O general Hélder Pitta Gróz, Procurador-Geral da República do MPLA (Angola) garantiu hoje que os processos criminais que envolvem personalidades angolanas (todas afectas ao MPLA) não estão parados e que a justiça angolana mantém as portas abertas ao diálogo. Andar para trás também significa não estar parado…
Hélder Pitta Gróz falava à imprensa à margem de um workshop sobre confisco de activos para benefício (segundo a democracia e o Estado de Direito “made in MPLA”) dos magistrados dos tribunais superiores de Angola, em Luanda.
Questionado sobre a fase em que se encontram os processos relativos à filha de José Eduardo dos Santos, o ex-presidente angolano que escolheu e impôs o general João Lourenço como seu sucessor, Isabel dos Santos e do ex-vice-presidente, Manuel Vicente, ambos na mira (do canhangulo) da justiça do MPLA/João Lourenço, por alegada corrupção, Pitta Gróz não se pronunciou sobre casos concretos, que – quando isso interessa ao regime – “estão sujeitos ao segredo de justiça”, mas garantiu que as autoridades estão “a trabalhar”.
“Há processos mais complexos do que outros, há processos que necessitam de mais cooperação internacional do que outros, outros precisam de mais cooperação institucional, cada processo tem o seu ‘timing'”, disse o general PGR, acrescentando que “os recursos humanos e materiais também não chegam para tudo”.
Hélder Pitta Gróz garantiu, ainda, que os processos não estão encerrados, sem desvendar se os visados estão a colaborar, porque “cada caso é um caso”.
“Quando há um arresto, em princípio já há uma imposição, aí é indiferente se há colaboração ou não. Há uns que, como se diz na gíria, se chegam à frente e há outros que não,” afirmou Pitta Gróz, justificando que os mecanismos de cooperação internacional também são lentos. A que parece, as entidades internacionais, adoptaram também a regra de ouro do MPLA em que a (suposta) justiça só tem três velocidades: devagar, devagarinho e parada.
“Não demoram um ou dois dias, tudo tem regras próprias e temos de observar a legislação de cada um desses Estados. Temos estado com a porta aberta para que o diálogo continue e acredito que mais tarde ou mais cedo estaremos em condições de dar mais alguma informação sobre isso”, indicou o mesmo responsável.
Isabel dos Santos, sobre quem impende um alerta vermelho (“red notice) emitido pela Interpol a pedido de Angola, vive fora do seu país há vários anos, o mesmo acontecendo com Manuel Vicente, sendo ambos vistos com frequência no Dubai, país onde são vistos regularmente diversos dirigentes do MPLA, incluindo o próprio general Hélder Pitta Gróz.
Em termos dos activos recuperados pelo Estado, Hélder Pitta Gróz disse que os que foram alvo de arresto ou apreensão ficam à guarda de um fiel depositário, e anunciou que será em breve realizado um terceiro leilão para venda de viaturas. Nos Estados de Direito Democráticos, “fiel depositário” é a atribuição dada a alguém para guardar um bem durante um processo judicial e até trânsito em julgado. Em Angola não é preciso trânsito em julgado. Basta uma ordem superior para que os activos recuperados sejam vendidos, dados, doados aos amigos do Presidente.
Está igualmente a ser preparada a venda em hasta pública de património imobiliário, adiantou o general PGR. Como mandava o assassino, genocida e herói nacional do regime (Agostinho Neto), o MPLA “não vai perder tempo com julgamentos”.
À data de hoje, constam da lista de activos recuperados pelo Estado angolano 223 bens, mais 521 apreendidos e 167 arrestados, incluindo dinheiro, automóveis, casas, prédios, edifícios e participações sociais em empresas, entre outros.
As listas do Serviço Nacional de Recuperação de Activos detalham o tipo de activo, o seu valor e o local onde foi recuperado, mas não mencionam quem eram os seus proprietários, uma situação que Pitta Gróz admite que pode vir a mudar.
“Estamos a dar os primeiros passos, a tratar de matérias que nunca tinham sido tratadas e é natural que haja algumas falhas da nossa parte. Já foi um bom passo em termos de transparência nós publicitarmos o que nós temos, o que já foi recuperado, toda a gente pode ir ao site e consultar, mas poderemos ver se melhoramos a nossa informação”, disse com a sua reconhecida perspicácia e oralidade viril o general Pitta Gróz.
O workshop, que termina amanhã, integra-se no âmbito do projecto PRO.REACT — Projecto de Apoio ao Fortalecimento do Sistema Nacional de Confisco de Activos em Angola, financiado pela União Europeia (UE), e tem como objectivo desenvolver um sistema eficaz de combate aos fluxos financeiros ilícitos e contribuir para um maior crescimento económico e para a redução da pobreza em Angola.
O confisco de activos é uma ferramenta inovadora e eficaz no combate à corrupção e ao crime organizado. Contudo, a prática de recuperação de activos é complexa e requer cooperação e coordenação entre as instituições relevantes na matéria nacionais e internacionais.
Recorde-se o general Hélder Pitta Gróz recebeu, recentemente, a visita de cortesia do Presidente da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), que se deslocou a Angola para participar da 26ª Conferência Regional Africana daquela organização.
Na ocasião, o Procurador-Geral do MPLA felicitou a Interpol pelo centésimo aniversário da sua criação, enfatizando que esta organização é muito importante para Angola, com vista ao combate do crime organizado.
Hélder Pitta Gróz mencionou a experiência obtida pela PGR do MPLA quando o seu representante visitou a sede da Interpol e pode colher outros subsídios do seu funcionamento.
Por sua vez, o presidente da Interpol, Ahmed Naser Al-Raisi, mostrou-se satisfeito por estar em Angola e enfatizou que era a primeira vez na história que a organização é dirigida por um cidadão árabe, e tudo se deveu ao apoio e solidariedade dos países africanos e, certamente, de Angola.
Ahmed Al-Raisi disse que tudo fará para que os países de África usufruam dos seus direitos enquanto membros da Interpol, não se tratando de qualquer favor, porquanto são muito importantes para o funcionamento da Organização.
O Presidente da Interpol exortou os países africanos a inserir os seus trabalhos na base de dados da organização, acrescentando estar consciente de que os países africanos fazem bom trabalho, mas estes não constam da base de dados da Organização que é necessário aceder, ajudando os países no Combate ao Cibercrime e Crimes Financeiros.
Em Junho, recorde-se, Pitta Gróz foi ao Dubai tentar deter Isabel dos Santos. A ordem para a deslocação foi do próprio Presidente João Lourenço, mas autoridades dos Emirados Árabes Unidos acabaram por não cooperar.
Hélder Pitta Gróz, adiantou na altura o Jornal de Negócios, viajou num avião fretado pela presidência de Angola, fazendo-se acompanhar de dois procuradores na certeza de que as autoridades dos Emirados Árabes Unidos (EAU) iriam colaborar com a Justiça angolana. Contudo, à chegada ao Dubai, o PGR foi travado pelas forças policiais dos Emirados.
Apesar de Angola e EAU não terem qualquer tratado de extradição, o mesmo jornal disse ter apurado que foram dadas garantias ao PGR angolano de que o país iria colaborar, o que acabou por não acontecer.
Apesar de ser alvo de um “alerta vermelho” da Interpol desde Dezembro, o que significa que a agência internacional aceitou o mandado de captura emitido por Angola, Isabel dos Santos continua a dividir o seu tempo entre o Dubai e Londres, onde vivem os filhos, sem ter sido interpelada pela polícia do Reino Unido até agora.
O Estado do MPLA alega no mandado de captura que Isabel dos Santos terá lesado o seu país em mais de 200 milhões de euros e acusa-a de peculato, associação criminosa, tráfico de influência e lavagem de dinheiro.
Esta foi a segunda vez que Hélder Pitta Gróz tentou deter Isabel dos Santos, lembra ainda o Negócios. Há um ano, tal como o jornal avançou em primeira mão na altura, a empresária foi detida e ouvida pelas autoridades judiciais dos Países Baixos na sequência de uma queixa apresentada pela PGR angolana. Esta entidade solicitou a sua prisão e posterior detenção, mas o pedido não foi aceite pelas autoridades neerlandesas.
O Presidente angolano considera que Isabel dos Santos é “apenas uma” entre vários cidadãos a contas com a justiça e não é sua rival, rejeitando acusações (mais do que verdadeiras e comprovadas) de perseguição pessoal e política.
“Eu não a vejo como minha rival política. Perseguição política? Persegue-se um opositor e os opositores do MPLA são conhecidos”, afirmou a o chefe do executivo angolano, numa entrevista conjunta à Agência Lusa e jornal Expresso.
“Vamos deixar que a Interpol faça o seu trabalho. Costuma-se dizer que a justiça às vezes é lenta a agir, confiamos na idoneidade e capacidade da Interpol em cumprir o seu papel”, disse João Lourenço, acrescentando que “há trâmites a seguir”, pelo que é preciso “aguardar pacientemente pelo desfecho”.
O general chefe do executivo angolano refuta alegações de perseguição política, como se tem queixado a empresária, salientando que há muitos cidadãos que estão a braços com a justiça e o caso de Isabel “é apenas mais um”.
Quanto ao processo relativo ao ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, João Lourenço realçou que se tratou de “um caso de soberania” e que não foi Angola que provocou o que ficou conhecido como “irritante” entre Angola e Portugal.
“Foram as autoridades judiciais portuguesas que entenderam levar à barra dos tribunais [portugueses] um governante daquela craveira. Não estou a imaginar Angola a ter a ousadia, por exemplo, de levar a tribunal um José Sócrates se, eventualmente, ele tivesse cometido algum crime em Angola. Felizmente, o desfecho foi bom (…) se tivesse demorado mais tempo talvez tivesse deixado mazelas, mas devo garantir que não deixou nenhumas”, comentou.
O Ministério Público português imputou a Manuel Vicente crimes de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documento, um processo que foi remetido em 2018 para Angola, mas que se tem arrastado, segundo o procurador-geral angolano, Hélder Pitta Gróz, devido à imunidade de que gozava o antigo vice-presidente.
João Lourenço preferiu não comentar o caso, que “está na justiça”, mas espera que os órgãos judiciais façam “a parte que lhes compete”, escusando-se a abordar a relação que mantém actualmente com o antigo homem forte da Sonangol, já que está “absorvido 24 sobre 24 horas” com as questões do Estado.
Folha 8 com Lusa