SE O GENERAL O DIZ… VIVA CUBA

O general João Lourenço, Presidente angolano, fazendo seus também o pensamento do Presidente do MPLA e do Titular do Poder Executivo, defendeu hoje o “aumento da fasquia” (a fasquia não se aumenta, sobe-se ou desce-se) da cooperação económica entre Luanda e Havana, que diz estar “abaixo do que é exigido” pelos povos de ambos os países, apontando para a necessidade de trabalho “conjunto e contínuo”.

Ora então, no âmbito da visita do seu homólogo cubano a Angola, Miguel Díaz-Canel, o general João Lourenço disse que “o nível da cooperação económica entre Angola e Cuba está abaixo do que nos é exigido pelos nossos povos e o objectivo dessas visitas oficiais e de Estado, quer nossas a Cuba, quer das entidades cubanas em Angola é precisamente o de corrigirmos essa situação”.

Para João Lourenço, que falava ao lado de Miguel Díaz-Canel, é necessário que se trabalhe em conjunto no sentido de colocar “o nível de cooperação económica” entre os dois países “pelo menos igual ao nível” das “relações de amizade” entre os dois povos. Referia-se, naturalmente, ao seu (do MPLA) povo e não a todos os angolanos.

“Esse é um trabalho contínuo que vamos continuar a fazer” (“contínuo que vamos continuar”, senhor Presidente?), frisou João Lourenço, após a assinatura de três memorandos de entendimento nos domínios do turismo, desenvolvimento de zonas francas e saúde entre Angola e Cuba.

Segundo João Lourenço, os instrumentos jurídicos assinados vão ao encontro da pretensão de as autoridades de ambos países levantarem “a fasquia no que diz respeito à cooperação económica”.

João Lourenço sinalizou a importância da visita do seu homólogo, considerando as relações entre Angola e Cuba de irmandade entre dois povos “que se querem muito e que em momento de dificuldade em que cada um possa se encontrar o outro surge a prestar socorro”.

O general João Lourenço recordou o apoio militar que Cuba prestou ao MPLA (não a Angola, como disse) no período da transição colonial portuguesa para a neocolonização do MPLA, em 1975, salientando que o MPLA não enfrentou sozinho ameaças de invasão, “mas com a ajuda desinteressada” dos “irmãos cubanos”.

“Juntos, lado a lado, vencemos essas duas grandes ameaças de invasão, garantindo assim a independência de Angola, a manutenção da nossa soberania e da nossa integridade territorial”, apontou João Lourenço.

“A vitória alcançada por Angola na histórica batalha do Cuito Cuanavale, com o apoio cubano, abriu portas para que os nossos irmãos namibianos também pudessem proclamar a sua independência e para que os nossos irmãos da África do Sul pudessem constituir o primeiro governo democrático do seu país, de maioria negra”, frisou.

O chefe de Estado do MPLA enalteceu também, na sua intervenção, a mão amiga e solidária de Cuba, “que não se limitou apenas à defesa do território angolano de armas na mão”, mas que também se alargou à economia e, sobretudo, à formação de quadros.

“A mão amiga de Cuba alargou-se também na assistência médica, à reconstrução do país, à ciência, ao desporto, enfim a todos os outros domínios da vida nacional”, realçou o general.

João Lourenço confirmou ainda, publicamente, que aceitou o convite de Miguel Díaz-Canel e que deve realizar, dentro de dias, uma visita a Havana para participar do denominado Grupo 77, cimeira a que Cuba vai presidir.

Angola e Cuba têm como base o Acordo Geral de Cooperação, assinado em Fevereiro de 1976, versado nos domínios da educação e saúde.

Cuba é parceiro estratégico de Angola desde a independência, em 1975, e apoiou o país na defesa da sua integridade territorial contra o então regime sul-africano de segregação racial do ‘apartheid’, colaborando activamente com o assassino António Agostinho Neto nos massacres de 27 de Maio de 1977, onde foram assassinados 80 mil angolanos.

PARA MEMÓRIA FUTURA, ANTES QUE O MPLA ALTERE

Eis, na íntegra, o discurso proferido esta segunda-feira, em Luanda, pelo Presidente da República, João Lourenço, por ocasião da visita de Estado a Angola do Chefe de Estado cubano, Miguel Diaz Canel Bermúdez. Discurso subscrito igualmente, para que não existam dissidências, pelo Presidente do MPLA e pelo Titular do Poder Executivo:

«É com grande satisfação que recebo Vossa Excelência e a delegação que o acompanha, nesta primeira visita de Estado que realiza a Angola desde a última efectuada por um alto mandatário cubano, em 2009, preenchendo assim um intervalo sem contactos ao mais alto nível que só foi quebrado em 2019 com a visita de Estado que efectuei a Cuba.

Em função do alto nível das relações entre os nossos países, penso tratar-se de um espaço de tempo demasiadamente longo sem abordar, a nosso nível, as questões fundamentais relativas à cooperação bilateral e aos vários outros aspectos de interesse comum.

Quero assim desejar-lhe as boas-vindas a Angola e, por seu intermédio, transmitir um caloroso e fraterno abraço do povo angolano ao povo irmão de Cuba.

Nos encontros entre nós vêm sempre ao de cima fortes sentimentos e emoções que derivam de um passado recente em que juntos escrevemos páginas indeléveis da história de África, particularmente da África Austral, onde angolanos e cubanos se fundiram num esforço comum vertendo suor, sangue e lágrimas para garantir a Independência, a soberania e a integridade territorial da República de Angola, libertar o continente africano do hediondo regime do Apartheid e seus cúmplices, restituir a liberdade e a dignidade aos povos da região.

Temos a oportunidade de discutir, durante a sua estadia, todos os aspectos que consideramos essenciais, não só para mantermos o bom nível das nossas relações, como nos debruçarmos também sobre iniciativas que introduzam um novo ímpeto e dinamismo ao actual quadro da cooperação bilateral, que precisa naturalmente de ser ajustado às novas realidades dos nossos respectivos países e até mesmo ao contexto do mundo em que vivemos hoje.

Importa realçar que a República de Angola e a República de Cuba, nestas mais de quatro décadas de relações bilaterais, desenvolveram um vasto leque de acções em que merecem realce as realizadas nos sectores da Saúde, Educação e Ensino Superior, Defesa, Turismo, Transportes, Desportos, Comércio e Indústria.

Nos momentos mais difíceis da nossa história imediatamente após o alcance da nossa Independência, momento em que assistimos à fuga massiva dos quadros portugueses, Cuba predispôs-se em acolher e formar jovens angolanos em distintas áreas do saber.

Temos hoje quadros angolanos bastante bem preparados formados em escolas, universidades e academias militares cubanas, ou em Angola por instrutores e professores cubanos, que desempenham com grande esmero e eficiência as funções que lhes são atribuídas.

É justo destacar aqui o papel dos profissionais de saúde cubanos, que durante um período considerável asseguraram o funcionamento das nossas unidades hospitalares de todos os níveis e em todo o território nacional, enquanto formávamos os nossos em Angola, em Cuba e em diversos países europeus.

Estamos bastante satisfeitos com este grande resultado da nossa cooperação bilateral e, por isso, devemos mantê-la, conferindo-lhe um novo paradigma em que nos devemos concentrar no intercâmbio especializado de alto nível em áreas críticas do saber, para o que contamos uma vez mais com a vossa abnegada colaboração e solidariedade.

É dentro deste espírito que destaco, com grande interesse, o entendimento que nos vai levar à assinatura no fim deste nosso encontro, de importantes instrumentos jurídicos que vão reforçar a nossa cooperação bilateral.

No contexto da nova visão sobre o modelo que daqui em diante deve estar presente no relacionamento entre os nossos dois países, é fundamental pormo-nos de acordo sobre o papel dinamizador que pode desempenhar o sector privado e os cidadãos dos nossos respectivos países no quadro da livre iniciativa, para o reforço da capacidade das nossas economias e da cooperação bilateral.

Permaneceremos fiéis aos princípios de gratidão que caracterizam os angolanos, procurando retribuir o apoio que nos tem sido prestado ao longo destes anos de parceria multifacetada, por via do comércio preferencial e do investimento privado.

Em Abril deste ano, reuniu-se em Havana a Comissão Bilateral Angola-Cuba, que fez um balanço exaustivo da cooperação entre os nossos países e chegou a importantes conclusões sobre aspectos que vão garantir o funcionamento da cooperação bilateral em sectores específicos e o cumprimento de obrigações por parte de Angola, às quais daremos uma atenção cuidada por forma a cumprirmo-las sempre que possível no horizonte temporal fixado no encontro a que antes fiz referência e sujeito pontualmente a ajustamentos por consenso entre as partes, sempre que a situação assim requerer.

A República de Angola atravessa um momento sensível resultante da exposição da nossa economia a choques externos, agravada pelas consequências da pandemia da COVID-19 que afectou muito seriamente as condições de vida da população.

Estamos a empreender um grande esforço para superar estas dificuldades e acreditamos no sucesso das medidas adotadas.

Os nossos países têm preocupações comuns que se prendem com o combate à pobreza e pelo desenvolvimento económico e social.

Acredito que esta convergência de objectivos coloca-nos numa posição privilegiada para nos percebermos um ao outro e pensarmos em estratégias comuns que nos ajudem a vencer conjuntamente todos os desafios ligados às questões do desenvolvimento, do progresso e do bem-estar das nossas populações, a que os nossos Governos fazem face diariamente.

É importante pensarmos em mecanismos práticos que facilitem o intercâmbio entre os nossos países a todos os níveis, o livre comércio, a complementaridade no uso dos recursos disponíveis, a transferência de conhecimento técnico, tecnológico e científico e a priorização em termos de implementação de projectos de industrialização das nossas nações, assentes na utilização sustentável das matérias-primas e outros recursos de que dispomos.

O vosso país tem sido engenhoso na luta que trava diariamente face ao embargo a que está sujeito há décadas, mas apesar disso tem revelado um impressionante nível de resiliência e de capacidade para encontrar soluções que garantam a sobrevivência do povo cubano e a preservação da Independência e Soberania Nacional.

Em alinhamento com a posição de grande parte da comunidade internacional, Angola defende o levantamento do bloqueio económico a que está sujeito o vosso país há décadas.

Acreditamos que sem o embargo, Cuba e o povo cubano definirão por si próprios o modelo político e económico que satisfaça as aspirações de liberdade, justiça e de desenvolvimento económico e social e manterão trocas comerciais e relações de cooperação económica com todos os países na base da reciprocidade de vantagens.

A paz, objectivo comum almejado por todas as nações do nosso planeta, ainda não é uma realidade alcançada.

Esta é a triste realidade que perdura em África, no Médio Oriente, na Ásia e mais recentemente na Europa, com o eclodir da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que gerou uma crise alimentar e energética sem precedentes e com sérias consequências para as nossas economias e o bem-estar de nossos povos.

Este último conflito veio mostrar a fragilidade das instituições criadas para garantir a paz e a segurança mundiais e a sua impotência para fazer respeitar e cumprir o direito dos povos à Independência, à preservação da Soberania e Integridade Territorial, como consagrados pelo Direito Internacional e a Carta das Nações Unidas.

Como vimos defendendo ao longo dos anos, urge a necessidade de se reformar o Conselho de Segurança das Nações Unidas com a entrada de novos actores como membros permanentes desse importante órgão, cuja composição já não reflecte a realidade do mundo neste século XXI.

Perante estas evidências e também diante da improvável vitória militar de qualquer um dos contendores, para se evitar o escalar do conflito russo-ucraniano para fora das fronteiras dos beligerantes, torna-se urgente uma abordagem pragmática e realista do conflito, para se encontrar uma solução definitiva que salvaguarde a paz e segurança universal.

Angola valoriza muito as relações com Cuba, país irmão com quem pretendemos aprofundar e consolidar nossos laços de amizade e de cooperação económica. Acreditamos que esta Sua visita a Angola constitui um passo importante para a concretização deste objectivo.»

Folha 8 com Lusa

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