APROVADA PROPOSTA DA UNITA PARA AS AUTARQUIAS

O Parlamento angolano aprovou hoje, na generalidade e por unanimidade, o projecto de lei da institucionalização das autarquias, proposto pela UNITA (o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite), deixando a discussão do projecto de iniciativa presidencial para sexta-feira.

O MPLA, partido do poder desde 1975, justificou o voto favorável com a orientação do seu líder, João Lourenço, também Presidente de Angola, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo.

A deputada da UNITA, Mihaela Webba, que apresentou os eixos da iniciativa legislativa do seu partido, referiu que a administração democrática do Estado a nível local “exige” a criação de autoridades locais autónomas, eleitas democraticamente para a prestação desses serviços públicos locais e para a prossecução de interesses próprios.

A aprovação desse diploma pela Assembleia Nacional traduz também a salvaguarda da integridade e da imagem do Estado como pessoa de bem, e a sua implementação efectiva “produzirá a maior transformação social e administrativa que Angola já experimentou nas últimas décadas”, segundo a deputada da UNITA

Para Mihaela Webba, a Assembleia Nacional “não pode continuar a caucionar uma violação flagrante” da Constituição angolana, “por omissão inconstitucional”, que a existência das autarquias locais diz respeito, em virtude da “inércia legislativa” para a criação efectiva das autarquias locais.

A deputada do MPLA, Elisângela Coelho, saudou a discussão da iniciativa da UNITA, considerando o momento como uma oportunidade soberana para um diálogo com urbanidade visando pontos convergentes.

O deputado do MPLA Jú Martins, na sua declaração de voto, argumentou que o seu partido votou a favor da iniciativa da UNITA por estar imbuído de um “espírito altruísta e de inovada maturidade política”.

Precisou que o voto do MPLA foi influenciado por dois factores, nomeadamente a orientação do seu líder no “sentido de se acelerar” a aprovação do pacote legislativo autárquico e pela leitura do desempenho do partido nas eleições de 2022 onde venceu (isto é como quem diz…) em 143 dos 164 municípios do país. “Circunstância que nos impele a trabalhar afincadamente para alargar esta vantagem a nível dos municípios”, frisou.

Na agenda da reunião plenária de hoje estava prevista a discussão e votação na generalidade da proposta de lei da institucionalização das autarquias locais, iniciativa do Presidente angolano, João Lourenço, uma discussão que teve início na segunda parte da sessão, com a apresentação do diploma pelo ministro do Território, Dionísio da Fonseca, mas que depois foi suspensa, “por imposição” do regimento do parlamento, para a sua continuação na sexta-feira.

O deputado da FNLA, Nimi a Simbi defendeu uma análise essencial e fusão dos dois diplomas.

O Pacote Legislativo Autárquico conta com 13 diplomas que vão regular o exercício do poder autárquico no país, dos quais dez já aprovados pela Assembleia Nacional e publicados em Diário da República.

A estes dez instrumentos jurídicos, vão juntar-se mais três, cujas propostas foram entregues à Assembleia Nacional, entre os quais o projecto de lei sobre a institucionalização das autarquias e outro que aprova o estatuto remuneratório dos titulares dos órgãos e serviços das autarquias locais.

MPLA e UNITA têm tido divergências quanto à forma de implementação das autarquias (em simultâneo ou de forma gradual) e o partido da oposição acusa João Lourenço de querer evitar as eleições autárquicas.

João Lourenço rejeita as críticas e reclama para si a liderança do processo autárquico, dizendo que a conclusão do pacote legislativo depende do parlamento.

COMUNICADO DA UNITA

«A implementação das autarquias é um tema político fracturante, que opõe dois interesses: os interesses da democracia participativa num Estado democrático, e os interesses da hegemonia política de um Partido Estado.

Já conseguimos transpor a expressão militar deste conflito de cinco décadas quando construímos os alicerces da paz militar, em 1991. Este alicerce inclui as autarquias locais como concretização efectiva da organização democrática do Estado ao nível local. Falta-nos transpor agora a expressão psicológica do conflito, para partilharmos no Estado unitário e em harmonia democrática, os benefícios da unidade nacional através do exercício do poder político ao nível da Administração Pública. Não faz sentido comemorar os 50 anos de independência se não formos capazes de partilhar o exercício do poder público ao nível local, em paz e em democracia.

O ponto de partida, Senhora Presidente, é a construção, a partir desta sessão, da posição político-institucional da Assembleia Nacional sobre as autarquias locais, em substituição das posições político-partidárias que foram sendo defendidas até aqui. Estou convencido, Senhora Presidente, que, se permitirmos que a paz parlamentar e o sentido de Estado presidam as nossas discussões, iremos facilmente eliminar as barreiras do medo, da intolerância e da ignorância para construirmos uma só posição política sobre o assunto, a posição institucional e soberana da Assembleia Nacional, que iremos discutir depois, por Vosso intermédio, com o Senhor Presidente da República.

Em segundo lugar, Senhora Presidente, gostaria de propor que trabalhemos de forma diferente e com sentido de emergência nacional, para termos a lei aprovada até fins de Julho. Para tal, proponho um novo formato de discussão da lei até à sua aprovação final.

Esqueçamos por uns instantes, que estamos sentados em bancadas diferentes para realizar agendas diferentes. Façamos uma só agenda para a prossecução de um só interesse, o interesse público, que se traduz na institucionalização EFECTIVA das autarquias locais em simultâneo, em todos os municípios do país. O que temos em mãos, Senhora Presidente, é a posição do Executivo, que não é parte da Assembleia Nacional. Temos também em mãos a posição do Grupo Parlamentar da UNITA. Precisamos de ter a posição do Grupo Parlamentar do MPLA e a posição das demais bancadas parlamentares. Se o MPLA assumir como sua a proposta do Executivo, poderemos aprová-la, talvez, como Projecto de lei e utilizá-la também como base da nossa discussão política preliminar para a formação da posição política e soberana da Assembleia Nacional.

Assim, antes da discussão regimental dos dois diplomas na especialidade, proponho que se proceda a uma discussão política das questões fracturantes que dividem as duas propostas, ao nível das lideranças parlamentares. Identifiquei, por exemplo, quatro temas políticos, que requerem uma concertação política preliminar, especialmente entre os proponentes: o MPLA e a UNITA:

1- As autarquias locais não são uma herança das administrações municipais. Não estamos, por isso, diante de um processo de transição das administrações municipais para as autarquias locais. Estamos diante de um processo político de institucionalização de um novo poder político-administrativo, o poder local que, historicamente consta de sucessivas Constituições que o nosso país teve. Não nos parece correcto dizer-se ou pensar-se que as administrações municipais vão ser substituídas pelas autarquias locais, porque as autarquias locais são de natureza diferente e têm poderes diferentes. São órgãos constitucionais novos, constituídos pelos cidadãos, com poderes próprios, para auxiliar o poder executivo do Estado na administração dos assuntos públicos locais. Portanto, ao equacionar o dossier autarquias locais não devemos nos sentir condicionados pelos passivos das administrações municipais.

2- Vamos criar agora apenas as autarquias municipais ou vamos criar também as autarquias inframunicipais, as autarquias supramunicipais e as Autoridades Administrativas Metropolitanas? Quantas delas vamos criar, e porquê?

3- Que tipo de contrato vamos conceber para concretizar a transferência de atribuições e competências do Estado para as autarquias locais? Temos uma lei quadro, sim, mas como vamos operacionalizar isto? Quem será o ente transferente? Naturalmente, nos termos da Constituição, serão sempre os departamentos ministeriais e, em alguns casos, os governos provinciais, mas nunca as administrações municipais.

4- Vamos primeiro institucionalizar as autarquias, por lei, e depois mobilizar a cidadania para organizá-las e operacionalizá-las, como fizemos em 1975 com o novo Estado, ou vamos primeiro construir os edifícios pomposos, definir as regalias, comprar viaturas para entreter as pessoas? Vamos priorizar a substância, isto é, a democracia e a autonomia para os cidadãos se concentrarem na resolução dos problemas do povo através de órgãos eleitos por eles mesmos, ou vamos priorizar as aparências? Em 1975, primeiro proclamamos a independência, depois fomos construindo a independência e o Estado, pouco a pouco. Não deixamos de proclamar a independência e institucionalizar o Estado só porque não tínhamos ainda edifícios, nem estatutos remuneratórios, nem bilhetes de identidade para todos, nem viaturas. Creio que devemos seguir o mesmo modelo. Primeiro institucionalizar as autarquias em todos os municípios do país, por lei, no papel, depois estabelecemos um calendário para pô-las a funcionar minimamente.

Construída a posição política e institucional da Assembleia Nacional com base nas respostas às quatro questões fundamentais que referi, e outras que certamente surgirão, poderemos discutir e aprovar os detalhes de um só projeto de lei, que iremos apresentar ao Senhor Presidente da República para promulgação, nos termos da Constituição. Aí o Senhor Presidente iria apreciar a nossa posição independente, como órgão de soberania distinto e separado dele. Penso que é desta posição política que o Senhor Presidente da República está à espera. Naturalmente, os senhores auxiliares do Senhor Presidente da República não precisam participar nesta discussão política interna da Assembleia Nacional. A posição política da Assembleia Nacional tem de estar em conformidade com a Constituição e deve exprimir a vontade soberana do povo neste momento, que é a institucionalização efectiva e imediata das autarquias locais em todos os municípios, mesmo sem termos ainda todas as condições ideais, tal como fizemos em 1975, quando proclamamos a independência nacional e constituímos a maior autarquia de todas, o Estado angolano. »

Folha 8 com Lusa

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