O Tribunal Supremo negou (como, aliás, era esperado) provimento ao pedido de ‘habeas corpus’ para libertação dos 15 activistas em prisão preventiva desde Junho, garantindo (pois!) que os prazos de detenção não foram excedidos.
Por Orlando Castro
O u seja, a Lei existe apenas para dar cobertura ao que interessa. Quanto ao resto… siga a banda. É, pois, o que diz o acórdão hoje divulgado pela defesa dos activistas.
Recorde-se que em causa está um processo em que 17 jovens são acusados, entre um manancial de outros supostos crimes contra a segurança do regime, em co-autoria, de actos preparatórios para uma rebelião e para um atentado contra o Presidente da República, tipificados na lei dos crimes contra a segurança do Estado com uma pena até três anos de cadeia.
Também admite a possibilidade de, à semelhança do que acontece com outras duas jovens arguidas no processo, os suspeitos aguardarem em liberdade a decisão de julgamento que arrancou na segunda-feira, em Luanda, e terá o seu epílogo quando deus (leia-se José Eduardo dos Santos) quiser.
Os advogados de defesa, ingenuamente baseados no espírito da lei e na miragem de que Angola é um Estado de Direito, invocaram no ‘habeas corpus’, que deu entrada no Tribunal de Supremo a 30 de Setembro, excesso de prisão preventiva (além de 90 dias previstos).
No acórdão hoje divulgado, com data de 5 de Novembro e notificado pelo tribunal ao fim de 15 dias, os três juízes da Câmara Criminal acordam, diz a Lusa, em negar provimento ao pedido de libertação “na actual fase do processo”, por “se afigurar legal a detenção dos requerentes”.
Recordam, sobre a mesma lei, que prevê (artigo 10.ª) que “será inconveniente a liberdade provisória” quando “em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do delinquente haja receio fundado de perturbação da ordem pública ou da continuação de actividades criminosas”.
É evidente, como todos sabemos, que se os jovens detidos estivessem em liberdade iriam continuar a sua actividade criminosa. Por alguma razão o despacho da ala radical do MPLA, eufemisticamente apelidada de Ministério Público, afirma que os activistas foram detidos – nem mais, nem menos – “em flagrante delito” quando se preparavam para uma actividade criminosa, cuja etílica matéria de facto recolhida pelos peritos revela “actos preparatórios para a prática de rebelião e atentado contra o Presidente da República”.
Abona a favor da decisão o facto de, nesse flagrante delito, ter sido descoberto em poder dos jovens diverso material bélico, altamente letal, a saber: 12 esferográficas BIC (azuis), um lápis de carvão (vermelho), três blocos de papel (brancos) e um livro sobre como derrubar as ditaduras.
Sabe-se, igualmente, que a Polícia Nacional do regime descobriu que os jovens activistas tinham mísseis escondidos nas lapiseiras, Kalashnikovs camufladas nos telemóveis e outro armamento pesado e letal disfarçado nos blocos de apontamentos. São, reconheça-se, provas mais do que suficientes para provar que estavam a preparar um golpe de Estado.
Os jovens estavam no seu quartel-general numa reunião dos seus estrategas militares que planeavam o golpe a partir da leitura do livro “Da ditadura à democracia — Uma estrutura conceptual para a libertação”, do norte-americano Gene Sharp.
No quintal, debaixo de uma mangueira, o exército mobilizado por esses jovens (talvez uns milhões de guerrilheiros – o Ministério Público é omisso nesta contagem) afinava os códigos para lançamento dos mísseis e, talvez, até de ogivas nucleares contra a residência de Eduardo dos Santos…
Perante este manancial de provas, o Ministério Público do regime provou que os jovens activistas estavam envolvidos numa conspiração para a “destituição do Presidente da República e de outros órgãos de soberania”, plano que estava a ser congeminado há muito, muito tempo. Cerca de três meses.
Agora, os juízes sublinham ainda que aquela lei prevê um período inicial de 90 dias para prisão preventiva na fase de instrução preparatória (antes do julgamento), mas “prorrogáveis por mais 35 dias”. Se virem bem, perante a gravidade dos crimes, o mesmo período pode ser prorrogado por mais 350 dias, no mínimo. Portanto, tudo conforme a lei deles.
“(…) Estando eles [arguidos] privados de liberdade por um período de 101 dias [à data], isto é, não atingindo o máximo de 125 dias”, lê-se no acórdão. Ou seja, ainda estão com sorte.
“Decorre daí não se ter registado o excesso de prisão preventiva em instrução preparatória e a consequente prisão ilegal alegada pelos requerentes”, acrescentam os juízes, certamente com a concordância do Presidente do MPLA e do Titular do Poder Executivo, subscrita também pelo Presidente da República.
Referem igualmente que na fase de julgamento em curso a prisão preventiva está condicionada a um ano, “não sendo aqui o caso”.
Este é já o segundo pedido de ‘habeas corpus’ apresentado pela defesa dos 15 jovens em prisão preventiva, o primeiro dos quais também foi negado pelo Tribunal Supremo e que aguarda decisão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, prevendo-se um veredicto nos próximos 365 dias.
“Os factos descritos evidenciam claramente que os arguidos participaram em reuniões com vista a traçar estratégias e acções, tais como manifestações, greves e desobediência civil generalizada, conducentes à destituição do Governo e do Presidente da República”, considera – com uma antológica perspicácia – o Ministério Público do regime.
Assim os procuradores do regime entendem, baseados nos dados recolhidos, que as sessões de formação realizadas na livraria Kiazele, na Vila Alice, em Luanda, visavam “mobilizar as massas populares ideais para desacreditar a governação do executivo angolano”. Coisa inexequível dada a credibilidade de que goza, há 40 anos, o regime, e há 36 anos o Presidente Eduardo dos Santos.
Ainda com a perspicácia investigativa dos melhores peritos do país, foi possível concluir que nesses “encontros de concertação” se preparava a máquina de guerra para “destituir o poder político em Angola”. Poder esse legitimado democraticamente e que, inclusive, faz com que José Eduardo dos Santos nunca tenha sido nominalmente eleito.
O Ministério Público do regime aborda igualmente a análise conspirativa dos frustrados (como chamou aos jovens o próprio Eduardo dos Santos) baseada também numa “suposta obra de Domingos da Cruz [um dos arguidos] com o título “Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura: Filosofia para a libertação de Angola”, uma adaptação do livro de Gene Sharp “Da Ditadura à Democracia”.
Pedagogicamente, ou não fossemos todos matumbos, o Ministério Público do regime explica que essa obra “inspirou as chamadas revoluções nos países da Europa de Leste, países nórdicos, africanos, como a Tunísia, o Burkina Faso, Egipto e Líbia, cujas consequências de tão nefastas deixaram os países atingidos completamente na desgraça, destruídos pelo vandalismo e pelas guerras que se seguiram”.
Mostrando que (até) sabem ler, os instrutores do processo explicam que naquele obra o autor “ensina como desencadear acções de raiva, revolta e revolução para o fim da tirania através de manifestações generalizadas, greves e desobediência civil”.
Mais. Concluem que os jovens, ao “importar os ensinamentos de Gene Sharp”, pretendiam impulsionar um descontentamento generalizado da população “com o objectivo de destituir” José Eduardo dos Santos.
O Ministério Público do regime pormenoriza, o que só comprova a eficiência dos seus serviços secretos, as fases das reuniões subversivas. Ou seja, “explicações sobre a metodologia e objectivos a perseguir e preparação de acções para a destituição do Presidente da República, ao que seguiria a criação de um governo de transição”.
Acrescentam as autoridades do regime que os activistas foram apanhados com a boca no botija, ou seja (quase) com o dedo na gatilho. Por outras palavras, no exacto momento em que aprovavam “greves, manifestações generalizadas, violência e o incêndio de pneus em todas as artérias da cidade de Luanda”. E não iam fazer por menos. Eram toneladas de pneus para encher “todas as artérias” de Luanda.
“Os arguidos planeavam formar um governo de salvação nacional e elaborar uma nova Constituição”, dizem os rapazolas do Ministério Público do regime, mostrando contudo que os activistas, inimigos ou terroristas até já tinham gente a trabalhar num novo governo e numa nova constituição. É obra, reconheça-se.
Perante este amontado de crimes, o Ministério Público do regime volta à pedagogia dizendo que “o poder político é exercido por quem obtém legitimidade mediante processo eleitoral livre e democraticamente exercido, sendo ilegítimos e criminalmente puníveis a tomada e o exercício do poder político com base em meios violentos ou por outras formas não previstas nem conformes com a Constituição”.
“Os arguidos, que se auto-denominam também de jovens revolucionários e se dizem defensores dos direitos humanos e lutadores pela democracia, não respeitaram (nem respeitam), voluntária e conscientemente, os órgãos de soberania, a Constituição da República de Angola e as leis do país, nomeadamente a lei de reunião e de manifestação”, diz o Ministério Público do regime.
É de crer que só mesmo a benevolência divina de Eduardo dos Santos impedirá que este frustrados energúmenos não sejam condenados a entrar – como outros – na cadeia alimentar dos jacarés do Bengo.