MUDANÇA DE GOVERNOS INCONSTITUCIONAIS

África, o nosso belo Continente tem-se confrontado nos últimos anos, com o aumento de alterações à Ordem Constitucional, em vários dos seus países. As alterações à Ordem Constitucional são geralmente provocadas por golpes de Estado, insurreição popular e guerrilhas.

Por Adalberto da Costa Júnior (*)

Todos nós somos chamados a analisar com honestidade as causas profundas/reias, que justifiquem a extrema pobreza, os limitados níveis de competitividade, a exclusão em que vive uma boa parte das nossas comunidades, as razões da imigração e da emigração que mobilizam gerações de africanos a arriscar diariamente as suas vidas em busca de esperança e de uma vida de dignidade que não encontram nos seus países, há mais de 50 anos depois da era das suas Independências.

Há uma pergunta, muito violenta, que alguns Mais Velhos fazem nas suas aldeias: “afinal quando é que esta independência acaba? O nosso sofrimento está muito grande!”

Do nosso ponto de vista, algumas das causas principais são o carácter autocrático de muitos governos do nosso continente; é a elevada corrupção, que desgasta os recursos; são as extremas desigualdades regionais; é a falta de convicções democráticas e a falta de lideranças com visão estratégica, comprometidas com o bem estar dos seus povos.

As lideranças africanas, grosso modo, têm estado mais preocupadas com a gestão do seu poder, do que com a concretização de um propósito, com uma visão inspiradora partilhada com a sociedade.

Muitos dos golpes de estado que temos visto suceder têm sido aplaudidos pelas comunidades e pela sociedade civil dos países em que ocorrem. Este é um claro sinal de alerta para as relevantes instituições africanas, nomeadamente a UNIÃO AFRICANA E O PARLAMENTO PAN AFRICANO.

Quando o povo celebra e festeja os golpistas, significa que se encontrava perante uma governação que não o respeitava. E nós temos exemplos caricatos, de presidências sem qualquer respeito pelo Estado Democrático e de Direito, que entretanto realizaram eleições, onde os observadores da União e do Parlamento Pan Africano, mesmo perante as mais evidentes violações, legitimaram processos não democráticos e não transparentes.

Convido os excelentíssimos deputados a observarem por exemplo o que se passa na Africa Austral: temos países onde desde a data das nossas independências são governados há 50 anos pelos mesmo partidos no poder. Países em que nunca se operaram alternâncias políticas! O MPLA em Angola, a SWAPO na Namíbia, o ANC na África do Sul, a FRELIMO em Moçambique, a ZANU-PF no Zimbabwé, têm em comum uma existência de poder, de presença permanente no governo.

Existe democracia sem alternância? Em Angola, em todas as últimas eleições o governo recusa missões de observação eleitoral da Europa e dos Estado Unidos. Só aceita missões africanas! E vamos perguntar porquê que só aceita missão da SADC, da União Africana, da CPLP, etc…? Devemos ter coragem em responder: porque estas missões na sua maioria já vão formatadas. Estas missões são conduzidas por “amigos”, por líderes que estão nas mesmas situações de regimes autocráticos.

Nós temos um grave problema no nosso continente, de Presidentes que se sobrepõem às leis, que se sobrepõem às Constituições e que se transformam num poder absoluto, distanciando-se das causas que levaram as lutas pela independência.

E temos mesmo casos mais recentes, onde a União Africana enviou Observadores e o PAP, também enviou. Chegados ao terreno, os observadores do PAP elaboraram relatórios de violações e ainda no terreno escutaram o reconhecimento da “transparência das eleições” feita pela União Africana, mesmo antes dos Observadores regressarem!

Uma parte dos problemas que o PAP tem, resulta do facto de algumas Presidências e alguns governos do nosso continente não quererem um Parlamento forte, porque não querem ser fiscalizados pelo Parlamento Pan-Africano. Há líderes africanos que não estão preparados para prestarem contas e conviverem com parlamentos, que tenham soberania e a quem eles vêm limites para os seus poderes absolutos. Mas nós vivemos uma era em que temos de aprender a tratar dos nossos interesses e aprender a dialogar entre todos, aprender a ceder naquilo que não fira o nosso código de valores e os princípios universais.

O PAP precisa de ter uma liderança, que tenha consciência da sua missão, que saiba dialogar e construir consensos, de modo a cumprir o seu papel estratégico. O PAP precisa de um Presidente que aprove uma agenda estratégica entre pares, uma agenda que lhe dê força para em nome do Parlamento poder dialogar com a União Africana. Um diálogo feito na base da construção permanente da confiança, entre duas instituições que devem ser complementares. O PAP deve ter a sua soberania nas decisões da sua PLENÁRIA.

Não existirá uma União Africana forte, se não existir um Parlamento Pan-Africano estável e com capacidade de acção partilhada e complementar à UA.

Nós temos recursos bastantes e não devemos passar o tempo à pedir apoios e empréstimos que nos saem sempre muito caros. O nosso continente deve aprender a criar os seus próprios recursos estratégicos.

Seria muito importante a adopção de uma CARTA AFRICANA DE BOA GOVERNAÇÃO DEMOCRÁTICA, assente no compromisso inequívoco com o Estado democrático e de direito. Na promoção de regimes políticos com legitimidade democrática. Resultantes da organização e realização de eleições regulares, livres, justas e transparentes, e principalmente no respeito escrupuloso da vontade soberana dos seus povos, expressa nas urnas.

A União Africana poderia adoptar instrumentos legais vinculativos à todos Estados membros da União. E o PAP ter o poder de fiscalizar os governos.

A obrigação legal da adopção de leis eleitorais nacionais com base numa lei eleitoral modelo, assim como uma administração eleitoral independente.

A União Africana deverá criar instrumentos supranacionais como Tribunal Supremo Africano, avançar para a criação de um Banco Central Africano.

Todos estes instrumentos, com as devidas adaptações, deverão assumir a responsabilidade de aplicar A CARTA AFRICANA SOBRE DEMOCRACIA, ELEIÇÕES E BOA GOVERNAÇÃO, aprovada pelo PAP.

As instituições do nosso continente devem punir também os governos que organizem golpes constitucionais. Estes golpes o que são? São as alterações às leis e às constituições, impondo limites ao Estado Democrático e de Direito, de modo a tirar vantagens da sua governação e estendendo-a por vias não legais. Governos e Presidentes que controlam o poder judicial e controlam de modo absoluto a Comissão Nacional Eleitoral, que por sua vez introduzem sempre que necessário alterações ao voto do eleitor! Vejamos o que aconteceu recentemente em Moçambique, onde a Corte Constitucional e a Comissão Nacional Eleitoral assumiram resultados totalmente contestados pelo povo, pelas Organizações da Sociedade Civil, pelas Igrejas e por boa parte do Corpo Diplomático, Mas a União Africana não se pronunciou e o PAP também não. Ficou um silêncio comprometedor. Por essas razões os jovens vão desistindo e perdendo a esperança e imigram. Mais por estas razões. As muitas razões indicadas ontem resultam da má governação e do desrespeito pelas leis. A pobreza e a falta de emprego, a falta de estabilidade resultam dessas más práticas.

Por exemplo, em Angola, o governo faz alterações à Constituição e às leis antes de todas as eleições. E estas alterações reduzem o espaço democrático. Os golpes institucionais devem merecer a mesma condenação que que se faz aos golpes militares, porque estes também alteram a ordem constitucional!

Existem vários instrumentos e mecanismos destinados a prevenir e resolver mudanças inconstitucionais de governos. Aqui estão alguns instrumentos-chave:

1. Ata Constitutiva da União Africana:
A Ata Constitutiva da União Africana (UA) estabelece os princípios e objectivos da UA, incluindo um compromisso de prevenir e resolver conflitos nos Estados membros.
2. A Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governança:
Adoptada em 2007, esta carta delineia princípios e directrizes para promover a democracia e boa governança, incluindo medidas para prevenir e abordar mudanças inconstitucionais de governo. Mas não se aplica!
3. Declaração de Lomé (2000):
A Declaração de Lomé condena mudanças inconstitucionais de governo e delineia as condições para a restauração da ordem constitucional. Enfatiza a necessidade de acção colectiva contra golpes de Estado. Esta Declaração também tem limitada aplicação.
4. Pacto de Não Agressão e Defesa Mútua (2005):
Este pacto enfatiza o compromisso dos estados membros da UA em prevenir conflitos e responder colectivamente a agressões ou mudanças inconstitucionais de governo.
5. Conselho de Paz e Segurança (CPS):
O CPS é responsável pela prevenção, gestão e resolução de conflitos na África. Desempenha um papel crucial no enfrentamento de mudanças inconstitucionais de governo por meio de medidas apropriadas, incluindo sanções e esforços diplomáticos.
6. Força de Intervenção Rápida Africana (FIRA):
A FIRA é uma força multidisciplinar de manutenção da paz com o mandato de intervir em conflitos, incluindo aqueles envolvendo mudanças inconstitucionais de governo.
7. Painel dos Sábios:
Composto por personalidades eminentes, o Painel dos Sábios fornece conselhos e recomendações ao CPS sobre prevenção de conflitos, gestão e resolução.
8. Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP):
O MARP é um mecanismo voluntário de auto-avaliação que incentiva os estados membros a aderirem às práticas de boa governança, incluindo governança constitucional.
9. Sistema de Alerta Antecipado: A UA possui um Sistema de Alerta Antecipado projectado para detectar e alertar a UA sobre conflitos potenciais e mudanças inconstitucionais de governo, permitindo acção preventiva oportuna.
10. Sanções e Mediação:
A UA pode impor sanções a países com mudanças inconstitucionais de governo. Além disso, a UA frequentemente se envolve em esforços de mediação para facilitar a restauração da ordem constitucional.

É crucial observar que a eficácia desses instrumentos depende do comprometimento dos estados membros e da vontade política de aplica-los.»

(*) Intervenção do Presidente da UNITA no Parlamento Pan Africano

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