TER MEMÓRIA (AINDA) NÃO É CRIME

Segundo Jorge do Amaral, proprietário da fábrica, a Textang II vendeu a uma empresa de Guimarães (Portugal) a maior quantidade de fio de algodão da história de Angola, num total de 44 toneladas, marcando assim o arranque das exportações da indústria têxtil angolana. Arranque das exportações de algodão? A história de Angola, para estes efeitos, começa quando?

A encomenda, no valor de 90 mil dólares deverá ser entregue em dez dias à Lagent e assinala o início das vendas para fora de Angola, disse à Lusa o presidente do grupo Alcaal, proprietário da fábrica, Jorge do Amaral.

A Textang II, a maior fábrica de tecidos finos de Angola e uma das maiores de África, com uma área de 110 mil metros quadrados localizada no Cazenga (Luanda), emprega cerca de 400 pessoas e tem uma capacidade de produção de até 10 000 000 de metros de tecidos por ano.

“Nunca nenhuma outra indústria têxtil no país exportou esta grande quantidade de fio de algodão, descaroçado, limpo, fiado e acabado em Angola”, salientou o empresário.

Segundo Jorge do Amaral, o grupo, que vai fazer agora a primeira exportação para Portugal está a estudar mercados e estratégias de entrada noutros países e a negociar a possibilidade de exportar tecido para Portugal e Espanha, bem como as oportunidades no mercado de Estados Unidos

Embora o algodão utilizado para a produção tenha sido importado, o grupo que opera principalmente em Angola e na Argentina, iniciou recentemente um projecto de produção de algodão na província angolana de Malanje.

A Alcaal explora activos agro-industriais em mais de 70.000 hectares, principalmente vocacionados para o milho, soja e arroz, bem como os seus derivados industriais.

O ALGODÃO NÃO ENGANA?

Em Agosto de 2021, o Presidente João Lourenço apelou à produção de algodão no país, considerando que a sua comercialização estava garantida com o funcionamento das três fábricas têxteis existentes no país. João Lourenço falava à imprensa no final da visita que fez à fábrica têxtil Textang II, no município do Cazenga.

“Alimentar indústrias (alimentar e têxtil) desta dimensão a contar apenas com a importação não é correcto, daí o facto de as próprias empresas que ganharam o concurso de concessão dessas três unidades serem as primeiras a promover a produção nacional de algodão”, referiu João Lourenço.

Segundo o chefe de Estado, a Textang II já conseguira, na altura, mobilizar cerca de 1.000 camponeses, da província de Malanje, que começaram com o processo da produção de algodão.

“Todo os produtores de algodão que o fizerem têm o seu produto garantidamente vendido, quer esta unidade, quer as outras duas vão comprar todo o algodão que for produzido no nosso país. Só esta garantia, acredito ser suficiente para incentivar os camponeses e fazendeiros, porque não, não apenas os camponeses, mas as famílias, a dedicarem-se a este tipo de cultura, que não é estranha para Angola, uma vez que o país, num passado relativamente recente, já foi um grande produtor de algodão”, disse o Presidente.

O chefe de Estado sublinhou que dois anos antes visitou o mesmo local, quando a fábrica ainda não funcionava, congratulando-se com o facto de a mesma se encontrar em actividade.

“Estive aqui há sensivelmente dois anos, quando esta unidade estava ainda sem funcionar e o que dissemos, na altura, é que iríamos fazer todos os esforços no sentido de colocar, não apenas esta unidade do Cazenga, como também a de Benguela e a do Dondo, a funcionar, por razões óbvias, uma vez que, como sabemos, são investimentos públicos avultados que foram feitos nestas três unidades, que, lamentavelmente, ficaram muitos anos encerradas”, salientou.

João Lourenço realçou que as fábricas ainda não estavam a funcionar em pleno, mas o “volume de produção vai aumentando à medida que o tempo vai passando e com isso vão aumentando também o número de postos de trabalho”.

“Ao fazer essa visita hoje, o sentimento não podia ser outro senão o de uma grande satisfação”, disse.

A Textang II foi privatizada em 2020, sendo o vencedor do concurso público a empresa angolana Investimentos e Participações IEP, que por oito anos tem a gestão da unidade fabril, podendo adquirir a mesma ao Estado findo o contrato.

UMA QUESTÃO DE MEMÓRIA… OU DE FALTA DELA

Angola participou em Outubro de 2019, na Suíça, nas celebrações do Dia Mundial do Algodão e do Fórum Público da Organização Mundial do Comércio (OMC), que decorreu sob o lema “Comércio para o Futuro: Adaptando-se a um Mundo em Mudança”.

Em 1973 (antes, recorde-se, de os colonialistas portugueses serem substituídos pelos colonialistas do MPLA) as principais exportações de Angola eram o petróleo (30%), café (27%), diamantes (10%), minérios de ferro (6%), algodão (3%) e sisal (2%).

A delegação angolana, chefiada pelo então ministro do Comércio, Joffre Van-Dúnem Júnior, participou na Sessão Plenária de Alto Nível da celebração do Dia Mundial do Algodão (7 de Outubro), uma data proposta pelos países proponentes da iniciativa do algodão na OMC, conhecidos como C4 (Benin, Burkina Faso, Chade e Mali).

A referida data foi oficialmente adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas para celebrar os benefícios sócio económicos da produção e comércio do algodão no mundo, em particular nos Países Menos Avançados (PMA).

A data visa também reconhecer a importância do algodão e dos sectores envolventes nos processos produtivo, de transformação e de comércio, bem como engajar os doadores e beneficiários para fortalecer a assistência ao desenvolvimento no sector do algodão.

Angola já foi nos anos 70, em pleno domínio colonial português, um dos maiores produtores e exportadores de algodão, situação que – como muitas outras – não soubemos preservar e até ampliar, sobretudo graças a quem nos gere desde 1975, o MPLA.

Neste momento, o país está a criar, diz esse mesmo MPLA, condições para o cultivo desta “commodity”, importante para o relançamento da indústria têxtil a nível nacional.

Angola foi, até ao início dos anos 60 do século passado, essencialmente um reservatório de matérias-primas por explorar, como um diamante em bruto que esperava a lapidação. Mas em 1961 as coisas mudaram e as indústrias até aí adormecidas começam a acordar para o mercado. Com o território aberto para os investimentos nacionais e estrangeiros o caminho começou a desenhar-se. As primeiras indústrias a ganhar relevo – ainda que progressivamente – foram as do ferro e do petróleo, que conseguiram um lugar de destaque junto dos chamados produtos tradicionais, como o café e os diamantes.

O ferro principalmente, uma vez que se começou a investir em novas infra-estruturas, nomeadamente transportes (como os caminhos-de-ferro), indústrias extractivas e transformadoras. Foi no início dos anos 60 do século XX que o Planeamento Mineiro deu os seus primeiros passos em Angola, sob o impulso do engenheiro José Quintino Rogado, Catedrático de Preparação de Minérios do Instituto Superior Técnico e Director Técnico da Companhia Mineira do Lobito.

Nessa época surgem as primeiras tentativas de modelização dos recursos minerais metálicos a partir da geo-estatística. A importância da Companhia Mineira do Lobito na economia de Angola era extremamente significativa: o valor médio anual da produção de minério de ferro no período 1968/1973 correspondia a 22.8 % da indústria extractiva e a 9.4% do total das exportações, o que levava a que este produto se posicionasse em terceiro lugar (a seguir ao café e aos diamantes) no ranking da economia de Angola, durante a derradeira fase colonial, em que a produção dos concentrados de ferro cresceu ao ritmo de 23% ao ano.

A Companhia Mineira do Lobito foi fundada em 1957 e logo assumiu a extracção de ferro na Jamba, Kassinga e Chamutete. Esta companhia cedeu depois as actividades à Krupp alemã, que também funcionava com capitais da Greg-Europe Belga e do Japão.

Referem ainda os dados disponíveis que a quantidade de exploração anual, incluindo a produção geral nas províncias de Malange, Bié, Huambo e Huíla, atingia a média de 5,7 milhões de toneladas em 1974. A maior parte do mineral era exportado para o Japão, Alemanha e Grã-Bretanha, que pagavam a Angola 50 milhões de dólares norte-americanos ao ano, a preços constantes.

O potencial mineiro do Moxico também alimentava nesta altura a indústria extractiva do país. Cobre, ouro, volfrâmio, diamantes, manganês e urânio eram transportados pelos Caminhos-Ferro-de Benguela para o porto de Lobito.

O Moxico nasceu à sombra do Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) e cresceu como entreposto comercial até se tornar no mais importante centro da região. Na época colonial, a capital da província, o Luso (actual Luena) albergava uma das estações principais do CFB. As locomotivas, que transportavam milhares de toneladas de materiais, metais preciosos e produtos agrícolas entre o porto do Lobito, na costa Atlântica, e povoação fronteiriça de Luau, na parte oriental do país, faziam escala no Luso para se abastecer e depositar mercadorias. Ao mesmo tempo, Kassinga, na província de Huíla, era a jóia da coroa da metrópole na época colonial. As minas desta cidade do sul de Angola abasteceram a Siderurgia Nacional com 985 mil toneladas de minérios para transformação.

Rica em ferro e manganês, os minerais eram transportados pelo ramal ferroviário até ao porto do Saco-Mar. E daqui seguiam para a Siderurgia Nacional, no Seixal, nos arredores de Lisboa. O Porto do Saco-Mar, concluído em 1967, possuía uma ponte constituída por betão assente sob fiadas de estacas. Mais tarde, seguiu-se a construção de um local com profundidade suficiente para receber navios de grande porte.

A Siderurgia Nacional (Portugal) era quase sempre o destino dos minerais angolanos. Inaugurada em Agosto de 1961, o complexo industrial produzia 230 mil toneladas de gusa (produto resultante do minério de ferro pelo carvão ou calcário num alto forno), 140 mil de escória, usada em aplicações como balastro de estradas, construção civil e fabrico de cimentos. Na área da aciaria, a produção anual era de 300 mil toneladas de aço bruto, e na laminagem, onde era transformado o aço, produzia-se 150 mil toneladas de aço para betão.

Sem os minérios de Kassinga a produção em Lisboa nunca teria atingido estes valores. Quase dez anos depois, no início da década de setenta a taxa de crescimento da economia angolana atingia níveis elevados fruto das modificações verificadas entre 1960 e 1972, a progressão da produção das indústrias extractivas nos dez anos anteriores. Esse crescimento foi particularmente visível – entre 1960 e 1972 – nos diamantes, ferro e petróleo, sendo que entre 1962 e 1968, a taxa de crescimento das indústrias extractivas foi de mais de 170% (cerca de 28% por ano) com preponderância para o ferro.

E mais: entre 1968 e 1969 as vendas de ferro duplicaram. Foi neste sector — onde se encontrava o essencial dos investimentos estrangeiros multinacionais — que houve a maior expansão no período de 1960-72. Por exemplo, entre 1960 e 1972 a produção de minério de ferro passou, em números redondos, de 660 mil toneladas a 4.830 mil toneladas. O ferro estava em alta: durante esse período o minério era o principal produto exportado de Angola sendo que um importante conjunto de minas de ferro estava localizado nas Províncias do Huambo e Huíla, dentro da bacia do rio Cunene.

A última mina em exploração situava-se em Kassinga, Huíla, tendo cessado a extracção durante a guerra civil. Nessa altura as plantações existiam sobretudo na parte noroeste de Angola com especial destaque para a produção do café, seguida do algodão e do açúcar. As minas existiam sobretudo na parte noroeste de Angola, para a extracção de diamantes, e na parte sul de Angola – planalto de Huíla e Cuando Cubango – para a extracção de minério de ferro. Em 1973 as principais exportações eram ainda o petróleo (30%), café (27%), diamantes (10%), minérios de ferro (6%), algodão (3%) e sisal (2%).

Enquanto província ultramarina de Portugal, até 1973, Angola era auto-suficiente, face à diversificação da economia.

Era o segundo produtor mundial de café Arábico; primeiro produtor mundial de bananas, através da província de Benguela, nos municípios da Ganda, Cubal, Cavaco e Tchongoroy. Só nesta região produzia-se tanta banana que alimentou, designadamente a Bélgica, Espanha e a Metrópole (Portugal) para além das colónias da época Cabo-Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.

Era igualmente o primeiro produtor africano de arroz através das regiões do (Luso) Moxico, Cacolo Manaquimbundo na Lunda Sul, Kanzar no Nordeste Lunda Norte e Bié.

Ainda no Leste, nas localidades de Luaco, Malude e Kossa, a “Diamang” (Companhia de Diamantes de Angola) tinha mais 80 mil cabeças de gado, desde bovino, suíno, lanígero e caprino, com uma abundante produção de ovos, leite, queijo e manteiga.

Na região da Baixa de Kassangue, havia a maior zona de produção de algodão, com a fábrica da Cotonang, que transformava o algodão, para além de produzir, óleo de soja, sabão e bagaço.

Na região de Moçâmedes, nas localidades do Tômbwa, Lucira e Bentiaba, havia grandes extensões de salga de peixe onde se produzia, também enormes quantidades de “farinha de peixe”, exportada para a China e o Japão.

Folha 8 com Lusa

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