Luaty Beirão é nesta altura, e sê-lo-á certamente no futuro, um marco na luta pela democracia real em Angola. Na nossa história haverá um antes e um depois do Luaty. Contra a vontade do regime, mas haverá.
Por Orlando Castro
T oda esta luta do Luaty e dos seus jovens companheiros tem, contudo, mostrado que à sua volta gravita – mesmo que inconscientemente – muita avidez de protagonismo e não menos excesso de mediatismo.
À boleia da greve de fome do Luaty, apareceram na ribalta mediática dois protagonistas, embora em escalas diferentes mas ambos com legitimidade inatacável. Mas nem sempre o que é inatacável é o mais correcto, o mais justo, o mais aconselhável para a causa comum. Falamos de Rafael Marques e José Eduardo Agualusa.
José Eduardo Agualusa, ao contrário de Rafael Marques, doseou com perícia o seu protagonismo, as suas intervenções, não pecando por excesso nem cometendo o erro típico da saturação. Soube sempre dar o epicentro da luta a quem o merecia, Luaty Beirão, não confundiu o essencial com o acessório, e foi capaz de mostrar ao mundo a razão dos angolanos.
Rafael Marques, pelo contrário, esteve em todas, foi a todas e repetiu até à exaustão factos que, embora verdadeiros, começam a saber a vulgaridades, tão gigantesca tem sido a sua massificação. Não é o excesso da balas disparadas que matam mais inimigos. São, isso sim, as balas disparadas com conta peso e medida.
Rafael Marques sabe disso mas não resistiu à tentação de confundir a quantidade com a qualidade. Falou muito, disparou e todas as frentes. Fez alguns estragos. Pelo contrário, José Eduardo Agualusa gastou menos munições, escolheu as frentes de combate e, no cômputo, fez muito mais estragos.
À Redacção do Folha 8 têm chegado mensagens dos mais diversos pontos do mundo que, a este propósito, se podem resumir numa só pergunta:
– A Oposição cívica, social e intelectual de Angola só tem uma pessoa (Rafael Marques) capaz de falar do assunto?
Tem mais, é claro! Tem muitas mais. Mas a verdade é que, tanto quanto parece, diversos organismos internacionais, com destaque para a Amnistia Internacional (que teve no caso do Luaty Beirão um papel único), só conhecem Rafael Marques. Reduzem a luta pelos direitos cívicos em Angola a Rafael Marques.
E tanto assim é que, do ponto de vista político interno de Portugal, o próprio Bloco de Esquerda – o único partido português que não se rendeu ao regime de Eduardo dos Santos – só conhece Rafael Marques.
Também os media portugueses quando abordam a questão dos direitos humanos em Angola, só conhecem por regra uma única pessoa – Rafael Marques.
Até mesmo o regime de Eduardo dos Santos goza com a situação. Como é natural, o Folha 8 contacta com regularidade organismos do regime para (tentar) obter reacções, comentários ou informações sobre diversos assuntos. A regra do regime é não responder. Mas, algumas vezes, dizem-nos: “Perguntem à única pessoa que é reconhecida no exterior como porta-voz da oposição social e cívica, Rafael Marques”.
Todos sabemos, reconhecemos e enaltecemos o enormíssimo contributo de Rafael Marques. No entanto, importa ter a noção de que o que é demais é moléstia. Não nos esqueçamos que, no teatro da vida, os espertos sentam-se na primeira fila e os inteligentes na última.
Os primeiros fazem-no porque querem ser vistos. Os segundos… porque querem ver.
Foto: Miguel Manso/Público