O Governo proibiu a manifestação programada para hoje, em Cabinda. Os organizadores dizem que têm (julgam que Angola é um Estado de Direito e uma democracia) direito constitucional a manifestar-se. Os sipaios do regime dizem que está em causa a ordem pública. Solução: porrada em que sair à rua.
Por Orlando Castro
P orque a esperança é legítima e a última a morrer, muito boa gente espera que, amanhã, o bom senso evite males maiores. Mas tudo indica, como é típico nas ditaduras, que tal não vai acontecer. A máquina do MPLA, com a criminosa conivência da comunidade internacional, vai – como diz Kundi Paihama – “varrer” a Oposição.
E se em Angola é assim, em Cabinda vai passar-se o mesmo. Aliás, tal como acontece com os angolanos, também os cabindas passam fome, vivem numa pobreza generalizada e na saúde a situação é gravíssima, não tendo os hospitais sequer condições mínimas para realizar um parto.
Sendo os cabindas um Povo com uma elevada estatura moral, continuam serenamente a não dar – até um dia – ao regime colonial a oportunidade que ele espera para os varrer da região.
Sendo um Povo pacífico que, contudo, não se ajoelha perante os homens, aposta em pela via cívica dizer ao políticos angolanos que a repressão, entre outras técnicas ditatoriais, tem um prazo de validade que há muito foi ultrapassado.
Os cabindas (e a comunidade internacional só não sabe isso porque se vendeu ao regime angolano) sabem bem que em matéria de emprego, por exemplo, só são admitidos os que tiveram cartão do MPLA. Tal como sabem que pelas regras do regime colonial angolano, são sempre culpados até prova em contrário.
Aliás, grande parte do Povo de Cabinda nem sequer tem liberdade para cultivar as lavras, procurando dessa forma meios mínimos de subsistência. Os militares ocupantes determinam até o acesso aos campos de cultivo.
Pena é que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) passe ao lado da realidade e nem sequer tome posição em relação ao facto de, em Cabinda, se uma grávida em serviço de parto der entrada no Hospital tem de levar – caso queira ter alguma assistência – o álcool, o algodão, as ligaduras, as compressas e as seringas.
Essa situação que se não fosse tão dramática seria com certeza anedótica, não impede que a Procuradoria-Geral da República em Cabinda tenha dinheiro para pôr no terreno campanhas do que chama educação cívico-jurídica que, na verdade, se pode traduzir como manifesto apelo à filiação canina no MPLA.
Volta e meia o regime avança com as campanhas que, diz a propaganda do MPLA, visam também a elevação da consciência jurídica dos cidadãos tendo em vista acabar com condutas contrárias à lei, aos bons costumes, bem como incentivar as regras democráticas.
Estão contidos nos pacotes destas campanhas, temas como “As eleições gerais e a liberdade de imprensa à luz da constituição e da lei”, “A lei contra a violência doméstica e as ofensas decorrentes de divergências de filiação partidária no seio das famílias”, “As eleições gerais à luz dos direitos, liberdades, e garantias fundamentais”.
Portugal esconde-se… cobardemente
Assim, o regime angolano continua a usar a razão da força para calar a força da razão em Cabinda. O mundo cala-se. Portugal põe o rabinho entre as pernas e olha para o lado.
Há alguns anos, no limiar do novo milénio, o governo belga apresentou ao Povo da República Democrática do Congo desculpas formais e oficiais pelo seu envolvimento no assassinato de Patrice Lumumba, herói da independência daquele país africano e chefe do seu primeiro governo.
Para Cabinda, não é necessário que Portugal chegue a tanto, embora fosse da mais elementar justiça… caso Portugal fosse um Estado de Direito. Os cabindas apenas querem a verdade. Não só não exigem desculpas, como nem as esperam.
Os cabindas são o único povo do planeta a quem é negado, sistemática e terminantemente, a compreensão, a amizade e a solidariedade. O único povo cujos mais elementares direitos são espezinhados. O único que, contra o direito e a sua própria vontade, é empurrado para soluções extremas, como se o objectivo fosse arranjar um pretexto para eliminar os cabindas da face da terra.
Porque razão os supostos jornalistas portugueses não falaram, não falam, não recordam o que o padre Jorge Casimiro Congo foi dizer ao Parlamento Europeu (Bruxelas), no dia 26 de Janeiro de 2010, a convite da eurodeputada socialista portuguesa Ana Gomes?
O padre Casimiro Congo disse algo que define sublimemente os cabindas e que os angolanos nunca deverão esquecer: “Diante de Deus, de joelhos; diante dos homens, de pé”.
Jorge Casimiro Congo lamentou também a posição do governo português, de condenar na altura apenas o que classificou como um ataque terrorista durante a Taça das Nações Africanas (CAN), afirmando que “Portugal é o ultimo a falar, não deve ser o primeiro a falar”. E porquê? Porque “Portugal é que é o culpado do que acontece em Cabinda. Não nos aceitou, traiu-nos”.
Se as verdades ajudassem a reduzir o défice português, as que foram ditas pelo padre Congo, não só por serem históricas mas sobretudo por serem actuais, o governo do reino lusitano estaria bem da vida.
Mas não ajudam. Desde logo porque, da Presidência de República portuguesa ao Governo, passando pelo Parlamento e pelos partidos, ninguém sabe o que é, da facto e de jure, Cabinda. Para quase todos, a história de Portugal só começou a ser escrita em Abril de 1974, ou até mais tarde.
Optimista quanto ao futuro, sobretudo por saber que o seu povo nunca será derrotado porque nunca deixará de lutar, o padre Congo disse ainda ter esperança de que no futuro haja “governos portugueses com mais calma para ver este problema”, porque acredita “que há partidos que começam a levantar a cabeça” e surgirão figuras que fiquem “acima de quaisquer negociatas, de petróleo, ou de mão-de-obra que tem de ir para Angola”.
É claro que não houve nenhuma reacção oficial de Portugal às acusações do padre Congo. Uns porque entendem (e talvez bem) que quem manda em Portugal é cada vez mais o clã Eduardo dos Santos; outros porque entendem que se o MPLA virar a rota e passar a investir noutro lado lá vão ao charco alguns grandes negócios; outros ainda porque se estão nas tintas para a honorabilidade de um Estado de Direito.
Estado de Direito que Angola não é e que Portugal é cada vez menos.