Em conferência de imprensa, o Grupo Parlamentar da UNITA revelou hoje uma proposta de iniciativa político-legislativa para a defesa do Estado Democrático e de Direito, resgate da Soberania Popular e asseguramento do regular funcionamento das Instituições por meio da efectiva separação de poderes e interdependência de funções do Estado.
Assim, «o Grupo Parlamentar da UNITA vem, nos termos da Constituição e da Lei, tornar pública a Proposta de Iniciativa para a Constituição de Processo de Acusação e Destituição do Presidente da República, com os fundamentos seguintes:
I. FUNDAMENTOS DOUTRINÁRIOS
A Constituição da República de Angola é, antes de tudo, um sistema de regras e procedimentos jurídicos que asseguram a responsabilização e o exercício controlado do poder. O desígnio geral do Estado constitucional, segundo a doutrina, é que nenhum poder e nenhuma competência podem existir sem os correspondentes mecanismos de controlo e limitação.
Não há dúvida alguma que a relação entre responsabilidade política e confiança é indiscutível: a responsabilidade implica uma necessária sujeição às vicissitudes da confiança no espaço político.
A obrigação de demissão pressupõe um órgão responsabilizador com autoridade para a provocar, isto é, para remover das suas funções o titular do órgão político responsável. A cessação forçada de funções políticas é vista como a principal característica da responsabilidade política, que é assim transposta para a ruptura política e não para a continuidade.
Foi nessa base que o legislador constituinte da República de Angola, em nome do Povo, consagrou no artigo 129º da Constituição os termos para a responsabilização política do Presidente da República.
II. FUNDAMENTOS POLÍTICO-CONSTITUCIONAIS
No acto de posse, que teve lugar a 15 de Setembro de 2022, o Presidente da República em funções, João Manuel Gonçalves Lourenço, jurou:
a) Desempenhar com toda a dedicação as funções de que foi investido;
b) Cumprir e fazer cumprir a Constituição da República de Angola e as Leis do País;
c) Defender a independência, a soberania, a unidade da Nação e a integridade territorial do País;
d) Defender a paz e a democracia e promover a estabilidade, o bem-estar e o progresso social de todos os angolanos.
Volvidos apenas nove meses, verifica-se que a governação do Presidente da República é contra a democracia, contra a paz social, contra a Independência Nacional e contra a unidade da Nação, pelo que a sua rejeição pela Nação se traduz na mais elevada taxa de reprovação já verificada em tempo de paz. O sentimento geral dos cidadãos é que o Presidente da República em funções traiu o juramento que fez, perdeu absolutamente a confiança dos eleitores, e, por isso, deve ser destituído do cargo.
Sendo os Deputados à Assembleia Nacional representantes eleitos do Povo para exprimir, materializar e executar na Assembleia Nacional a vontade soberana do Povo angolano;
Sendo a Assembleia Nacional o órgão constitucional da República constituído pelo soberano para destituir o Presidente da República das suas funções, nos termos da Constituição;
Nós, representantes legítimos do Povo, apresentamos para o efeito os seguintes fundamentos para se formular a acusação e posterior destituição do Presidente da República.
III. FUNDAMENTOS POLÍTICOS DE DESEMPENHO
Constata-se, e é facto notório, que o Presidente da República em funções subverteu o processo democrático, tendo consolidado no País um regime autoritário, que atenta contra a paz e contra os direitos fundamentais dos angolanos, designadamente, não há pluralismo nem igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas correntes de opinião política no espaço público. De facto, os cidadãos são prejudicados, privilegiados, privados de direitos políticos e sociais ou isentos de deveres constitucionais e legais em razão da sua ascendência, raça, etnia, convicções políticas, língua, local de nascimento, grau de instrução e, especialmente, condição económica ou social. Só há um poder efectivo numa República que funciona cada vez mais como uma autocracia. Tal subversão constitui um crime de violação da Constituição que atenta gravemente contra o Estado Democrático de Direito.
Enquanto Titular do Poder Executivo, ao ter definido como definiu a orientação política do País, por via da qual o Estado foi capturado por uma oligarquia que é dirigida, mantida e controlada pelo Presidente da República para promover a desvalorização do Sistema Nacional de Educação, a aculturação estruturada da juventude, a delapidação estruturada dos recursos nacionais, o empobrecimento das maiorias, a insustentabilidade da coesão e do progresso social, o Presidente da República atentou e atenta contra a dignidade da pessoa humana, a concretização da Independência Nacional e contra a construção da paz social e da unidade da Nação.
Ao furtar-se ao cumprimento das tarefas fundamentais do Estado, identificadas no artigo 21.º da Constituição, e promover em seu lugar políticas erradas de governação e bloquear a fiscalização dos seus actos de governação pelos órgãos competentes e independentes do Estado, o Presidente da República em funções, enquanto Titular do Poder Executivo, pelos poderes que detém e utiliza nos termos da Constituição, tornou-se no único responsável político pela crise geral de governação que o País vive, e que se manifesta nas taxas de desemprego superiores a 70% que se verificam na camada populacional que tem menos de 40 anos; na pobreza multidimensional, na fome multiforme e generalizada; na manipulação dos preços; no assalto ao Tesouro Nacional para financiar directa e indirectamente os investimentos privados da oligarquia que protege; no aumento constante e insustentável das taxas de juro, da taxa de inflação e da dívida pública; na corrupção institucionalizada de alta hierarquia; enfim, no empobrecimento estrutural e contínuo dos angolanos;
Ao promover, manter, consolidar e cristalizar a partidarização e controlo directo ou indirecto, aberto ou velado das instituições do Estado por um partido político, o Presidente da República, com flagrante desvio ou abuso das suas funções ou com grave violação dos inerentes deveres, destrói, altera ou subverte o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, nomeadamente os direitos, liberdades e garantias estabelecidos na Constituição da República, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e noutros documentos internacionais vinculantes subscritos por Angola.
Existem também fortes evidências de coacção contra órgãos constitucionais, designadamente, a Assembleia Nacional, a Procuradoria-Geral da República (PGR), o Ministério Público, o Banco Nacional de Angola (BNA) e os Tribunais, da parte do Presidente da República, que atentam contra o regular funcionamento das instituições.
Relativamente ao Poder Judicial, há evidências claras de interferência do Presidente da República, controlo, instrumentalização e manipulação dos juízes dos Tribunais Superiores, para além de o Presidente da República não defender a Constituição ao não ter exactamente o mesmo procedimento em relação aos dois Juízes Conselheiros Presidentes que alegadamente actuaram à margem da lei. Referimo-nos ao Tribunal Supremo e ao Tribunal de contas.
Há igualmente evidências bastantes de violação dos princípios constitucionais da transparência, da boa governação e da responsabilização, da parte do Presidente da República, na execução do Orçamento Geral do Estado (OGE). É facto notório o recurso abusivo ao procedimento de adjudicação directa de contratos públicos e o incremento assustador das violações às normas de execução orçamental nas unidades orçamentais dirigidas e orientadas pelo Titular do Poder Executivo. Estão a ser autorizados pagamentos sem o visto do Tribunal de Contas legalmente exigido, enquanto são promovidas operações de tesouraria ou alterações orçamentais proibidas pelo princípio constitucional da boa governação.
Há relatos de factos documentados que constituem ofensas à dignidade da pessoa humana e a outros direitos, liberdades e garantias fundamentais, praticados sistematicamente por agentes do Estado, pertencentes aos Órgãos de Inteligência e de Segurança do Estado, ao Serviço de Investigação Criminal, ao Serviço Penitenciário e à Procuradoria-Geral da República (PGR), todos eles dependentes do Presidente da República. O Povo soberano afirma possuir evidências credíveis da prática de execuções sumárias de cidadãos, denegação da justiça, sequestro, roubo e actos de corrupção, por agentes do Estado responsáveis por assegurar as garantias do processo criminal e dos direitos dos cidadãos detidos e presos.
Aumentaram igualmente as evidências de actos de corrupção activa e passiva no seio de titulares de cargos políticos dependentes do Presidente da República que, mesmo depois de receber denúncias, queixas e reclamações diversas, manifesta inacção, tolerância, conivência ou desdém.
Tendo o Presidente da República admitido publicamente que persegue adversários políticos com recurso aos instrumentos e instituições públicas, pagas pelo erário, tal configura, igualmente atitude de atentar gravemente contra o regular funcionamento das instituições.
IV. CONCLUSÃO
Foi deste modo que o Presidente da República em funções, no exercício das suas competências constitucionais e, contrariamente ao juramento que proferiu aquando da tomada de posse, construiu e consolidou um regime político assente na subversão da lei e do Estado, na corrupção institucionalizada e num sistema de valores que atenta contra a dignidade humana e contra a Independência Nacional e a unidade da Nação angolana.
Cientes de que a presente iniciativa traduz a vontade geral do Povo angolano na qual se funda a República de Angola e que a mesma se justifica plenamente para a salvação da Pátria, da democracia e do futuro das futuras gerações;
Tendo como objectivo a salvaguarda da dignidade humana numa sociedade justa, democrática e reconciliada consigo mesma;
Nestes termos e nos demais de facto ou de direito que o Plenário da Assembleia Nacional decidir acrescer;
Os Deputados subscritores vão apresentar ao Plenário da Assembleia Nacional a presente iniciativa para o processo de acusação e destituição do Presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço.»
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