Portugal, aquela espécie de Riviera a Norte, embora cada vez mais a Sul, de Marrocos caiu nove lugares no Índice de Percepção da Corrupção 2024 e obteve o seu pior resultado de sempre, “particularmente impulsionado pela percepção de abuso de cargos públicos para benefícios privados”, em casos como a “Operação Influencer”.
O índice da Transparência Internacional, publicado desde 2012 e no qual Portugal está em “declínio contínuo desde 2015”, coloca Portugal na 43.ª posição entre os 180 países avaliados, nove lugares abaixo da 34.ª posição de 2023, com 57 pontos numa escala de 0 (Estados altamente corruptos) a 100 (elevada integridade dos Estados no combate à corrupção).
No índice, Portugal partilha o 43.º lugar com o Botswana e o Ruanda, mas fica mais bem colocado do que parceiros europeus como Espanha e Itália.
“A descida de Portugal foi impulsionada pela deterioração das avaliações de várias fontes utilizadas no cálculo deste Índice. O declínio foi particularmente impulsionado pela percepção de abuso de cargos públicos para benefícios privados e por fragilidades nos mecanismos de integridade pública para evitar esse abuso”, lê-se no comunicado da Transparência Internacional Portugal sobre os resultados nacionais no Índice global.
“O desempenho de Portugal foi um dos piores da Europa Ocidental, com uma queda de quatro pontos na pontuação e a perda de nove posições no `ranking` global”, destaca a organização.
Entre os factores que contribuíram para a degradação da posição de Portugal está, segundo a Transparência Internacional Portugal (TI Portugal), uma avaliação negativa da eficácia do país no combate à corrupção, funcionamento de instituições públicas e aplicação da lei.
Outros factores são uma frágil aplicação da lei anticorrupção e supervisão do sector público, “incluindo lacunas na prevenção de conflitos de interesse e na declaração de bens por políticos”; e ainda situações de nepotismo, favoritismo político e falta de transparência no financiamento partidário.
A TI Portugal aponta ainda a classificação “abaixo da média europeia” no que diz respeito à percepção de corrupção no sector público e refere “escândalos recentes, como por exemplo, a `Operação Influencer`” como justificação para “o aumento da percepção de corrupção nas ligações entre política e negócios”.
A organização refere ainda “fragilidades persistentes na luta contra a corrupção” e alerta que, apesar de novos mecanismos legais, “a percepção internacional indica que a implementação e fiscalização continuam aquém do necessário”.
“Há falhas reconhecidas na implementação da estratégia anticorrupção do Governo, bem como falta de recursos para monitorizar o executivo. Portugal tem agora o desafio de demonstrar progressos concretos na implementação de reformas, para evitar que a sua posição continue a deteriorar-se nos próximos anos e para recuperar a confiança internacional na integridade do seu sector público”, lê-se no comunicado da TI Portugal.
Citada no comunicado, a presidente da representação portuguesa da TI, Margarida Mano, sublinha que os resultados “servem de alerta para o dano reputacional que Portugal está a sofrer por não ter uma ação eficaz na luta contra a corrupção”.
“O pior resultado de sempre deve-se em primeiro lugar a uma componente cumulativa. Portugal tem identificados problemas estruturais que não vêm a ser corrigidos, com impacto e desgaste ao longo do tempo, revelando falta de compromisso político e baixa eficácia nas acções desenvolvidas”, defende Margarida Mano no comunicado.
No dia 29 de Novembro de 2014 (é mesmo 2014), o Folha 8 publicou o artigo “Em Portugal a corrupção chegou, viu e (con)venceu”, assinado pelo nosso director adjunto, Orlando Castro, que a seguir reproduzimos na íntegra:
«Embora a corrupção em Portugal seja muito mais antiga do que o “arroz de quinze”, voltou agora á ribalta porque foi apanhada uma raposa (o ex-primeiro-ministro José Sócrates) dentro do esquelético galinheiro lusitano.
Na sua senda de ensinar os portugueses a viver sem comer, onde – aliás – se mostrou um débil principiante se comparado com o actual primeiro-ministro, Passos Coelho, José Sócrates alinhou na propalada teoria de que os portugueses, quais súbditos de sua majestade, viviam e vivem acima das suas possibilidades.
Assim, o regime português pôs em velocidade de ponta a tese de que, exactamente por viverem acima do que deviam, os portugueses tinham de pagar com “língua de palmo” essa mania, devendo-o fazer à custa de uma longa e inaudita austeridade.
Os portugueses, povo pacífico e de brandos costumes, aceitaram a tese. Todavia hoje, embora ainda de forma débil e embrionária, começam a perceber que essa história da colossal dívida pública, mas também privada, se deve não a terem vivido acima das suas posses, mas a esse fenómeno perene que dá pelo nome de corrupção.
Quando olham para o elenco de casos conhecidos, tipo BPN, BES, BPP, Parcerias Público-Privadas (PPP) e Sócrates entre outros, começam a perceber que, afinal, a culpa não é das galinhas. Começam a fazer contas, mesmo que para isso tenham de se descalçar, e concluem que dois terços da dívida privada é resultante da especulação imobiliária, e que se calhar só um terço, ou ainda menos, tem origem nos seus excessos.
A verdadeira explicação para a crise em Portugal, segundo Paulo Morais – um especialista em provocar tsunamis nos putrefactos areópagos lusitanos – está nos fenómenos de corrupção na administração central e local, que têm permitido a “transferência de recursos públicos para grandes grupos económicos”.
“Seis a sete por cento dos recursos do Orçamento de Estado vão para grandes grupos económicos”, diz Paulo Morais, há muito exemplificando com o Grupo Espírito Santo, o Grupo Mello e o com o grupo Mota Engil.
“Em 2011, as PPP custaram 1.700 milhões de euros, ou seja, mais do dobro dos 799 milhões de euros que estavam previstos inicialmente”, diz com todas as letras e com os decibéis necessários para até os surdos ouvirem, Paulo Morais, considerando incompreensível que tivesse havido um desvio com um custo superior ao preço que estava inicialmente previsto.
“O que o Estado pagou a mais às PPP só é possível porque a sede da política – Assembleia da República – está transformada num centro de negócios”, diz Paulo Morais. Mais do que um “centro de negócios” (que obviamente é) o Parlamento é um prostíbulo de elites.
Como exemplo da gestão danosa dos dinheiros públicos, Paulo Morais refere sempre que pode uma fórmula de cálculo inserida no contrato de uma PPP, numa auto-estrada em Viana do Castelo, em que o concessionário paga multas, ou recebe prémios do Estado, em função da taxa de sinistralidade.
“Se a sinistralidade aumentar 10%, o concessionário tem de pagar uma multa de 600 mil euros, mas, se houver uma redução de 10% na sinistralidade, o Estado tem de pagar à empresa 30 milhões de euros”, conta o também vice-presidente da Associação de Integridade e Transparência.
“Quem assinou o contrato, só por isso, devia estar preso”, costuma afirmar Paulo Morais.
Referindo-se à nacionalização do BPN, Paulo Morais lembrou que o anterior governo socialista, o tal do detido da cela 44 da cadeia de Évora – nacionalizou apenas os prejuízos, que estão a ser pagos pelo povo português, e permitiu que os accionistas da SLN – Sociedade Lusa de Negócios (agora com o nome Galilei), detentora do banco, ficasse com os activos e com todas as empresas lucrativas.
“Se houver vontade política e se a justiça actuar como deve, o Estado ainda pode recuperar três ou quatro mil milhões de euros, através dos activos do grupo Galilei e das contas bancárias dos principais accionistas”, exemplificava em Maio de 2013 Paulo Morais.
A, parcialmente esquecida questão da aquisição de dois submarinos à Alemanha é, segundo Paulo Morais, mais uma caso de “corrupção comprovada”, não pelos tribunais portugueses, mas pelos tribunais da Alemanha. “Na Alemanha há pessoas [acusadas de corrupção] a dormirem todos os dias na cadeia”, lembra.»