Ao que parece, mesmo quando de vez em quando aparece um sinal de sentido contrário, os ortodoxos do regime não conseguem – tal é o índice canino de bajulação – deixar às gerações vindouras algo mais do que a pura expressão da cobardia que, entre outras coisas, faz com que milhões de angolanos tenham pouco ou nada, e poucos tenham muitos milhões.
Ainda recentemente, no Huambo, o comandante-adjunto da Região Militar Centro para a Educação Patriótica, brigadeiro Simeão Domingos Francisco, disse que o Presidente da República e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Angolanas, José Eduardo dos Santos, é “um político e humanista de dimensão mundial”, tendo em conta a constante preocupação que tem demonstrado na manutenção da estabilidade política dos Estados africanos, em particular das regiões da SADC e da Conferência Internacional dos Grandes Lagos.
O brigadeiro (depois desta intervenção deve obrigatoriamente ser promovido a general) destacou que em várias ocasiões de crise política e militar interna, o Presidente da República sempre usou a diplomacia como instrumento eficaz para a busca do entendimento, da paz, da igualdade, do desenvolvimento económico-social, na resolução de conflitos, pacificação, bem como no combate às injustiças e ingerências nos assuntos internos de outros Estados soberanos. Nem o próprio José Eduardo dos Santos diria melhor.
Segundo o oficial especializado no vital ramo militar da Educação Patriótica, graças à postura de liderança de José Eduardo dos Santos, Angola tornou-se num país privilegiado na região austral de África e na União Africana, assim como na Organização das Nações Unidas, estando a jogar um importante papel na procura de soluções pacíficas por meio do diálogo e da concertação, sobretudo para os conflitos que têm afectado alguns países da Região dos Grandes Lagos.
“A participação das Forças Armadas Angolanas em missões de apoio à paz em África e a capacidade organizativa de Angola no acolhimento de Exercícios Militares Conjuntos, bem como as questões de defesa e segurança do país, protecção das fronteiras, salvaguarda da independência, soberania e integridade territorial, fazem do estadista um grande e verdadeiro ícone da história africana”, sublinhou Simeão Domingos Francisco, certamente ajoelhando-se perante a veneranda imagem de José Eduardo dos Santos.
De acordo com o brigadeiro Simeão Domingos Francisco, as FAA são consideradas as melhores forças que o continente africano possui, do ponto de vista de organização, disciplina e coerência no cumprimento do dever patriótico, com base no respeito escrupuloso da Constituição e dos órgãos de soberania.
Acrescentou que, em função desta sábia liderança (de Eduardo dos Santos, não convém esquecer), as FAA constituíram-se, ainda, num verdadeiro baluarte da paz, unidade e reconciliação nacional, servindo de verdadeiro exemplo para a nação, no que respeita à preservação da paz.
Talvez os génios do regime, e este brigadeiro é apenas um entre os milhões que existem, quase todos paridos nas latrinas da cobardia e da incompetência, pensem que não é necessário dar corpo e alma à angolanidade, bastando – calculam – impor a educação patriótica de canino culto ao líder. É por isso que alimentam o ódio e a discórdia, o racismo, não reconhecendo que a liberdade deles termina onde começa a dos outros.
Porque não há comparação entre o que se perde por fracassar e o que se perde por não tentar, permitimo-nos a ousadia (que esperamos – com alguma ingenuidade, é certo – compartilhada por todos os nossos leitores e amigos que respondam a esta chamada) de tentar o impossível já que – reconheçamos – o possível fazemos nós todos os dias.
Como jornalistas, como angolanos, como seres humanos, entendemos que a situação angolana ultrapassa todos os limites, mau grado a indiferença criminosa de quem, em Angola ou no Mundo, nada faz para acabar com a morte viva que, doze anos depois da paz, caracteriza um povo que morre mesmo antes de nascer.
E morre todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos. E morre enquanto e Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) canta e ri. E morre enquanto outros, em Luanda, comem lagosta. E morre enquanto outros, no interior do território, nem sabem o que é comer.
É que, quer o MPLA queira ou não, como na guerra, a vitória é uma ilusão quando o povo morre à fome. Tal como está a nossa Angola profunda, a nossa Angola real, ninguém sairá vencedor. Todos perdem. Todos perdemos.
Cremos, aliás, que o próprio presidente José Eduardo dos Santos terá de vez em quando consciência de que a sua ditadura não é uma solução para o problema angolano, sendo antes um problema para a solução.
Cremos que é, ou pode ser, pequeno o passo que é preciso dar para que os angolanos, irmãos de sangue, de esperança, de sonhos, de idealismos, se entendam para ajudar o nosso país a ser um Estado de Direito onde os angolanos sejam todos iguais e não, como agora acontece, uns mais iguais do que outros.
Alguma vez, de forma consciente e voluntária, o regime entenderá que a força da razão pode e deve substituir a razão da força?
Durante demasiados anos de guerra, os angolanos mataram-se uns aos outros. Acabada essa fase, os angolanos continuam a matar-se uns aos outros. Não directamente pela força das armas, mas pelo poder que as armas dão aos que querem subjugar os seus irmãos que consideram de espécie inferior.
Mais do que julgar e incriminar importa, e apesar do tempo perdido nunca é tarde, parar. Parar definitivamente. Não se trata de fazer um intervalo para, no meio de palavras simpáticas e conciliadoras, ganhar tempo continuar o processo de esclavagismo, ganhar tempo para formar novos milionários, ganhar tempo para sabotar eleições, ganhar tempo para enganar o Povo.
Doze anos passados, Angola tem injustiças a mais, assimetrias a mais, tem feridas suficientes para ocupar os médicos durante décadas. Não precisa de acabar com os ricos, precisa isso sim de acabar com os pobres. E acabar com eles não é, como hoje acontece, deixando-os morrer na miséria.
Convém, por isso, que a democracia, a igualdade de oportunidades, a justiça, o Estado de Direito cheguem antes de morrer o último angolano. Esperamos que disso se convença José Eduardo dos Santos, um angolano que certamente não se orgulha de ser presidente de um país onde os angolanos são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome.