Diocese de Cabinda está há um ano sem bispo diocesano

Desde a nomeação do D. Filomeno Vieira Dias para o cargo de Arcebispo Metropolita de Luanda, a 8 de Dezembro de 2014, a Diocese de Cabinda continua com o estatuto canónico de “sede vacante”, assistida pastoralmente por um Administrador Apostólico na pessoa do assim designado Bispo demissionário.

Por Raul Tati
Professor de Relações Internacionais

I sto significa em termos miúdos que a Diocese está sob “governação” directa da Santa Sé até que se eleja o sucessor de D. Filomeno.

Ora, a sucessão pode acontecer dentro de seis meses, segundo a prática, ou estender-se por mais tempo. No caso das Dioceses de Angola, confiadas ao dicastério pontifício da Congregação para a Evangelização dos Povos, em Roma, tem sido comum em casos de transferência do Bispo Diocesano ficarem mais de seis meses em “sede vacante”.

A Arquidiocese de Luanda, depois do passamento físico do seu malogrado Arcebispo D. Damião Franklin, esperou oito meses pela nomeação do novo Arcebispo. Em relação à Diocese de Cabinda, a expectativa sobre o nome do futuro sucessor de D. Filomeno já vai dando lugar à impaciência, pois, é entendimento do senso comum de que a demora está sendo demasiada. Já fui indagado por pessoas amigas, maioritariamente não originários de Cabinda, sobre o assunto. A questão que se coloca é: será que está difícil encontrar um Bispo para Cabinda?

Pretendemos aqui oferecer alguns subsídios avulsos que nos podem ajudar a compreender a natureza dos Bispos Diocesanos, o processo de eleição/nomeação e demais procedimentos canónicos afins.

1 – Quem é o Bispo Diocesano?

Para mim, a doutrina do Concílio Vaticano II sobre o múnus dos Bispos resume-se bem com esta expressão: «Os Bispos, como sucessores dos Apóstolos, recebem do Senhor, a quem foi dado o poder no céu e na terra, a missão de ensinar todos os povos e de pregar o Evangelho a toda a criatura, para que todos os homens se salvem pela fé, pelo baptismo e pelo cumprimento dos mandamentos (cf.Mt 28,18;Mc 16, 15-16; Act 26, 17 ss)» (Documento conciliar Lumen Gentium, n.º 24).

Ainda no mesmo sentido: «Na verdade, Cristo deu aos Apóstolos e aos seus sucessores o mandato e o poder de ensinar todas as gentes, de santificar os homens na verdade e de os apascentar. Por isso, foram os Bispos constituídos, pelo Espírito Santo que lhes foi dado, verdadeiros e autênticos mestres, pontífices e pastores» (Decreto conciliar sobre o múnus dos Bispos, Christus Dominus, n.º2). O direito canónico apresenta uma definição lapidar do Bispo Diocesano: «Chamam-se Bispos diocesanos aqueles a quem foi confiado o cuidado de alguma diocese». (CIC, can 376). Por conseguinte, estes diferem dos Bispos titulares, aqueles que exercem funções que não sejam o governo de uma Porção do Povo de Deus ou simplesmente Diocese.

2 – Quem é que pode ser Bispo?

Para não andar aqui em especulações, convém mesmo cingir-me aos requisitos exigidos pelo direito eclesiástico: «Para que alguém seja considerado idóneo para o Episcopado, requer-se que: 1.º tenha fé firme, bons costumes, piedade, zelo das almas, sabedoria, prudência e seja eminente em virtudes humanas e dotado das demais qualidades, que o tornem apto a desempenhar o oficio; 2.º goze de boa reputação; 3.º tenha ao menos trinta e cinco anos de idade; 4.º tenha sido ordenado presbítero pelo menos há cinco anos; 5.º tenha adquirido o grau de doutor ou ao menos a licenciatura em sagrada Escritura, teologia ou direito canónico num instituto de estudos superiores aprovado pela Sé Apostólica, ou ao menos verdadeiramente perito nestas disciplinas;» (CIC, can.378, parág. 1).

Embora o ideal seja o que está plasmado no direito, nem sempre tais requisitos são cumpridos cumulativamente. Todavia, na nomeação dos Bispos Diocesanos, é de extrema pertinência adequar o perfil do candidato à natureza (sociológica, política, cultural, etc.) da Diocese em questão. Isto significa que nem todo o Bispo bom serve para todas as Dioceses do mundo. Há Dioceses que precisam talvez mais de um Orígenes do que um Santo Cura d’Ars (S. João Maria Vianney). Nem sempre serve um santo lá onde se precisa de um sábio. Salomão não pediu santidade, mas sabedoria… Em todo o caso, é a Sé Apostólica que dá o juizo definitito sobre a idoneidade do candidato a ser promovido (CIC, can 378, parág. 2)

3 – Quem tem competência para eleger/nomear Bispos?

Em princípio, cabe à Santa Sé o direito exclusivo de eleger e nomear Bispos. O direito eclesiástico actual (em vigor desde 27 de Novembro de 1983) rejeita quaisquer privilégios aos poderes civis na eleição de Bispos: «Para o futuro jamais se concedem às autoridades civis direitos ou privilégios de eleição, nomeação, apresentação ou designação de Bispos» (CIC, can. 377, parag. 2).

Do ponto de vista hermenêutico (interpretação da norma) para se entender esta disposição é preciso adentrar as páginas sombrias da História da Igreja que evocam tempos ínvios em que os papados e os bispados estavam à mercê de qualquer comerciante, mercador, latifundiário ou monarca.

O caso mais próximo para nós é o famoso direito do padroado português e da Concordata de 1940 que dizia o seguinte: «A Santa Sé, antes de proceder à nomeação de um Arcebispo ou Bispo residencial ou de um coadjutor cum iure successionis…comunicará o nome da pessoa escolhida ao Governo Português a fim de saber se contra ela há objecções de carácter político geral. O silêncio do Governo, decorridos trinta dias sobre a referida comunicação, será interpretado no sentido de que não há objecção. Todas as diligências previstas neste artigo ficarão secretas» (Acta Apostolica Sedis 32, 1940, 223-224).

Em termos mais precisos, estamos a dizer que o Governo Português tinha uma palavra a dizer na eleição, designação ou nomeação dos Bispos nos seus territórios que incluem as suas ex-colónias em África ou na Ásia. Cá no nosso caso, durante a vigência colonial foram nomeados para Angola apenas dois Bispos negros: D. Eduardo André Muaca para Bispo Auxiliar de Luanda (1970) e D. Zacarias Kamuenho também para Bispo Auxiliar de Luanda (1974). Estes dois prelados, para as autoridades coloniais, estavam supostamente acima de quaisquer suspeitas políticas.

Talvez não fosse este o juízo sobre os demais clérigos angolanos como Joaquim Pinto de Andrade, Cónego Manuel das Neves, Alfredo Osório, Rafael Vicente, Alexandre do Nascimento, Manuel Franklin da Costa, etc. A independência de Angola deitou abaixo o imperativo da Concordata, o que permitiu que a Santa Sé nomeasse Bispos que antes eram figuras incómodas para o poder colonial português. Mas, apesar desta norma ter um grande respaldo no Concílio Vaticano II (Cf Decreto Conciliar Christus Dominus 20), não devemos ter ilusões, pois desengane-se quem pensa que a eleição de Bispos é apenas obra do Espírito Santo. Nos nossos dias, continua a haver influências estranhas na designação de Bispos para certas Dioceses, tidas como sensíveis ou com peculiaridades de monta: Dioceses muito ricas na Europa (Diocese de Milão, de Colónia, etc) ou nos EUA (Los Angeles, New York, etc.) ou Dioceses politicamente influentes (v.g. a Arquidiocese de Luanda tem maior peso político no contexto de Angola) ou ainda Dioceses com diferendos políticos ( Diocese de Cabinda).

Neste último caso, a designação do futuro Bispo de Cabinda não pode passar despercebida ao poder político angolano, tendo em conta o peso político que um Bispo natural ou não de Cabinda pode vir a ter perante o diferendo em curso. O caso da nomeação do D. Filomeno para Bispo de Cabinda, em 2005, foi sobejamente eloquente em relação à intromissão do poder político neste assunto.

4 – Como é que se faz um Bispo na Igreja Católica?

Nos termos do cânone 377 do CIC, todos os candidatos ao episcopado passam, regra geral, por um escrutínio secreto. Em princípio, determina a Igreja que de três em três anos os Bispos da Província Eclesiástica, ou mesmo as Conferências Episcopais, elejam secretamente um elenco de presbíteros aptos para o episcopado e enviem a lista à Santa Sé.

Todavia, os Bispos Diocesanos podem também indicar individualmente os nomes dos presbíteros que julguem idóneos, normalmente três nomes (uma terna). Mas há uma outra figura incontornável na eleição de Bispos, sobretudo em países ditos de missão: a figura do Núncio Apostólico. O direito confere-lhe a competência de propor à Sé Apostólica os ternos (três candidatos) com o seu parecer e as sugestões do Metropolita e dos Sufragâneos da respectiva Província Eclesiástica.

Mas as coisas não decorrem apenas ao nível da mais alta hierarquia. São consultados, com obrigação de segredo pontifício, padres, freiras, leigos ´´notáveis pela sua sabedoria´´, etc. Para as Dioceses da África, dependentes da Congregação para a Evangelização dos Povos (vulgarmente conhecida como Propaganda Fide), a última fase do processo acontece neste dicastério. Os candidatos que aqui forem eleitos ou designados acabam normalmente por ser confirmados por nomeação pelo Papa. Daí só se torna oficial, depois da publicação da bula papal em latim no Acta Apostólica Sedis, órgão oficial da Sé Apostólica.

5 – O que se passa com a Diocese de Cabinda?

Algum tempo depois da nomeação de D. Filomeno para Arcebispo de Luanda, o então Núncio Apostólico em Angola, Monsenhor Novatus Rugambwa, de origem tanzaniana, procedeu à abertura do escrutínio para a sucessão na Cátedra de Cabinda. Foram feitas várias consultas e destas resultou o terno que foi oportunamente enviado à Sé Apostólica.

A lista foi efectivamente enviada. Mas o Núncio teve de enfrentar um círculo de vaticanistas e membros da CEAST contrários à nomeação de um candidato natural de Cabinda para Bispo de Cabinda, por questões políticas. Para o Núncio era preciso desmistificar isso. Muito provavelmente, este Núncio não saiu de Angola sem deixar este dossier concluído e em sede própria.

Ora, a partir destes factos, devo aqui recorrer a um exercício hipotético e especulativo, admitindo de antemão que esta minha análise não tenha o timbre da infalibilidade. Desde o fim de missão e consequente saída de Angola do Mosenhor Rugâmbwa passam-se cerca de oito meses. Lembro-me que deixou Angola em Abril, pois reuni com ele na véspera, num encontro cordial que deu para perceber muitas coisas nas entrelinhas da linguagem diplomática.

Cá comigo, tive a impressão de que o fim de missão deste Núncio foi habilmente forjado. Nem mais. Tenho comigo alguns dados, mas são ainda insuficientes embora indiciadores. Por enquanto basta dizer que o seu predecessor Monsenhor Angelo Becciu, figura que teve um papel controverso na crise da Igreja em Cabinda, depois de uma passeata de seis meses pela nunciatura de Havana, foi guindado ao cargo de sub-Secretário do Estado do Vaticano com funções importantes na governadoria da cidade do Vaticano.

Se quisermos fazer um linkage, podemos então dizer também que o Arcebispo de Luanda, D. Filomeno Vieira Dias, é fâmulo do Monsenhor Becciu e goza do seu beneplácito. Têm tido encontros nas viagens de D. Filomeno a Roma. No que sobre Cabinda diz respeito, é dado consensual que D. Filomeno não vai entregar o báculo a um candidato que não goza do seu apoio e da sua aceitação. Não me parece que queira deixar que a sua obra, e sobretudo, o espírito que implementou durante os nove anos à frente da Diocese (os novos rumos), sejam interrompidos ou anulados.

É fácil, pois deduzir que o processo da designação do futuro Bispo de Cabinda conheceu algum revés nos últimos tempos, facto que explica sobejamente esta demora. Há interesses transversais em jogo que nada têm a ver com o Evangelho. Por cá, em Cabinda, no seio dos cristãos e dos padres com que privo, transparece uma forte suspeita que D. Filomeno estará a apostar no seu actual Vigário-Geral, o Pe Francisco Nionje Capita, para sua sucessão. Este é o único padre da confiança pessoal do agora Administrador Apostólico de Cabinda.

Sempre manifestou uma predilecção indisfarçável por ele. E este morre de lealdades quixotescas por aquele. Entretanto, esta hipótese já está a fazer pairar de novo o espectro de uma nova crise na Igreja em Cabinda, desta feita com a iminência de um verdadeiro cisma entre os católicos, que já está em curso, pois a nova comunidade católica das Américas, liderada pelo carismático padre Jorge Congo, afirma-se de dia para dia como uma grande ameaça.

Aliás o Administrador Apostólico e o seu Vigário fizeram recentemente uma concertação sobre o assunto na sequência da presença dessa comunidade no velório do malogrado sacerdote Gabriel Nzau. Foram com intuito de rezar, mas não foram bem acolhidos. Consta que medidas preventivas já foram tomadas contra essa nova comunidade. Muitos admitem a possibilidade de desertar definitivamente do catolicismo romano, caso se concretize a designação de mais um “indesejado” para Bispo de Cabinda.

Para terminar, creio que a chave do enigma do futuro Bispo de Cabinda jaz nas mãos do senhor Administrador Apostólico, D. Filomeno Vieira Dias. Digo isso por várias razões: primeiro, por ser o Bispo demissionário; segundo, porque é o Arcebispo Metropolita de Luanda, Província Eclesiástica de que Cabinda é parte; por último, porque é o Presidente da CEAST a quem se reservam algumas prerrogativas na eleição dos Bispos da CEAST. Ele sabe quem o vai substituir e di-lo-á no dia e na hora certa. Até lá só nos resta esperar.

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