SE A HIPOCRISIA FOSSE REMÉDIO PARA A CÓLERA…

O Presidente em exercício da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e chefe de Estado angolano, João Lourenço, defendeu hoje a urgência de uma acção coordenada e eficaz para se travar o surto de cólera. Quem sabe, sabe! Olhemos todos para o que ele diz e não, é claro, para o que ele (não) faz no seu país.

O general João Lourenço que, recorde-se, é Presidente de um partido (o MPLA) que está no Poder há quase meio século, que é ao mesmo tempo também Titular do Poder Executivo, afirma que “a crise de saúde pública que assola a nossa região representa uma séria ameaça ao desenvolvimento sustentável e ao bem-estar dos nossos povos. Neste momento crítico, devemos reconhecer a urgência da nossa resposta e a necessidade de uma acção coordenada e eficaz, pois a cólera não conhece fronteiras e exige uma abordagem regional para enfrentá-la”.

Em Angola os mais de 20 milhões de pobres gritaram, em uníssono e forma estridente: Viva o “querido líder”, o “escolhido de Deus”…

O líder da SADC, que falava na abertura da cimeira virtual convocada com carácter de urgência para debater o surto de cólera na região, considerou que “em momento difíceis, como este, a solidariedade e a acção conjunta” que une os Estados-membros da região “são indispensáveis”.

“E exige uma resposta colectiva e coordenada para prevenir e controlar a propagação desta doença na nossa comunidade”, frisou o general João Lourenço, manifestando solidariedade para com os países afectados e para com as famílias que perderam os entes queridos.

Zâmbia e a República Democrática do Congo (RDCongo), ambos países com extensa fronteira terrestre com Angola, são os países que registam a epidemia de cólera, devido às intensas chuvas que caem naqueles territórios, com relatos de registos de casos também noutros países da região.

A SADC é uma Comunidade Económica Regional composta por 16 Estados-membros, entre eles, Moçambique.

João Lourenço recordou, na intervenção, que Angola se comprometeu a liderar o processo de integração e desenvolvimento regionais orientados pelo lema, “Capital Humano e Financeiro: Os Principais Factores para a Industrialização Sustentável da Região da SADC”.

Defendeu igualmente e com uma rara perspicácia a necessidade de se tomar decisões para prevenir e combater a propagação da cólera na região e dar uma resposta efectiva a doença, baseadas nas constatações dos ministros da Saúde e no relatório do Conselho de Ministros da SADC.

Estas, observou, “exigem uma abordagem integrada e holística que aborde não só os desafios da saúde, mas também os desafios económicos, sociais, ambientais e de governança de forma eficaz e sustentável”.

Por outro lado, reconheceu que existe ainda um caminho a percorrer para alcançar o quadro regional para a aplicação da Estratégia Mundial 2030 de Prevenção e Controlo da Cólera, apesar do compromisso dos Estados-membros da SADC, evidenciado por investimentos em capital humano, no reforço de infra-estruturas e no aumento do acesso equitativo aos serviços de saúde.

No entender do Presidente em exercício da SADC, a região precisa também de planos de emergência sólidos, recursos humanos capacitados e sistemas de alerta eficazes.

“A nossa luta contra a cólera exige mais do que o simples tratamento médico, ela requer uma estratégia abrangente que integre a promoção da saúde nas comunidades, cuidados de saúde de qualidade, gestão eficaz de casos e o uso estratégico de vacinas orais contra a cólera, como medida preventiva”, realçou.

As limitações de recursos para a aquisição de produtos médicos, vacinas, testes e reagentes laboratoriais, em muitos países da região, para a prevenção e a gestão adequada e oportuna dos casos, foram ainda realçadas pelo Presidente angolano.

“O mais preocupante ainda é a nossa capacidade limitada no acesso às vacinas, pelo que precisamos de desafiar as normas existentes e adaptá-las ao contexto actual, para que os países possam ter um acesso oportuno, equitativo e em quantidades seguras para todas as populações em áreas afectadas e de alto risco”, disse.

João Lourenço considerou ser urgente o fortalecimento dos mecanismos de transferência tecnológica e o investimento em fábricas para a produção local de medicamentos, produtos médicos e vacinas, visando a auto-suficiência, garantindo também o desenvolvimento económico e tecnológico, criando empregos e incentivando a inovação do sector farmacêutico da região.

Angola teve surtos de cólera entre 1995 e 2000, tendo registado o mais mortal em 2011 com 2.284 casos e 181 mortes. A ocorrência mais recente, entre 2016 e 2017, afectou as províncias de Cabinda, Luanda e Zaire, com 252 notificações e 11 óbitos.

Recorde-se que o Governo do MPLA (é o único que temos desde a independência) aprovou em Abril de 2016 legislação (e isso é coisa que faz sem grandes problemas) para enquadrar médicos no Serviço Nacional de Saúde, num processo “célere” e “menos burocrático” face à “necessidade de aumentar a cobertura médica urgente no país” e a assistência sanitária às comunidades.

A informação constava de um decreto presidencial que entrou em vigor no final de Abril de 2016, e que lembrava o investimento na formação e capacitação de médicos que já estão “disponíveis para trabalhar”, numa altura em que – recorde-se – só a capital angolana estava a braços com epidemias de febre-amarela e malária, com mais de 400.000 pessoas afectadas.

O mesmo decreto definia que o ingresso na categoria de interno “faz-se mediante concurso documental” para licenciados em medicina, à parte das normas sobre a entrada no funcionalismo público.

O Governo anunciou também que iria recrutar 2.000 médicos e paramédicos, angolanos, recentemente formados no país e no estrangeiro, para reforçar o combate às epidemias, que deixaram os hospitais de Luanda sobrelotados.

O ingresso como médico interno geral passou a ser feito por contrato individual de trabalho celebrado com o Ministério de Saúde, pelo período de um ano, renovável automaticamente.

“A renovação do contrato individual de trabalho fica condicionada ao bom desempenho profissional e comportamental”, lê-se no mesmo decreto, assinado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos.

No início de Abril de 2016 foi noticiado que o Estado iria avançar com a admissão excepcional de novos funcionários públicos para a saúde, educação e ensino superior em 2016, segundo uma autorização presidencial.

A informação constava de um decreto assinado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, no qual foi “aprovada a abertura de crédito adicional” ao Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2016, no montante de 31.445.389.464 kwanzas (166 milhões de euros), “para pagamento de despesas relacionadas com novas admissões”.

O médico angolano Maurílio Luyela considerou que o colapso do Serviço Nacional de Saúde em Angola era, é, o resultado da má gestão dos recursos financeiros e humanos por parte do Ministério da Saúde.

O especialista em saúde pública disse à VOA (Maio de 2016) que o sector debatia-se com a falta de pessoal qualificado porque, por alegada falta de verbas, não abriu qualquer concurso público para a admissão de especialistas angolanos que se formam nas faculdades do país. Talvez agora, se se cumprir esta promessa, a situação melhore.

Maurílio Luyele acusava os gestores do Ministério da Saúde de acharem mais importante comprar carros de luxo para directores em detrimento de equipamentos hospitalares.

“É mais fácil comprar carros de luxo para directores ao invés de materiais hospitalares e não há técnicos suficientes para atender a demanda, mas temos médicos angolanos que saem das faculdades que não são admitidos na função pública porque não há como pagá-los”, acusou.

O Governo anunciou em 2018 (também é algo em que se tornou perito) o reforço das medidas de combate à malária, que este ano já matou pelo menos 1.089 pessoas, e à cólera, que matou 12 pessoas, segundo um plano de emergência divulgado no dia 20 de Fevereiro de 2018.

O plano de combate a essas doenças foi analisado, na província de Benguela, numa reunião do Conselho de Governação Local, dirigida pelo Presidente João Lourenço, e integrou medidas e recursos financeiros.

O plano previa igualmente uma abordagem multissectorial e acções de testagem, tratamento da malária e de casos suspeitos de cólera.

Folha 8 com Lusa

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