? O posto de magistrado depende mais da lealdade ao regime do que da competência?
É evidente que a diminuição das condições financeiras para o exercício da Justiça tem duas consequências óbvias: só os piores vão escolher esta área, rapidamente perdendo qualquer independência, porque esta começa sempre nas condições financeiras.