O investigador Pedro Borges Graça considera que o percurso dos países africanos desde as independências foi marcado por “turbulência”, referindo que a “democracia está reservada só para parte da população”.
Borges Graça diz que “neste momento há uma crise da definição do conceito de democracia”, que utiliza dois termos para caracterizar a situação em África: democracia limitada e democracia reservada, “no sentido em que está reservada só para uma parte da população”.
Segundo o professor do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), “a turbulência que existiu na Guiné, Angola e Moçambique é idêntica à de outros países africanos, porque, na verdade, os movimentos nacionalistas foram movimentos nacionalistas sem nação”.
Borges Graça acrescentou que se tratava de “projectos nacionais, por parte de pequenas elites, de jovens universitários, a maior parte deles que criaram e lideraram esses movimentos, mas, precisamente, não havia unidade nacional”, o que levou, mais tarde, a guerras civis.
Apesar dos obstáculos, o investigador disse acreditar que a principal conquista dos povos foi a “liberdade de se governarem a si próprios”.
Questionado sobre se Portugal exerceu influência neocolonialista nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), que assinalam este ano 50 anos de independência, à excepção de Timor-Leste, considera que o país “nunca teve capacidade financeira de desempenhar um real papel neocolonialista”, ao contrário do que aconteceu com países como a França e Reino Unido.
A evolução da relação entre Portugal e os países africanos lusófonos resultou na criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em 1996.
No entanto, Borges Graça critica a CPLP por falta de resultados, falando em “muito discurso” mas pouca aproximação “do ponto de vista concreto”, num intervalo de quase 30 anos.
“Nós hoje vemos uma falta de coesão da utilização da língua portuguesa a todos os níveis das instituições (…). Porque o inglês sobrepõe-se completamente ao português e passa a ser um factor de dissociação do espaço lusófono. Há um grande (…) discurso da promoção da língua portuguesa, mas na prática, as instituições todas valorizam os trabalhos feitos na língua inglesa”, disse.
O investigador sugeriu que que uma maior valorização da produção científica em língua portuguesa pode ser um passo decisivo para a coesão da comunidade lusófona.
Relativamente ao que poderá acontecer nos próximos 50 anos, o professor não consegue dar uma previsão, referindo um actual “aumento do grau de incerteza”.
“Estamos numa fase de mudança, que é uma mudança lenta, geracional, em que finalmente as instituições enquadrarão as pessoas, e não as pessoas enquadrarão as instituições”, conclui.