A UNITA, o maior partido da oposição que a muito custo o MPLA (ainda) permite em Angola, considerou hoje que uma norma do Parlamento não pode estar acima da Constituição, contestando a decisão do Tribunal Constitucional (TC) sobre a discussão do processo de destituição do Presidente. Não é bem assim, reconheça-se. Quem determina o que está acima, ou abaixo, seja do que for é o proprietário do reino, o MPLA.
Numa nota de imprensa, o grupo parlamentar da UNITA reagiu ao acórdão do Tribunal Constitucional que negou provimento ao pedido para declarar inconstitucional a norma n.º 3 do artigo 284.º do Regimento da Assembleia Nacional, no âmbito do processo de acusação e destituição do Presidente da República, tal como o Folha 8 ontem noticiou..
Em declarações à agência Lusa, a deputada da UNITA, Mihaela Weba, referiu que no entender do grupo parlamentar esta norma colide com o que a Constituição da República estabelece como início do processo de destituição.
“A Assembleia não tem vida, é o conjunto de pessoas, o conjunto de deputados das mais diferentes sensibilidades, e, portanto, o legislador constituinte, sabendo disso, estabeleceu um mínimo de 73 (um terço) de deputados para se iniciar o processo [de destituição]. É o que estabelece a alínea b) do nº 5 do artigo 129º da Constituição”, referiu Mihaela Weba.
Segundo a mesma fonte, este um terço de deputados, previsto na Constituição, contradiz o Regimento da Assembleia Nacional, que prevê que o processo de destituição deve ser iniciado através da criação de uma comissão eventual do parlamento, que tem de ser aprovada por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, ou seja, dois terços.
“Porque esta maioria absoluta já não são 73 deputados, já são 111 deputados. Se 111 deputados decidirem não criar a Comissão Eventual o processo não avança, ora, na Constituição não existe isso”, explicou.
A Constituição da Reino que um dia talvez seja uma República, prosseguiu Mihaela Weba, estabelece que o processo de destituição do Presidente se inicia com um terço e termina no Parlamento com a aprovação de dois terços.
“O regimento ao vir introduzir a maioria absoluta para a criação da Comissão Eventual obstaculiza a realização daquilo que está consagrado no artigo 129.º da Constituição”, frisou a deputada.
Mihaela Weba disse que o grupo parlamentar, “apesar da sua firme convicção”, vai respeitar a decisão do Tribunal Constitucional que, alegou, utilizou argumentos jurídicos para acautelar uma situação política.
Segundo o grupo parlamentar da UNITA, o processo foi remetido ao Tribunal Constitucional na sequência da realização da sessão plenária extraordinária de 14 de Outubro de 2023, que tinha como ponto único a proposta de criação de uma Comissão Eventual sobre o processo de acusação e destituição do Presidente da República, subscrito por 90 deputados à Assembleia Nacional.
Esta sessão plenária extraordinária, segundo a UNITA, ficou marcada “por várias irregularidades, ilegalidades e nulidades” e o processo de destituição acabou por não ser sequer iniciado.
Num acórdão divulgado na quinta-feira, os juízes conselheiros do Tribunal Constitucional decidiram “negar provimento ao pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma n.º 3 do artigo 284.º do Regimento da Assembleia Nacional”.
Essa norma refere que “recebida a proposta de iniciativa do processo de acusação e destituição do Presidente da República, o plenário da Assembleia Nacional reúne-se de urgência e cria, por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, uma Comissão Eventual, a fim de elaborar relatório parecer sobre a matéria, no prazo que lhe for fixado”.
Por seu lado, a Constituição prevê no ponto 5 do artigo 129 que “a proposta de iniciativa é apresentada por um terço dos deputados em efectividade de funções” e que “a deliberação é aprovada por maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções, devendo, após isso, ser enviada a respectiva comunicação ou petição de procedimento ao Tribunal Supremo ou ao Tribunal Constitucional, conforme o caso”.
Na decisão, de 30 páginas, o plenário de juízes considera que “na verdade, o número 5 do artigo 129 da Constituição nada discorre sobre os procedimentos a adoptar pela Assembleia Nacional após receber a proposta de iniciativa dos processos de responsabilização criminal e de destituição do Presidente da Republica, bem como não dispõe expressamente sobre a criação de uma comissão eventual”.
“Assim sendo, quer o Tribunal Supremo, quer o Tribunal Constitucional, conforme o caso, não podem promover a responsabilização criminal e a destituição do Presidente da República sem que haja o impulso acusatório da Assembleia Nacional”, lê-se no acórdão.
Sobre o assunto, vejamos a posição oficial do Grupo Parlamentar da UNITA:
«O Grupo Parlamentar da UNITA recebeu a 3 de Abril a notificação da Secretaria do Tribunal Constitucional dando conhecimento do Acórdão n.º 881/2024 do Tribunal Constitucional, que nega provimento ao seu requerimento remetido a 22 de Dezembro de 2023, para a verificação sucessiva de constitucionalidade do Artigo 284.º do Regimento da Assembleia Nacional.
O Grupo Parlamentar da UNITA esclarece que, na sequência da realização da Sessão Plenária Extraordinária de 14 de Outubro de 2023, que tinha como ponto único a Proposta de Criação de uma Comissão Eventual sobre o Processo de Acusação e Destituição do Presidente da República, subscrito por 90 Deputados à Assembleia Nacional, que ficou marcada por várias irregularidades, ilegalidades e nulidades, o Grupo Parlamentar da UNITA remeteu, a 20 e 23 de Dezembro de 2023, dois processos ao Tribunal Constitucional, sendo o primeiro sobre a verificação da constitucionalidade da norma do nº 3 do artigo 284º do Regimento da Assembleia Nacional e o segundo que visa impugnar a sobredita Sessão Plenária Extraordinária.
O Grupo Parlamentar da UNITA considera que a deliberação do plenário do Tribunal Constitucional sobre o primeiro processo não resolve a preocupação levantada, pois os fundamentos evocados conflituam com a doutrina e a jurisprudência jurídicas, em virtude de o Grupo Parlamentar da UNITA entender que a norma do artigo 284.º é uma norma infraconstitucional, não podendo, por força da hierarquia das normas, violar ou entrar em contradição com o disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 129.º da Constituição da República. Apesar da sua firme convicção, o Grupo Parlamentar da UNITA vai respeitar a decisão do Tribunal Constitucional.
O Grupo Parlamentar da UNITA esclarece que o requerimento do Processo Relativo ao Contencioso Parlamentar Sobre os Vícios e Nulidades da Sessão Plenária Extraordinária de 14 de Outubro de 2023 corre os seus trâmites legais no Tribunal Constitucional.
Este processo remetido ao Tribunal Constitucional visa impugnar a Sessão Plenária Extraordinária da Assembleia Nacional, realizada a 14 de Outubro de 2023, pelo facto de terem ocorrido vários vícios praticados pela Presidente da Assembleia Nacional, que configuram violações da alínea f) do n.º 2 do artigo 166.º da Constituição da República, alínea a) do n.º 1 do artigo 53.º, alínea p) do artigo 44.º e os artigos 80.º, 81.º, 206.º, 207.º, 213.º e 284.º, todos do Regimento da Assembleia Nacional.
O Grupo Parlamentar da UNITA espera que essa Acção seja julgada procedente e, consequentemente, seja declarada nula e sem quaisquer efeitos a Sessão Plenária Extraordinária de 14 de Outubro de 2023, que até à presente data não consta do Diário nem das Actas da Assembleia Nacional, o que adensa o leque de violações acima descritas.»
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