O Governo do Brasil, o primeiro país a reconhecer a independência (entrega unilateral ao MPLA) de Angola, encara como “muito simbólica” a visita do Presidente angolano (não nominalmente eleito), João Lourenço, e ambiciona reforçar as relações agro-pecuárias com Luanda. Recorde-se que integram a comitiva angolana o Presidente do MPLA, o Titular do Poder Executivo e o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas.
Fonte da diplomacia brasileira diz que Lula “acha que é um marco das relações Brasil-Angola, Brasil-África, é uma visita muito simbólica, mas também com uma dimensão concreta muito evidente”.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil, conhecido como Itamaraty, relembrou que o Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, esteve em Angola em 2023, numa das primeiras viagens ao estrangeiro após iniciar o terceiro mandato, mostrando a importância não só de Angola e dos países de língua portuguesa, mas também do continente africano.
A visita ganha ainda mais força por ser a celebração dos 50 anos da (in)dependência de Angola, sempre nas mãos do mesmo partido, o MPLA, “independência essa que teve o Brasil como o primeiro país a reconhecer”.
Outro dos factores apontados é o facto de João Lourenço ser actualmente o presidente rotativo da União Africana.
Questionado sobre a assinatura de memorandos de entendimento, a fonte do Itamaraty indicou que os detalhes ainda estão a ser finalizados.
Uma das dimensões concretas diz respeito à cooperação agrícola, com destaque para o projecto no Vale do Cunene, no sudoeste de Angola.
“Todo o projecto que estamos desenvolvendo na área agrícola com Angola, com destaque para o Vale do Cunene”, alvo de um programa de cooperação com o Brasil, tem como objectivo promover a agricultura irrigada, disse a mesma fonte.
Na semana passada, o Governo brasileiro adiantou que Lula da Silva e João Lourenço vão analisar propostas de reforço bilateral no sector agro-pecuário durante a vinda do responsável angolano ao Brasil.
Uma missão do sector do agro-negócio brasileiro esteve em Angola de 5 a 10 de Maio, com a participação de cerca de 30 empresários brasileiros e do ministro brasileiro da tutela, Carlos Fávaro, que participou de reuniões governamentais e visitas técnica nas províncias de Luanda, Malanje e Cuanza-Norte e ainda reuniões com representantes do sector privado angolano para discutir formas de financiamento.
De acordo com o Governo brasileiro, a visita teve como objectivo preparar propostas de avanço na cooperação bilateral no sector agro-pecuário, nas vésperas da visita de João Lourenço.
Vai ser elaborado um documento e, segundo o Ministério da Agricultura, o material será entregue a Lula da Silva por ocasião do encontro presidencial no Palácio do Planalto, que será precedido por um almoço na residência oficial da Presidência brasileira.
Segundo o Governo brasileiro, “Angola tem cerca de 35 milhões de hectares de potencial agrícola, clima com duas estações bem definidas, com período chuvoso e estação seca, possui topografia plana, excelente para mecanização, e solos com boas condições físicas, semelhantes às do Cerrado brasileiro”.
Cerca de 70% das exportações brasileiras para Angola são do sector do agro-negócio, com destaque para o açúcar e carnes de frango, bovino e suíno, perfazendo 340 dos 493 milhões de dólares (300 de 435 milhões de euros) exportados para o país em 2024.
PARA ÁFRICA JÁ E EM FORÇA, DIZ LULA
O Brasil vê a “reaproximação política” com o continente africano como uma das suas prioridades diplomáticas com a consciência de que “o mundo precisa de África para dar certo”, disse à Lusa em Outubro do ano passado o director do departamento de África do Itamaraty. António Augusto Martins Cessar diz existir uma “aproximação muito nítida, declarada”, a África do Governo chefiado por Lula da Silva.
Ou seja, “é uma prioridade” de acordo com o diplomata brasileiro quando fez o lançamento do Fórum Brasil-África que reuniu nesse mês lideranças brasileiras e africanas sobre questões contemporâneas de interesse global e que este ano terá como tónica o Investimento em Infra-estrutura para o desenvolvimento sustentável no Brasil e em África, através do incentivo a parcerias e novas oportunidades de negócios.
A reaproximação política, segundo o diplomata brasileiro, estava a ser demonstrada por Lula da Silva através das várias viagens que tem feito ao continente africano, assim como o seu ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.
Em 2023, no seu primeiro ano deste mandato, Lula visitou Angola, esteve na África do Sul para a Cimeira de chefes de Estado do grupo BRICS, visitou Cabo Verde e participou ainda em São Tomé e Príncipe na Cimeira de chefes de Estado da Comunidades dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Em 2024 discursou na abertura da 37.ª Cimeira da União Africana, em Fevereiro, no qual garantiu que a sua presença reafirma o vínculo do Brasil “com este continente irmão”, e esteve ainda no Egipto.
“Com os seus 1,5 mil milhões de habitantes, e seu imenso e rico território, a África tem enormes possibilidades para o futuro. O Brasil quer crescer junto com a África, mas sem ditar caminhos a ninguém”, disse durante o seu discurso.
Esta reaproximação, segundo António Augusto Martins Cessar, “deriva da composição da própria população brasileira e da história, um laço histórico, social e demográfico muito importante”.
“Existe uma percepção comum de que a África é em grande medida um continente que vai ter participação em todos os temas globais”, considerou o responsável brasileiro, frisando que África é um continente dinâmico, jovem e “importantíssimo para as agendas atuais de transição energética, agenda climática, desenvolvimento sustentável”.
“Estes são temas que são interessantes para os dois lados do Atlântico”, considerou.
Sobre os países africanos de língua portuguesa, o responsável brasileiro considerou-os “uma porta natural, ampla e sempre aberta”.
Muitas das parcerias com países africanos começaram por Angola e, em pouco menor medida, Moçambique. “O mercado angolano era a primeira parada de várias empresas”, recordou, lembrando que o país alberga a maior comunidade de brasileiros no continente, cerca de 27 mil. “Isso espalhou-se e outras portas abriram-se”, concluiu.
De acordo com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), em 2023, as exportações brasileiras para África bateram um recorde histórico, tendo chegado a 12,07 mil milhões de euros.
O Brasil investiu quase 20 mil milhões de dólares (18 mil milhões de euros) em Angola nas duas últimas décadas e promoveu mais de 75 projectos de cooperação.
Rafael Vidal, embaixador do Brasil em Angola, foca a construção conjunta e “irmandade” entre os dois países, ambos ex-colónias portuguesas, e a parceria diplomática “muito intensa” desde a independência de Angola, em 1975, que o Brasil foi o primeiro país a reconhecer.
O Brasil tem uma parceria estratégica com Angola – a segunda em África, além da África do Sul – e foi o país que mais recebeu fundos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) num total de 3,5 mil milhões de dólares (3,22 mil milhões de euros), já reembolsados, “para ajudar na reconstrução de Angola”, após o final da guerra civil, em 2002.
“As grandes empresas de engenharia e construção vieram, instalaram-se e muitas seguem por cá, investiram, essas obras são visíveis”, disse o diplomata, salientando a importância da diplomacia presidencial retomada no terceiro mandato de Lula da Silva, que escolheu Angola para a sua primeira visita.
“O Presidente Lula desde o seu primeiro mandato sempre teve essa actuação importante, sobretudo nas nossas parcerias mais importantes no eixo sul-sul”, notou Rafael Vidal, acrescentando que “todas as parcerias internacionais são bem-vindas”.
“Não estamos em Angola para deslocar ou alienar outros parceiros, não entramos nessa corrida (…). Acreditamos no princípio da cooperação à medida do Estado que recebe a cooperação e no princípio da responsabilidade internacional, não nos desenvolvemos se os nossos vizinhos não se desenvolverem”, declarou o embaixador, reforçando: “o Brasil não está aqui porque outros países estão, estaria aqui mesmo se nenhum deles estivesse”.
Rafael Vidal adiantou que o Brasil já estabelecera mais de 75 projectos de cooperação e já investiu mais de 20 mil milhões de dólares (18,4 mil milhões de euros) em Angola em duas décadas.
“Temos a maior comunidade brasileira de África, uma comunidade empresarial, dinâmica, somos 27 mil brasileiros”, realçou.
Também o nível de comércio regressou aos níveis pré-pandemia, atingindo cerca de 1,5 mil milhões de dólares (1,38 mil milhões de euros), com uma balança comercial equilibrada entre 2022 e 2023.
“Angola exporta hoje muito mais petróleo, por exemplo”, salientou o embaixador brasileiro, destacando o “momento muito especial” da relação entre os dois países graças à retoma da diplomacia presidencial de Lula da Silva.
Como frutos dessa diplomacia, apontou realizações concretizadas recentemente, como o primeiro congresso do banco de leite humano, “com base na experiência angolana” e a primeira participação de startups brasileiras na Angola Startup Summit.