O Tribunal da Comarca de Luanda decidiu hoje suspender a greve geral convocada pelos trabalhadores dos órgãos públicos de comunicação social e tutelados pelo Estado, com início previsto para a próxima segunda-feira, alegando violação de direitos fundamentais dos cidadãos.
Em resposta à providência cautelar interposta pelas direcções das empresas públicas de comunicação social, que defendem a garantia dos serviços mínimos durante a greve convocada pelo Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), o Tribunal refere que a deliberação do SJA “viola” direitos dos cidadãos de se informarem e serem informados.
Segundo o tribunal, a deliberação do SJA, que aprovou uma greve interpolada a partir de 8 de Setembro sem a garantia dos serviços mínimos, viola pressupostos da lei da greve e restringe direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
O tribunal decidiu julgar procedente a providência cautelar que tem como requerentes os presidentes dos conselhos de administração da Televisão Pública de Angola (TPA), Edições Novembro, Agência Angola Press (ANGOP), Rádio Nacional de Angola (RNA), TV Zimbo e o coordenador da comissão de gestão do Grupo Média Nova e alerta para as “consequências” da eventual paralisação.
“Nestes termos e fundamentos, julgo em nome do povo, procedente o presente procedimento cautelar especificado, porque provado, e, em consequências, ordena a suspensão da deliberação constante da ata da assembleia de trabalhadores das empresas de comunicação social e sob tutela do Estado, consubstanciada na declaração da greve”, lê-se no despacho dos juízes da 1ª Secção da Sala do Trabalho do Tribunal da Comarca de Luanda.
Os trabalhadores das empresas públicas de comunicação social ou sob tutela do Estado (leia-se do MPLA) em Angola decidiram na terça-feira avançar para uma greve geral interpolada, com a primeira fase a decorrer já na próxima semana, exigindo um aumento salarial de 58%.
A deliberação da greve geral foi aprovada por unanimidade em assembleia geral orientada pelo SJA, tendo os trabalhadores aplaudido em uníssono a paralisação faseada até Dezembro próximo.
Segundo o comunicado divulgado no final do encontro, a greve deve decorrer em quatro fases, a primeira entre 8 e 12 de Setembro, a seguinte de 9 a 19 de Outubro, a terceira de 10 a 24 de Novembro e a última entre 10 e 24 de Dezembro.
A paralisação foi aprovada pelos trabalhadores da Rádio Nacional de Angola (RNA), Televisão Pública de Angola (TPA), Edições Novembro (detentora do Jornal de Angola, Jornal dos Desportos, Jornal Cultura e Jornal Economia e Finanças), Agência Angola Press, Media Nova (detentora do Jornal O País, Rádio Mais e Gráfica Dammer) e TV Zimbo, estas duas últimas já detidas pelo Estado no âmbito do processo de recuperação de activos.
Na assembleia geral, os funcionários expressaram “profunda insatisfação e indignação” com o “incumprimento” do acordo assinado em Abril passado, que previa um aumento salarial de 58% para vigorar em agosto de 2025.
O acordo estabelecia igualmente retroactivos referentes aos meses de Junho e Julho, “o qual até à presente data não foi implementado sem justificativa formal por parte das entidades empregadoras”, lia-se no comunicado.
E SE, POR MILAGRE, ANGOLA FOSSE UM ESTADO DE DIREITO?
A este propósito, repristinamos o artigo “O jornalismo (ainda) existe!”, publicado no Folha 8 no dia 15 de Julho de 2016:
Em Portugal, por exemplo, ninguém noticia o desaparecimento, nos últimos anos, de centenas de jornalistas portugueses devido aos ataques de empresários criminosos, de governos corruptos, de estratégias de silenciamento total de todos aqueles que ousam pensar pela própria cabeça.
De facto, o jornalismo em Portugal – como em Angola – está em acelerado estado de putrefacção e a caminho da extinção. É que, julgamos, não basta trabalhar numa Redacção para se ser jornalista. Conhecemos, aliás, muitos que quanto mais trabalham nas Redacções mais se afastam do Jornalismo.
Ou seja, basta ter dinheiro para ser dono de um jornal, basta ter um jornal para lá mandar pôr o que muito bem entender, sejam as fotografias da sogra, do rafeiro ou da amante. Basta, igualmente, ter como patrão uma seita do tipo MPLA.
Os jornalistas, mais do que informar, mais do que formar, têm de vender a imagem do patrão, o MPLA. Vender, vender sempre mais. E quem sabe o que fazer para melhor vender não são, na maioria dos casos, os jornalistas.
Se o que vende é dar cobertura às ditaduras (sejam as de Vladimir Putin, Benjamin Netanyahu, João Lourenço, ou Teodoro Obiang), são essas peças que têm de montar, calibrando-as da forma a parecerem dos melhores exemplos democráticos.
Apesar de serem de Maio de 2009, não nos esquecemos que Carlos Narciso (um dos mais probos jornalistas de língua portuguesa) dizia que não ia à feira do livro “porque o subsídio de desemprego é manifestamente curto para dar de comer à família e ainda conseguir comprar livros”.
Carlos Narciso, considerado pelo Notícias Lusófonas (opinião que subscrevemos) como “um excelente Jornalista, dos mais conhecidos e respeitados em todo o espaço lusófono”, dizia também que “há uma ideia romantizada do que é jornalismo e, nessa ideia, não entram conferências de imprensa enfadonhas, passar meses e anos a escrever pequenas notícias, a frustração de ver oportunidades passar ao lado, a mediocridade premiada, enfim, o dia-a-dia de muitas redacções”.
Também em Maio de 2009, Alfredo Maia – então presidente do Sindicato dos Jornalistas de Portugal e hoje deputado do PCP, salientava que ainda que a liberdade de imprensa esteja, “do ponto de vista formal, assegurada”, há “problemas graves” no jornalismo português.
Alfredo Maia referia então (e desde então a situação piorou) que a “ameaça de desemprego” que paira sobre alguns conjuntos de profissionais e a “precariedade”, que atinge “novos e antigos profissionais”, são os principais desafios à “autonomia” da imprensa hoje em dia.
Compreendemos que como jornalista assalariado e, portanto, igualmente sujeito à ameaça de desemprego, o Alfredo Maia não possa dizer mais. Fica, contudo, um travo amargo porque de um presidente de um sindicato esperava-se mais. Muito mais.
Já para Amílcar Correia, a falta de liberdade de expressão passa, no Ocidente, muito mais, por um “tipo de controlo de opinião, que é feito de uma forma muito mais subliminar”.
Segundo Amílcar Correia, esse controlo acontecia (acontece) sob a forma de “condicionamento económico dos órgãos de informação”, pela “pressão de fontes” e anunciantes, que “num cenário de alguma crise nos media”, podem conseguir ter “alguma influência no editorial das respectivas publicações”.
Sobre os eventuais excessos derivados da “falta de sensatez e de bom senso” dos jornalistas, Amílcar Correia entende que “a ausência da liberdade de expressão é sempre pior”, portanto, “é preferível o excesso de liberdade de imprensa à total ausência de liberdade de expressão”.
Aliás, todos sabem que não faltam exemplos de casos onde os jornalistas são “voluntariamente obrigados” a pensar com a barriga.
“Só com jornalistas usando plenamente os seus direitos e garantias existe jornalismo verdadeiramente livre e responsável”, destacava Alfredo Maia, certamente pensando nas centenas de jornalistas que nos últimos anos foram obrigados a ir para o desemprego. Tudo, é claro, a bem de uma nação que instituiu a escravatura como forma de, dizem eles, evitar a falência.
Ainda sobre esta questão, vejamos o texto “O jornal(ismo) na frente de todos”, publicado no blogue “Milénio da Comunicação”, em 23 de Novembro de 2007:
«Orlando Castro marcou presença, na passada segunda-feira, pelo “jornalista intermediário com cabeça pensante”, no Instituto Superior de Línguas e Administração (ISLA), de Vila Nova de Gaia, visando a primeira palestra da iniciativa “Milénio da Comunicação”.
«Sem tema pré-determinado, o jornalista do Jornal de Notícias (JN) destacou assuntos que circunscrevem a prática jornalística actual. “O jornalismo está em extinção; estamos a ser substituídos pelos produtores de conteúdos”, assevera Orlando Castro no discurso introdutório. A actividade jornalística é condicionada pelas empresas que “são apenas empresas” e, para estas, “o que importa não é o que é, mas sim o que vende”. “Hoje temos de dizer o que a empresa diz que é verdade” é essa a verdade que se instaura no panorama hodierno.
«Por isso mesmo, atenta-se que “não é preciso gente que pense, é preciso gente que faça”, como revela Orlando Castro ao assumir que “estamos a descertificar a informação” e que os jornalistas “vão ser como as mercearias que foram cilindradas pelos supermercados”.
«Numa época em que se fala cada vez mais na não-credibilidade do jornalista e da sua actividade, o jornalista do JN convive com a realidade que nos afecta: “os jornais estão em quebra, porque não têm quem certifique informação e as pessoas deixam de acreditar”, afirma.
«O jornalista como intermediário “com cabeça pensante, não vai perdurar” é o que constata Orlando Castro perante o mundo em que os “editoriais são novas formas de censura” e “o que se faz hoje é ampliar a voz dos que já a têm”.
«As dúvidas são filhas da inteligência e, dessa forma, é que confessa ter dúvidas, “muitas dúvidas do que é isenção em jornalismo”, tanto que chega a colocar uma pergunta retórica: “mas o jornalismo sério faz-se onde?”.
«Para os que ainda têm dúvidas o jornalismo pode ser concebido de distintas formas porque “há mil e uma maneiras de dar informação”. É certo que em muitas empresas, que, não raras vezes, intentam sobre o lucro, “a informação é estimulada num determinado sentido com uma contrapartida”; e, “enquanto não forem mudados os estatutos ligados à empresa da comunicação, o jornalista não vai a lado nenhum”.
«Orlando Castro desmistificou a visão utópica do jornalismo e, ainda que, para muitos dos presentes, tenha pintado um “quadro negro”, a verdade é que escreveu a obra do real de um jornalista “frustrado”, mas que persiste na luta pelo jornalismo que “é dar voz a quem a não tem”.»