MÁ GOVERNAÇÃO É O PIOR DOS PESADELOS

A ministra das Finanças angolana, Vera Daves de Sousa, defendeu hoje – numa descoberta merecedora do Prémio Nobel da Economia – que o investimento público em Angola é “inadiável” e que há muito por fazer no país, mantendo a dívida pública em condições de sustentabilidade. Em rigor, há muito por fazer há… 49 anos.

Falando em Luanda na apresentação da 18ª edição do estudo “Banca em Análise”, Vera Daves frisou que a “má despesa é o pior dos impostos” e pode gerar a mais insuportável das dívidas, pelo que o executivo (superiormente, reconheça-se, liderado pelo general João Lourenço) deve continuar a fazer o caminho para melhorar a qualidade da despesa.

O desafio, sublinhou, é manter a dívida pública em condições de sustentabilidade, assegurando ao mesmo tempo o funcionamento das instituições, a assistência aos mais desfavorecidos (20 milhões de pobres para uma população de 35 milhões) e o investimento público que é “inadiável”.

“Há tanto para fazer em vários pontos do país”, realçou, acrescentando que o “bom combate” é garantir que o investimento é feito sem colocar o país em situação de insustentabilidade.

A ministra considerou que o crescimento económico é o único caminho a seguir (como há mais de 50 anos diziam e faziam os colonos portugueses) e destacou o papel da banca, que deve actuar de acordo com a realidade actual, indicando que o crédito ao sector privado regista uma tendência crescente.

“Não obstante a redução de 5% verificada no ano de 2021, o crédito ao sector privado continua a registar uma tendência crescente em termos nominais (…) comparativamente ao ano de 2022, o crédito ao sector privado cresceu 28,8% em 2023 e 7,9% de Dezembro de 2023 a Maio de 2024”, salientou.

Vera Daves justificou esta evolução com os estímulos do Aviso 10 do Banco Nacional de Angola para o financiamento do sector real da economia, bem como incentivos de política do Estado através de fundos de garantia de crédito e outros mecanismos colocados ao serviço da banca.

“Não nos devemos acomodar aos resultados que já alcançámos. Angola tem pressa”, exortou Vera Daves.

A governante admitiu, no entanto, que as taxas de juro vigentes “permanecem proibitivas” para quem quer iniciar um negócio ou melhorar a tesouraria, justificando participação insuficiente da banca no investimento privado com a trajectória de inflação e as necessidades de financiamento do Estado angolano.

“Não sou inocente, assumo que também recorremos a vós para financiar actividade do Estado, mas há um caminho de participação no desenvolvimento económico e social que passa por um melhor equilíbrio entre crédito ao Estado, com condições sustentáveis e as melhores taxas de juro e maturidades possíveis, e crédito ao sector privado”, continuou.

Vera Daves apelou ainda à saída “do eterno potencial”: “não saímos dessa verborreia temos de fazer acontecer”.

O QUE A MINISTRA DIZIA EM ABRIL DE 2023

No dia 26 de Abril do ano passado, Vera Daves disse que o Governo estava consciente de que “ainda há trabalho a fazer” para que as políticas se reflictam directamente na vida dos cidadãos. É assim há 49 anos, tantos quantos o partido da ministra (o MPLA) está no Poder. E para não destoar, ela vira o disco e vai repetindo o mesmo.

Vera Daves foi uma das oradoras na primeira edição do Angola Economic Outlook – AEO 2023, que teve como lema “Da Recuperação Económica ao Desenvolvimento Sustentável”, evento aberto pelo então ministro de Estado para a Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior.

“Temos consciência de que ainda há trabalho a fazer, mas isso não apaga tudo o que fizemos até agora e é nossa missão mostrar o caminho que fizemos, chamar a atenção para aquilo que ainda deve ser feito, para que os cidadãos sintam de forma mais vigorosa os efeitos positivos desse trabalho”, repetiu Vera Daves, quase parecendo ministra de uma democracia e de um Estado de Direito…

A titular da pasta das Finanças do MPLA observou que era necessário “pôr a casa em ordem” para não “voltar ao ponto de partida daqui a algum tempo”, referindo-se ao período de recessão económica que o país enfrentou nos últimos anos, retomando agora o crescimento da sua economia.

“Entendemos que era necessário estabelecer os alicerces, ter estabilidade política, ter estabilidade macroeconómica, criar um ambiente de confiança, reforçar aquela que é a percepção da comunidade internacional relativamente a Angola e assim sermos capazes de ter capital privado quer nacional quer estrangeiro disponível, a tomar o risco de investir no país”, referiu.

Segundo a ministra, para a atracção de investimento privado foi necessário o caminho percorrido, porque “sempre que se decide abrir uma fábrica, montar um negócio ou comprar obrigações, comprar acções”, os investidores estão “a comprar risco em Angola”. Caminho que o MPLA garante ser seguro, mesmo quando as chuvas arrasam as pontes e as estradas. É claro que para quem viaja de avião ou de helicóptero pouco importa se os buracos têm ou não estrada ou se as pontes desapareceram em combate.

“E ninguém compra risco em Angola tendo dúvidas sobre a performance da inflação, de como é que está organizado o mercado de cambial, qual é a visão relativamente ao mercado monetário e como é que estão as contas fiscais, com dúvidas ninguém investe e nós precisamos de os ter connosco, a bordo o sector privado, para que o tema desemprego, que é o grande desafio que temos para gerirmos no futuro imediato, porque o Estado sozinho não vai conseguir resolver o tema do desemprego”, disse a ministra.

De acordo com Vera Daves, estava em curso um trabalho conjunto com o Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social e o Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher relativamente à questão do desemprego, “mas tudo isso são paliativos”.

Disse paliativos, senhora ministra? Para si paliativos significa “remédio, tratamento ou cuidado que não cura, mas mitiga a doença ou o sofrimento por ela causado; recurso para atenuar um mal ou adiar uma crise; disfarce”? Hum!

“Isso resolve-se de forma definitiva com emprego e o Estado sozinho não vai conseguir absorver a população activa, precisamos do sector privado connosco, o sector privado só se move com confiança”, sublinhou a ministra. Confiança e competência em quem manda, o que não é, infelizmente, o caso de Angola

Vera Daves pediu confiança nas acções do Governo e apoio na visão de diversificação económica, admitindo que as receitas petrolíferas ainda continuam a ter um peso importante nas contas fiscais.

Na apresentação dos dados, a ministra das Finanças destacou “um caminho interessante no que diz respeito ao peso do sector não petrolífero na composição do PIB [Produto Interno Bruto]”, mas que precisa ainda “que tudo isso se reflicta tanto nas contas fiscais como na balança de pagamento”, havendo ainda trabalho a fazer.

Segundo a ministra, a receita fiscal total foi aumentando ao longo do tempo, começando em três mil milhões de kwanzas, em 2017, passando para 13,3 mil milhões de kwanzas, em 2022, manifestando-se confiante de que “é sempre possível fazer mais”. Tem razão. Aliás, acredita-se que para fazer mais o MPLA precisa de estar no Poder mais 51 anos, de modo a que possa apresentar contas quando comemorar 100 anos de Poder.

“Ainda temos uma grande franja da nossa economia a funcionar de forma informal, acreditamos que emigrando para um ambiente de maior formalidade, temos espaço para fazer mais coisas e com o crescimento do PIB vamos ver também a receita fiscal a aumentar”, realçou. Simples. Perceberam? Não? Experimentem ler isto à noite e (se não tiverem electricidade “potável”) à luz de um candeeiro apagado.

Até 2022, o sector petrolífero tinha um peso de 40% na receita fiscal angolana e o sector não petrolífero 60%. Para 2023, destacou a ministra, regista-se uma “ligeira melhoria na composição da receita fiscal total”, tendo já passado dos níveis atingidos no ano passado, para 53% do sector petrolífero e 47% do sector não petrolífero.

“É o caminho que estamos a trilhar e notamos também um aumento no envelope de despesas, com pessoal, com juros e com capital serem as categorias que têm mais peso naquela que é a estrutura do OGE [Orçamento Geral do Estado] no que se pretende fazer em 2023”, sublinhou. O Governo angolano prevê para o ano em curso um saldo fiscal “ligeiramente superavitário”, acrescentou a ministra.

Folha 8 com Lusa

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