As taxas de juro exigidas pelos investidores para transaccionarem dívida pública africana desceu para menos de 10% pela primeira vez desde 2015, depois da redução dos juros de Moçambique para menos de 1.000 pontos-base.
De acordo com a agência de informação financeira Bloomberg, Moçambique foi o último país africano a conseguir descer a diferença entre a sua taxa de juro e a dos títulos de Tesouro dos Estados Unidos para menos de mil pontos-base, o valor considerado de referência para decretar uma crise da dívida.
A década de endividamento generalizado que começou em 2015, assente em empréstimos baratos e políticas orçamentais expansionistas, culminou durante os anos da pandemia de covid-19, quando a Zâmbia, Gana, Maláui e Etiópia entraram em incumprimento financeiro, não pagando os cupões de dívida devido à pressão das despesas com a saúde.
Desde o final da pandemia, a situação económica em África melhorou, com os níveis de dívida pública em função do PIB a estabilizarem à volta dos 60%, a inflação a descer de forma sustentada e, ajudados por programas específicos das instituições internacionais financeiras, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Zâmbia e o Gana conseguiram reestruturar a sua dívida e recuperar o acesso aos mercados internacionais.
“Observamos melhorias nos indicadores fundamentais em vários países da África subsaariana, auxiliadas por programas do FMI, bem como algumas histórias de reformas impulsionadas internamente”, comentou à Bloomberg o analista Joseph Cuthbertson, da PineBridge Investments.
A descida para menos de 10%, geralmente encarado pelos governos como o nível a partir do qual é proibitivo ir aos mercados, não significa, no entanto, que a crise da dívida tenha acabado para os países africanos, escreve a Bloomberg, exemplificando que os títulos de dívida do Senegal que vencem em Março de 2028 enfrentam uma diferença de 1.200 pontos base face às obrigações norte-americanas, apesar de os juros globais do país estarem abaixo de 10%.
A percepção de melhoria nos indicadores económicos e financeiros dos países africanos, materializada nesta descida dos juros para menos de 10%, torna a dívida africana mais atraente, principalmente para alguns investidores que procuram refúgio dos riscos globais relacionados com as políticas comerciais do Presidente dos Estados Unidos da América, escreve a Bloomberg.
“Com os ‘spreads’ de crédito apertados nos mercados emergentes, faz sentido que os investidores procurem valor em títulos soberanos de maior rendimento”, como é o caso dos africanos”, afirmou o director de estratégia para África do Standard Chartered, Samir Gadio.
Na semana passada, o FMI sublinhou que os rácios da dívida pública estabilizaram na África subsaariana, apesar das condições financeiras adversas: “Contrariamente à percepção, os países da região têm frequentemente conseguido estabilizar ou reduzir os seus rácios da dívida sem a reestruturarem”, salientam os economistas do FMI numa nota analítica sobre a dívida pública em África.
Em muitos casos, a redução da dívida, medida como havendo uma redução em dois anos consecutivos, “foi economicamente significativa e persistente, com a maioria dos episódios a envolverem uma diminuição de mais de 10 pontos percentuais do PIB, e quase metade desses episódios durou quatro ou mais anos”.
Na nota analítica assinada pelos economistas Athene Laws, Thibault Lemaire e Nikola Spatafora, todos do departamento africano do FMI, explica-se que “num contexto de elevada incerteza global, condições financeiras mais restritivas a nível mundial e aumento dos custos de financiamento, crescem as preocupações com a vulnerabilidade da dívida da África subsaariana, mas a região está a enfrentar este problema de frente e os rácios da dívida pública estabilizaram, em média”.
A nível regional, a dívida pública saltou de uma média de 37,5% do PIB, entre 2011 e 2019, para 60,4% em 2023, e tem-se mantido em torno desse rácio até agora.