O embaixador português em Angola, Francisco Alegre Duarte, admitiu hoje que “nem tudo são rosas” para as empresas que actuam em Angola e afirmou que o governo angolano deve “acarinhar as empresas portuguesas” que já estão no país para atrair novos empresários.
Discursando na apresentação do relatório “Barómetro dos Gestores 2024”, Francisco Alegre Duarte (foto) manifestou “um imenso orgulho” no contributo das empresas para o desenvolvimento de Angola, “criando riqueza e empregos de qualidade”, mas admitiu que “nem tudo são rosas, como qualquer empresário que opera em Angola bem sabe”.
Entre os desafios e dificuldades que impactam as empresas portuguesas no mercado angolano, apontou o pagamento de dívidas, a desvalorização cambial, a inflação, as taxas de juro, a dificuldade no repatriamento de capitais, os entraves às licenças de importação, os desafios da previsibilidade jurídica, a ausência de reciprocidade em matéria de segurança social (nomeadamente no tocante à portabilidade das pensões) e a falta de mão-de-obra qualificada, com impacto negativo nas operações e nos planos de investimento.
O diplomata assinalou também a necessidade de comunicar melhor as prioridades angolanas em matéria de política económica para que os empresários tenham mais confiança e segurança na tomada de decisões.
“Por isso, tenho repetidamente salientado junto do Governo angolano que a melhor forma de atrair novas empresas portuguesas é acarinhar aquelas que já estão em Angola – com um sentido de compromisso com provas dadas nas horas boas e nas horas más”, afirmou.
Francisco Alegre Duarte disse que as relações entre Portugal e Angola se caracterizam pela estabilidade, maturidade, e desejo de promover uma maior cooperação, sobretudo nos domínios económico-financeiro e comercial que têm sido prioritários para os governos portugueses, destacando o aumento da linha de crédito ao abrigo da Convenção Bilateral Portugal-Angola em mil milhões de euros em dois anos, atingindo actualmente 2,5 mil milhões de euros.
“Também demos novos passos para a certificação e pagamento de dívidas às empresas, que continuam a ser uma prioridade para Portugal”, frisou, acrescentando que as prioridades e preocupações das empresas portuguesas estão no centro da acção diplomática.
Francisco Alegre Duarte sublinhou que, além da vertente económica, a cooperação reveste-se também de importância política e estratégica, apontando as discussões que têm sido promovidas em torno do Corredor do Lobito, “que poderá transformar positivamente toda a economia não só de Angola, como de toda a região envolve, e no qual a participação de empresas portuguesas tem sido muito relevante”, ou o contributo que Portugal quer dar para que Angola cumpra com as recomendações do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI).
Sobre o Barómetro realizado pela Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola, em conjunto com a consultora PwC e Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), considerou que as empresas portuguesas têm “uma capacidade de adaptação e uma tenacidade que as torna parceiras valiosas para o desenvolvimento de Angola” e apontou a interligação económica e a mobilidade humana como “o motor” da relação entre os dois países.
Recorde-se que, como Folha 8 hoje noticiou, as exportações de bens de Portugal para Angola diminuíram 23,4% entre Janeiro e Setembro, atingindo 753 milhões de euros, levando o país do 9º destino das vendas portuguesas ao exterior para 13º lugar da tabela.
Angola, que estava classificada como o terceiro mercado de exportações extracomunitário mais importante para Portugal (apenas atrás dos EUA e do Reino Unido) é agora 13º cliente das exportações portuguesas
Entretanto, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal – Angola (CCIPA), João Luís Traça, disse hoje que Angola tem condições para muitas empresas portuguesas passarem a produzir localmente, em vez de exportarem a partir de Portugal, defendendo uma aposta na qualificação dos trabalhadores.
“Pode estar a acontecer porque outros países estão a ser mais eficientes e o contexto de Angola actualmente é muito diferente. Angola tem, provavelmente, condições para que muitas empresas portuguesas passem a produzir em Angola em vez de exportarem a partir de Portugal e provavelmente se fizerem isto vai reduzir o indicador das exportações e aumentar o indicador do investimento”, afirmou.
João Luís Traça acrescentou, por outro lado, que Angola está a conseguir produzir uma série de produtos, o que faz com que “provavelmente necessite de importar produtos diferentes daqueles que importava anteriormente de Portugal”, complementou.
Quanto aos resultados do estudo, que mostram um optimismo cauteloso dos empresários que operam em Angola, considerou natural que não estejam com o mesmo optimismo ou apetite para investimento que teriam noutros contextos, face à elevada taxa de inflação, crescimento económico reduzido e escassez de divisas.
No entanto, “apenas um número muito reduzido de empresas manifestou interesse em desinvestir, despedir trabalhadores ou fechar linhas de produção. Isso quer dizer que as empresas que cá estão, estão para ficar e continuam a acreditar em Angola”.
O líder da CCIPA disse que a qualificação dos trabalhadores angolanos é central para as empresas, que devem apostar na formação.
“Não vamos conseguir fazer qualificação de pessoas à espera que, de um momento para o outro, o Governo consiga ter as universidades e os institutos necessários para formar toda a gente. Têm de ser todas as empresas a formar, em vez de ser [apenas] algumas (…), enquanto outras acham que não vale a pena. Enquanto estiverem divididas, vamos estar a perder eficiência no mercado”, assinalou João Luís Traça.