JOÃO LOURENÇO É UM PRESIDENTE MUITO “AGARRADO”

Eduardo dos Santos mandava organizar maratonas de bebida e comida, e os seus comícios eram muito concorridos. Contavam com a presença de membros do MPLA, da sociedade civil e até de membros da UNITA, que aproveitavam a desorganização e acabavam por participar sem problemas nos comícios e eventos do MPLA. Esse ambiente festivo e inclusivo contribuía para a popularidade de Eduardo dos Santos, criando uma percepção de proximidade entre o governo e o povo.

Por Malundo Kudiqueba

Neste contexto é importante reconhecer que até os membros da UNITA apanhavam a “boleia” nos comícios do MPLA e diziam: “Não estamos a fazer nada, vamos lá no comício do MPLA onde há maratona de comes e bebes”. O objectivo era o convívio, diversão, beber, comer e dançar. O actual presidente deve entender que até os membros e dirigentes da UNITA têm saudades de Eduardo dos Santos justamente por isso é que fazem grandes elogios ao Eduardo dos Santos e tecem fortes críticas ao João Lourenço.

Eduardo dos Santos, durante seu longo mandato, soube utilizar figuras carismáticas e populares para galvanizar as massas. Um exemplo notável é Bento Kangamba, um nome que, para muitos, ecoa a imagem de proximidade e identificação com o povo.

Kangamba, com o seu estilo directo e popular, conseguiu construir uma ponte entre o governo e a população, sendo uma figura com quem as pessoas comuns sentiam que se podiam relacionar. Essa abordagem facilitou a mobilização popular e garantiu uma ligação mais emocional e directa com as massas.

Os comícios do MPLA eram, sem dúvida, um fenómeno sociopolítico único. Bento Kangamba sabia como atrair as massas – e até mesmo a oposição! – com o seu talento para transformar eventos políticos em grandes celebrações populares. Uma verdadeira aula de marketing político onde as maratonas de comes e bebes juntavam os rivais em torno de uma boa mesa.

Por outro lado, o presidente João Lourenço adoptou uma estratégia diferente. Ao apostar em Norberto Garcia, ele escolheu uma figura que, embora competente, não possui o mesmo apelo popular que Bento Kangamba. Norberto Garcia, com sua linguagem mais sofisticada e tecnocrática, tende a ressoar melhor com as elites e os círculos mais educados. No entanto, essa escolha traz consigo um desafio significativo: como conquistar o coração da maioria do eleitorado, que pode não se sentir representado por uma figura que não fala a sua língua quotidiana?

Essa diferença de abordagem entre Eduardo dos Santos e João Lourenço é emblemática das suas visões de governo e de como percebem o engajamento popular. Eduardo dos Santos parece ter entendido a importância da identificação e do apelo emocional, utilizando verbas e estratégias para criar uma imagem de proximidade com o povo. Bento Kangamba, era a personificação dessa estratégia.

João Lourenço, por sua vez, parece focar-se numa comunicação mais institucional e menos populista. Norberto Garcia, com seu perfil mais elitista, representa uma tentativa de elevar o nível do discurso político, mas corre o risco de alienar aqueles que se sentem distantes dessa forma de comunicação. A eficácia dessa estratégia dependerá da capacidade de Norberto Garcia e de outros agentes do governo de traduzir as suas mensagens de forma que sejam compreensíveis e cativantes para a maioria.

Os camaradas de partido, acostumados com a mão larga de Eduardo dos Santos, sentem-se descontentes com a nova realidade. Durante o longo mandato de Eduardo dos Santos, muitos beneficiaram de um sistema que favorecia a distribuição generosa de recursos, muitas vezes sem a devida supervisão ou responsabilidade. A mudança brusca implementada por João Lourenço, com foco na contenção de despesas e na luta contra a “corrupção”, reduziu essas benesses, gerando insatisfação entre aqueles que se beneficiavam directamente do antigo sistema.

Mas não são apenas os políticos que se ressentem. A população também tem manifestado o seu desagrado. Sob o governo de Eduardo dos Santos, apesar das críticas sobre a má gestão e a corrupção, havia mecanismos informais de subsistência, como a “micha de rua” e outras pequenas formas de auxílio, que ajudavam as famílias a sobreviver no meio das dificuldades económicas. A eliminação ou restrição desses meios de subsistência por parte do governo de João Lourenço tem sido vista como uma insensibilidade em relação às necessidades imediatas dos cidadãos mais vulneráveis.

Os factos são claros: Enquanto Kangamba movimentava multidões e criava uma atmosfera de entusiasmo e apoio, Norberto Garcia não conseguiu replicar esse sucesso. Os comícios de João Lourenço muitas vezes não conseguem atrair grandes públicos, uma evidência de que a estratégia de comunicação actual não está a funcionar. Para um líder que busca o apoio popular, é imperativo ter ao seu lado figuras que ressoem com as massas, que entendam suas necessidades e que possam inspirar e mobilizar de maneira eficaz.

Portanto, é essencial que o presidente João Lourenço reconheça esta falha na sua estratégia. A realidade é que, sem a capacidade de atrair e engajar o povo, qualquer governo corre o risco de perder a legitimidade e a capacidade de implementar as suas políticas de forma eficaz. Reavaliar e ajustar a sua abordagem, possivelmente trazendo de volta figuras com o carisma de Bento Kangamba, poderia ser a chave para revitalizar o seu apoio popular e garantir um engajamento mais robusto e significativo com a população angolana.

Impacto positivo: A oferta de benefícios e a criação de eventos populares ajudaram a manter uma imagem positiva e a construir uma base de apoio sólida e engajada.

Citação: “A generosidade e o cuidado com o povo criam uma relação de reciprocidade que pode sustentar um líder no poder por muito tempo.” – Eduardo dos Santos.

Impacto negativo: A eliminação de benefícios e a abordagem rígida resultaram em insatisfação popular e uma imagem de um líder distante e avesso às necessidades da população.

Exemplo: A “micha de rua”, uma pequena forma de ajuda que anteriormente era oferecida às pessoas em situações difíceis, foi eliminada, gerando insatisfação entre os cidadãos que antes dependiam desse suporte.

Citação: “A austeridade é necessária para manter a economia estável, mesmo que isso signifique cortar alguns benefícios.” – João Lourenço.

Em suma, a escolha de Bento Kangamba por Eduardo dos Santos e de Norberto Garcia por João Lourenço é uma ilustração vívida de dois estilos políticos distintos. Enquanto um aposta na popularidade e na identificação emocional, o outro busca uma abordagem mais racional e institucional.

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