O ministro do Interior angolano, Eugénio Laborinho, admitiu, em Luanda, que alguns agentes da Polícia Nacional, “lamentavelmente cometem erros”, que por vezes terminam em mortes, sendo responsabilizados pelas suas acções. Falta saber se a responsabilização não deveria, ao contrário do que acontece, partir do topo para a base.
Eugénio Laborinho, que ontem recebeu o líder do Bloco Democrático, Filomeno Vieira Lopes, diz que “reconhece que no cumprimento do dever, os nossos agentes, lamentavelmente, cometem erros, alguns dos quais culminam com a perda de vidas humanas”.
Na sua intervenção inicial, Eugénio Laborinho referiu que “sempre que as circunstâncias o exijam” têm sido instaurados processos de inquérito, de averiguação, disciplinares e criminais, contra os envolvidos, cujas medidas são aplicadas conforme os casos concretos. Ou seja, o agente que puxa o gatilho é (quando é) sancionado. No entanto, o dirigente que lhe deu ordem para premir o gatilho passa impune.
“Daí que temos nos estabelecimentos penitenciários do país efectivos condenados por prática de crimes militares e comuns, além daqueles que foram sancionados com a expulsão da corporação por má conduta”, referiu Eugénio Laborinho, salientando que em 2023 foram expulsos 46 efectivos e, no primeiro semestre deste ano, outros 32.
Segundo o ministro, o Ministério do Interior e os seus distintos órgãos estão comprometidos a respeitar a Constituição da República de Angola, bem como promover e defender os direitos humanos e o exercício da cidadania.
O governante sublinhou que o Ministério do Interior é parceiro estratégico da sociedade civil, no âmbito da manutenção da ordem e segurança públicas, contando com o apoio do Bloco Democrático nas acções de sensibilização dos cidadãos, “para que se abstenham da prática de actos de desobediência às autoridades, agressão física, vandalização de bens públicos e danos ao património de particulares”. Por outras palavras, os cidadãos devem continuar, passiva e silenciosamente, a aprender a viver sem comer. Para comer à grande e a francesa já lá estão os dirigentes do MPLA, partido no Poder há 49 anos.
“Em nosso entender, os partidos políticos não devem ser veículos, nem instigadores de actos de alteração da ordem pública, tão pouco devem promover o ódio, a calúnia e a difamação contra entidades públicas e privadas”, declarou Eugénio Laborinho, certamente recomendando aquela velha máxima que tanto agrada ao MPLA: “Olhai para o que dizemos e não para o que fazemos”.
Filomeno Vieira Lopes solicitou uma audiência, para antes do dia 31 de Agosto, data em que estava marcada a realização de uma manifestação, ao ministro do Interior para questionar o comportamento da Polícia.
O líder do Bloco Democrático, partido político que integra a Frente Patriótica Unida (FPU), plataforma que integra a UNITA, o maior partido da oposição que – a muito custo – o MPLA ainda permite, e o projecto político de Abel Chivukuvuku, PRA-JA Servir Angola, pretendia manter um diálogo antes da manifestação, “para se evitar repressão ao invés da acção de protecção como postula a lei”.
De acordo com Eugénio Laborinho, não foi possível realizar-se antes o encontro “devido à sobreposição de tarefas inadiáveis”.
No sábado, um grupo de pessoas pretendia manifestar-se, na capital angolana, contra a Lei dos Crimes de Vandalismo de Bens e Serviços Públicos, mas a tentativa de protesto foi travada pela Polícia, com a detenção de dezenas de activistas, sob a alegação de não estar autorizada, tendo sido detidos no local da concentração, cemitério de Santa Ana, vários activistas e um jornalista.
Em homenagem a Eugénio Laborinho
A perseguição, espancamento e assassinatos de pobres ou a repressão e prisão de jovens manifestantes, denota a cultura do ódio. Recorde-se, por exemplo, que sem o cometimento de crime, uma mulher e mãe, Laurinda Gouveia, que se batia por um futuro melhor para o filho; Geraldo Dala, Adolfo Campos e outros, que pugnam, por justiça, emprego, educação e saúde, foram barbaramente violentados sem terem cometido qualquer crime, salvo o de tentarem, materializar um direito constitucionalmente consagrado; artigos 40.º (Liberdade de expressão e de informação) e 47.º (Liberdade de reunião e de manifestação) ambos da CRA (Constituição da República de Angola). Constituição que, contudo, não é a Lei fundamental porque, acima, está a lei do MPLA que no seu único artigo “diz”: “O MPLA é Angola e Angola é do MPLA”.
Segundo a filósofa Márcia Tiburi, o ódio pode gerar ódio, mas pode também gerar críticas que podem ajudar a fazer da sua experiência essa fonte de conhecimento. Portanto, entender o ódio pode ser um caminho para que o ódio não se repita.
O ódio que vira objecto de conhecimento é um ódio dialéctico e remete à sua superação. Na contramão, o ódio absoluto é aquele em torno do qual nada se aprende. É o caso do MPLA.
Ora, um ódio brutal surgiu diante da ordem de imagens, aquelas de Adolfo Campos a ser brutalmente algemado, por mais de oito polícias e dos dois jovens alavancados pela cintura, para dentro da carrinha. Uma espécie de “sacos de batatas”.
Essas imagens que deveriam gerar compaixão geraram um ódio sem negociação. Esse ódio veio de pessoas que negam aquilo que todos vêem, a saber, a verdade.
“Os jovens” sendo torturados por energúmenos não faz os “odiadores” acordarem do seu delírio de ódio.
Com a sucessão de erros, o agravar da situação económica e social, a alta inflação, o aumento do desemprego, face às políticas do Fundo Monetário Internacional, o afastamento dos adversários políticos, ameaçados de procedimentos legais, impele o Presidente da República, general João Lourenço, a ter de saber, rapidamente, ler a carta militar, posicionar as tropas em quadrícula, ser rápido no “gatilho”, para ainda poder resgatar alguns barcos à vela, inviabilizar tendências golpistas e perseguições políticas de quem abandona o poder.
O poder não é eterno e quem geriu com a lei da pólvora corre o risco de alguém acender o fósforo no fim do tapete vermelho, o que seria uma tragédia para aquilo que Angola (ainda) não é: uma democracia e um Estado de Direito.
Demitir o Ministro do Interior, Eugénio César Laborinho, é o mínimo que João Lourenço deveria fazer. Deveria mas não vai fazer.
Recordemos que o ministro Eugénio Laborinho louvou, no dia 2 de Fevereiro de 2021, a acção das forças de defesa e segurança na zona de Cafunfo, município do Cuango, província da Lunda Norte, que segundo ele registou um “acto de rebeldia e de insurreição”. Na altura, fontes próximas do Governo revelaram ao Folha 8 que o Presidente João Lourenço estava contra esta posição do ministro. Mas, afinal, quem mandava? Mas, afinal, quem manda?
Recordar-se-á João Lourenço que o seu partido/Estado garantiu que “o Governo tem o propósito de materializar o estabelecido nos instrumentos jurídicos, nacionais e internacionais, aplicáveis à protecção e à promoção dos direitos inalienáveis da pessoa humana e da criança em particular”?
Como anedota até não está mal. Mas a questão das nossas crianças não se coaduna com os histriónicos delírios de um regime esclavagista que as trata como coisas.
O Governo de João Lourenço, mais do que o de José Eduardo dos Santos, é signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança e por isso Angola adoptou e incorporou na legislação nacional os princípios estabelecidos naquele instrumento jurídico internacional, no que diz respeito à garantia da sobrevivência e ao bem-estar das crianças.
Assinar convenções, o governo assina, não é senhor general João Lourenço? Cumpri-las é que é uma chatice. Por alguma razão, por cada 1.000 nados vivos morrem em Angola 156,9 crianças até aos cinco anos, apresentando por isso uma das mais altas taxas de mortalidade.
O Governo garante que tem adoptado medidas administrativas, legislativas e de outra natureza, com vista à implementação dos direitos humanos em geral e das crianças em particular, universalmente reconhecidos e plasmados na Constituição da República, sem distinção de sexo, crença religiosa, raça, origem étnica ou social, posição económica, deficiência física, lugar de nascimento ou qualquer condição da criança, dos seus pais ou dos seus representantes legais.
Muito gosta o regime do general João Lourenço de gozar com a nossa chipala, fazendo de todos nós um bando de malfeitores matumbos. Como se não soubéssemos que as nossas crianças são geradas com fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com fome. Isto, é claro, enquanto o rei-presidente do reino do MPLA esbanja dinheiro.
“Angola registou avanços consideráveis com o estabelecimento de um quadro legal de referência para a promoção e defesa dos direitos da criança em vários domínios, designadamente com a adopção da Lei sobre a Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança, que incorpora os princípios da Convenção dos Direitos da Criança e da Carta Africana e os 11 Compromissos para a Criança, que se constituem, de facto, no núcleo de uma agenda nacional para a criança angolana”, lia-se num dos documentos que acompanham João Lourenço nas suas nababas viagens pelo mundo.
O Governo do reino nababo afirma igualmente que a materialização dos Planos de Reconstrução e Desenvolvimento Nacional, associados às Políticas e Programas de Protecção Social, têm favorecido a melhoria das condições de vida da população e, consequentemente, das crianças angolanas.
Será por isso, senhor general Presidente João Lourenço, que a esperança média de vida à nascença em Angola cifrou-se nos 52,4 anos, apenas à frente da Serra Leoa, com 50,1 anos?
Diz o regime de João Lourenço que, apesar das condições conjunturais difíceis por que passa a economia nacional e internacional, o Governo vai continuar a desenvolver esforços significativos para reconstruir os sistemas e infra-estruturas sociais, para aumentar a oferta, cobertura e qualidade dos serviços de saúde materno-infantil, para a expansão da educação e para a implementação dos programas de vacinação, de água potável e saneamento, a fim de se verificarem progressos substanciais no Índice de Desenvolvimento Humano.
Convenhamos, por último, que João Lourenço apenas está a fazer o que sempre fez, embora agora tenha todos os poderes. Ou seja, preocupar-se com os poucos que têm milhões para que tenham mais milhões. Quanto aos milhões que têm pouco ou nada, que aprendam a viver sem… comer.