A privatização de participações estatais nos sectores da banca e seguros rendeu ao Estado angolano mais de 70 mil milhões de kwanzas (70 milhões de euros), disse hoje Ottoniel dos Santos, secretário de Estado para as Finanças e Tesouro.
Ottoniel dos Santos, que falava na sessão da admissão em bolsa da mais recente cotada de Angola, a seguradora estatal ENSA, que se junta hoje aos bancos BAI e Caixa Angola no mercado bolsista, destacou o sucesso da operação, que se seguiu a uma tentativa fracassada de venda por concurso público, antes da ENSA decidir abrir 30% do seu capital ao público.
O responsável salientou que a alienação em bolsa das participações estatais tem sido bem sucedida, já que mais de 70 mil milhões de kwanzas arrecadados nas privatizações vieram de operações em bolsa.
“De todas as ofertas colocadas em bolsa das três cotadas, a média de procura está acima de 158%”, realçou.
Em Junho de 2022, o Estado alienou 10% do capital que detinha no BAI por 40 mil milhões de kwanzas (40 milhões de euros), sendo esta a primeira cotada da Bolsa de Divida e Valores de Angola (Bodiva).
O Banco Caixa Geral Angola (BCGA) foi a segunda empresa a entrar na bolsa angolana, com uma oferta pública inicial de 25% das acções detidas pela Sonangol, que renderam cerca de 25 mil milhões de kwanzas (25 milhões de euros).
A mais recente Oferta Pública de Venda, a da ENSA, garantiu mais 8,9 mil milhões de kwanzas (cerca de 9 milhões de euros) aos cofres estatais.
“Os números desta operação são bastante animadores”, sublinhou, apontando as mais de 1800 ordens de compra, um rácio de cobertura de 174% e procura em 14 províncias.
Ottoniel Santos assinalou que o facto de a seguradora estatal ter hoje mais accionistas (1.150 investidores) sinaliza a confiança dos investidores no mercado de capitais e acrescentou que o executivo vai continuar a promover reforma do sector empresarial público, com mais transparência e oportunidades concorrenciais.
A colocação de empresas na bolsa, salientou, é uma forma de permitir que o Estado diminua a sua participação enquanto agente económico, fortalece o mercado de capitais e cria alternativas de investimento.
No passado dia 11 de Setembro, o governo divulgou que Angola encaixou 6,5 mil milhões de kwanzas em dividendos do Sector Empresarial Público, em 2023, mas desembolsou 207,5 mil milhões de kwanzas.
A ministra das Finanças, Vera Daves de Sousa, que discursava na abertura do Encontro do Sector Empresarial Público (SEP) para apresentação do Relatório Agregado do SEP 2023, referiu que este encaixe representou um aumento de 197,8% face ao valor recebido em 2022.
“Entretanto, a diferença entre os valores encaixados e aqueles desembolsados pelo Estado, na ordem de 207,5 mil milhões de kwanzas, deve continuar a reter a nossa atenção, dados os custos de oportunidade envolvidos”, exortou Vera Daves de Sousa.
A ministra salientou que este cenário é impactado pelo alargamento do universo do SEP, decorrente do processo de recuperação de activos e da implementação de políticas públicas, que elevou o número de empresas de 88, em 2021, e 92, em 2022, para 94, em 2023.
Segundo Vera Daves de Sousa, estes dados exigem a continuidade de esforços para tornar as empresas autónomas financeiramente, por meio das suas próprias operações, para desse modo desonerar o Estado dos encargos que representam.
“Encargos que são – como disse, e sublinho – um custo de oportunidade muito alto, face às responsabilidades do Estado ao nível da disponibilização de infra-estruturas de desenvolvimento e fornecimento dos serviços públicos, além de serem uma fonte permanente de risco fiscal”, disse a ministra, frisando que “as empresas devem ter bem presente, sempre, os pressupostos de eficiência como o objectivo primário de sustentabilidade das suas operações”.
A governante apelou às empresas uma melhoria gradual da gestão, à luz do actual paradigma jurídico-legal, apesar de o processo da reforma estar ainda em curso.
“No quadro da reforma em curso, mantemos o convite a todos os ‘stakeholders’ (interessados) para que avancemos, determinados, rumo à resolução dos constrangimentos que ainda persistem no SEP”, declarou Vera Daves de Sousa.
A titular da pasta das Finanças salientou que os desafios estão já identificados e explicitados, por via do Roteiro para a Reforma delineada para o SEP, em Janeiro de 2022, que prevê até 2025, entre outros aspectos, um menor número de empresas; a segregação das funções do Estado enquanto regulador, supervisor e accionista; e a reestruturação e saneamento das contas das empresas debilitadas.
NO REINO DO VALE TUDO
O Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) anunciou em Fevereiro de 2023 que a maioria das empresas públicas seriam transformadas em sociedades comerciais, “sobretudo em sociedades anónimas”, para melhorar a análise e aprovação das contas. Em 2018, o Governo tinha dito que iria cortar para metade os subsídios anuais às empresas do Sector Empresarial Público (SEP) e concluir a privatização de pelo menos 20 unidades não estratégicas, nos próximos quatro anos…
Segundo o presidente do IGAPE, Patrício Vilar, a medida constava do roteiro da reforma do SEP, visando colmatar os incumprimentos que se registam no processo de prestação de contas, sobretudo em relação à falta do parecer do conselho fiscal e do auditor externo.
“Insistimos que, na maioria dos casos, as empresas públicas devem transformar-se em sociedades comerciais porque as sociedades comerciais têm órgãos próprios para a análise e aprovação das contas, e esses órgãos próprios, como a assembleia geral, têm pessoas dedicadas”, disse Patrício Vilar.
O responsável, que intervinha num painel do “Encontro Metodológico sobre a Prestação de Contas no Sector Empresarial Público 2023”, salientou que as empresas visadas serão, particularmente, as que estão em “ambiente concorrencial”.
“Daí que temos de trabalhar nesse sentido, porque é isso que o roteiro para a reforma do SEP nos diz, vamos transformar a maioria das empresas, aquelas que estão em ambiente concorrencial, em sociedades comerciais, maioritariamente em sociedades anónimas”, apontou.
A prestação de contas do SEP foi o tema onde o IGAPE abordou o reduzido número de prestação de contas das empresas, sobretudo no decurso de 2022. Tal como o Governo, prestar contas não é – há 49 anos – uma prioridade na espécie de Estado de Direito que caracteriza Angola.
Algumas empresas, inclusive, observou Patrício Vilar, apresentam contas sem o parecer do respectivo conselho fiscal e sem a opinião do auditor.
“Ficou claro que há um número significativo de empresas em que os conselhos fiscais não emitiram o seu parecer e também há um conjunto de empresas onde o auditor não tem tempo para emitir opinião ou emite-a com reservas e algumas delas não são da responsabilidade dos accionistas”, frisou.
O presidente do IGAPE incentivou também a cooperação entre todos os intervenientes no processo de recolha de informação para a submissão ao IGAPE, um processo que “deve acontecer durante, e não depois, da apresentação do relatório”.
O IGAPE “pode e deve considerar que não foi entregue (o relatório), que as contas não foram entregues se os pareceres não tiverem sido emitidos, pode e deve e nós vamos passar a fazer”, exortou.
Os relatórios de contas das empresas angolanas do SEP sem o parecer do conselho fiscal e opinião do auditor externo serão “nulos”, assegurou Patrício Vilar.
“Aqueles que não conseguirem essa cooperação e não conseguirem que, quer o conselho fiscal, quer o auditor externo, emitam opinião, nós vamos considerar que não foram entregues. É de lei, se as contas não forem certificadas não podemos considerar”, prometeu.
Apontou ainda a implementação dos contratos programas e dos contratos de gestão, como um grande desafio a ser materializado já a partir deste ano, particularmente para empresas que foram capitalizadas.
“Aquelas empresas que foram capitalizadas e cujos mandatos foram renovados, estarão na linha da frente, queremos fazer coincidir os contratos-programas com os mandatos, é importante”, realçou.
“É preciso reforçar alguns mecanismos e algumas regras (…) inscrevemos isso como um roteiro para a reforma do SEP, mas acreditamos que com que o temos também é possível melhorar, desde que cooperemos todos”, rematou o presidente da instituição pública angolana.
Recorde-se que, já em 2018, o Governo anunciara que pretendia cortar para metade os subsídios anuais às empresas do Sector Empresarial Público (SEP) e concluir a privatização de pelo menos 20 unidades não estratégicas, até 2022.
A pretensão consta(va) do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, aprovado pelo Governo e publicado oficialmente no final de Junho de 2018, contendo um conjunto de programas com a estratégia governamental para o desenvolvimento nacional na legislatura de então.
O documento definia o objectivo de “reestruturar e redimensionar o SEP, concentrando a intervenção do Estado nos sectores estratégicos e reduzindo os encargos para os contribuintes”.
No Orçamento Geral do Estado de 2018, o Governo inscreveu uma dotação de 212.633 milhões de kwanzas (720 milhões de euros) para a rubrica de subsídios a empresas públicas não financeiras e mais 12.319 milhões de kwanzas (42 milhões de euros) para subsídios a instituições financeiras.
“Até 2022, os subsídios operacionais atribuídos às empresas do SEP diminuem pelo menos 50% em relação a 2017”, lê-se no documento orientador da estratégia governamental para a legislatura que terminou em 2022.
Além disso, também entre 2018 e 2022, “pelo menos 20 empresas do SEP”, incluindo participações financeiras, “sem interesse estratégico” seriam privatizadas e até 2019 os processos em curso de liquidação de empresas seriam concluídos, conforme estabelecido no PDN.
Era também definida a meta orçamental de colocar 70% das empresas do SEP a apresentarem um EBITDA (Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciações e Amortizações) anual positivo, contra as actuais 57%.
Ora então, vejamos!
Ao Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), instituído em Maio de 2018 por decreto presidencial, cabe assumir o processo de privatização das empresas estatais. O IGAPE substituiu, em termos de denominação, o anterior Instituto para o Sector Empresarial Público (ISEP).
O novo instituto foi criado como um “órgão especializado ao qual incumbe a regulação e monitorização do Sector Empresarial Público”, bem como a “execução da política e programa de privatizações e reestruturações, a gestão e o controlo das participações financeiras do Estado”. Iria ainda assegurar o “acompanhamento e supervisão da gestão dos activos financeiros e dos fundos públicos” e dos empréstimos concedidos pelo Estado.
Em concreto, cabe (ou caberia) ao IGAPE, entre outras missões, elaborar a política e o programa de privatizações e reestruturações nas empresas públicas, bem como executar os procedimentos inerentes, desde logo através da emissão de pareceres.
Entretanto, o Presidente João Lourenço criou, por despacho de 20 de Fevereiro de 2018, uma comissão de preparação e execução do processo de privatização em bolsa das empresas públicas de referência, coordenada pelo então ministro de Estado e do Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior.
Esta comissão, que integrava ainda os ministros das Finanças e da Economia e Planeamento, deveria assegurar, segundo o documento, a realização dos objectivos definidos pelo Titular do Poder Executivo (João Lourenço), nomeadamente “garantir a integridade dos sectores estratégicos do Estado” e assegurar o “redimensionamento do sector empresarial público, o aumento da eficiência, da produtividade e competitividade da economia das empresas”.
Além disso, devia também “assegurar a maximização da arrecadação de receitas resultados do processo de privatização” e “possibilitar uma ampla participação dos cidadãos, através de uma adequada dispersão do capital, dando particular atenção aos trabalhadores das próprias empresas e aos pequenos subscritores”, lê-se no mesmo despacho presidencial.
O presidente da Comissão de Mercados de Capitais (CMC), Mário Gavião, garantiu em Novembro de 2017 que estavam criadas as condições, por parte da instituição, para que as primeiras empresas angolanas chegassem à bolsa de acções em 2018.
“O que falta na verdade é que as empresas adiram ao mercado. Tem havido interesse, há um conjunto de empresas que têm mostrado interesse em participar, nesta primeira fase. Depende dos accionistas das empresas, mas as indicações que nós temos é que muito provavelmente haverá em 2018 a abertura do mercado de acções”, adiantou.