Uma pesquisa da Afrobarometer concluiu que “os angolanos vêem a Polícia Nacional (o MPLA) como uma das instituições públicas mais corruptas do país” e que “muitos dos seus oficiais são propensos a usar força excessiva e outros abusos”. Por outras palavras, sendo bons profissionais, fazem o que o MPLA os ensinou a fazer… a bem do partido.
A pesquisa revela que “poucos confiam na polícia e menos ainda acham que ela opera de maneira profissional e respeita os direitos dos cidadãos. Essas percepções públicas destacam os principais desafios que o Governo enfrenta na construção de uma força policial republicana, profissional e confiável, preparada para realizar com zelo e abnegação as tarefas que lhes são confiadas”.
A equipa do Afrobarometer em Angola, liderada pela Ovilongwa — Estudos de Opinião Pública, entrevistou 1.200 angolanos adultos, entre 9 de Fevereiro e 8 de Março de 2022, sobre as experiências e avaliações dos africanos relativamente ao profissionalismo da polícia.
O sentimento de insegurança foi relatado por seis em cada dez angolanos (63%), que se sentiram inseguros a andar no seu bairro pelo menos uma vez durante o ano anterior, enquanto 54% responderam temer o crime em casa pelo menos uma vez, revelando ainda a pesquisa que a insegurança e o medo são experiências mais comuns nas cidades do que nas áreas rurais.
As principais conclusões do estudo realçam que, entre os cidadãos que procuraram assistência policial no ano anterior, 41% afirmam terem pago suborno (“gasosa”) e que 37% dos que encontraram a polícia em outros locais tiveram que pagar suborno “para evitar problemas”.
“Quase metade (45%) dos angolanos dizem que “a maioria” ou “todos” os polícias são corruptos, a pior classificação entre as 12 instituições e grupos de dirigentes sobre os quais a pesquisa incidiu.
As percepções de corrupção generalizada na polícia aumentaram seis pontos percentuais em relação a 2019″, destaca o estudo.
Outra crítica ao serviço da polícia, adianta o documento, tem a ver com o controlo do trânsito, sobre o qual dois terços dos angolanos (66%) afirmaram que “muitas vezes” ou “sempre” as autoridades param os condutores sem um “bom motivo”.
No que se refere à actuação da polícia em manifestações pacíficas, a maioria dos inquiridos “dizem que a polícia usa força excessiva durante as manifestações (57%)”.
Já com suspeitos de crimes, os entrevistados (55%) consideraram que a polícia emprega igualmente força excessiva, enquanto “quase quatro em cada dez (38%) dizem que a polícia frequentemente se envolve em actividades criminosas”.
“Menos de dois em cada dez angolanos (18%) dizem que a polícia “frequentemente” ou “sempre” age de forma profissional e respeita os direitos de todos os cidadãos, frisa o documento.
Sobre a violência de género, a pesquisa mostra que “a maioria (59%) dos cidadãos considera provável que a polícia leve a sério as denúncias” desse tipo.
Mais de dois terços (68%) dos angolanos descreveram o desempenho do Governo na redução da criminalidade como “bastante mau” ou “muito mau”, indica a pesquisa.
A Afrobarometer lembra que a Amnistia Internacional e grupos de direitos humanos documentaram, entre Março e Setembro de 2020, dez assassinatos cometidos pela polícia e militares em Angola, incluindo cinco menores com idades entre os 14 e 16 anos.
“Embora as acusações de brutalidade policial não sejam novas em Angola, os críticos compilaram dezenas de casos recentes de força excessiva, prisão arbitrária e execução extrajudicial pela polícia, muitas vezes como parte da repressão de protestos públicos relacionados às restrições do COVID19, condições de vida precárias e direitos políticos (Human Rights Watch, 2020; Amnistia Internacional, 2022; Marques de Morais, 2018)”, destaca a Afrobarometer.
A última pesquisa sobre o tema foi realizada em Angola, em 2019, pela Afrobarometer, uma rede “pan-africana e apartidária, que fornece dados confiáveis sobre experiências africanas e avaliações de democracia, governança e qualidade de vida”.
De acordo com a organização, oito rondas de pesquisas foram concluídas em 39 países desde 1999, sendo que a 9ª ronda (2021/2023) está em fase de conclusão em 2023.
A Ovilongwa tem Carlos Pacatolo como um dos seus principais investigadores. Em Julho de 2017, o jornalista Nelson Sul d’Angola escreveu na sua página do Facebook: “Carlos Pacatolo, militante do MPLA, ex-assessor do administrador e responsável da Área Social da Administração Municipal do Lobito, e um conhecidíssimo analista da Rádio Nacional de Angola/Benguela, uma espécie de uma mistura de Tito Canbanje e Gildo Matias, quando se trata de avaliar a acção governativa de JES, é o coordenador da sondagem, que dá a maioria absoluta ao MPLA e a descida da UNITA para o terceiro lugar”.
Em 24 de Fevereiro de 2006, sob o título “Agora é que vão apanhar café!!!” Carlos Pacatolo escreveu o que se segue:
«Há quatro anos, num belo domingo 24 de Fevereiro de 2002, encontrava-me numa das Igrejas do Lobito a meditar, momentos antes da Missa Dominical das 10h00. Nesse instante, entra uma senhora amiga, na casa dos seus 50 anos, toca-me no ombro esquerdo e diz « sekulu wafa, kalye wendi k’ondalatu! v’ukanoli o café k’imbo lyamale!» (1). Confesso que entendi o que disse, mas não compreendi e nem consegui fazer o devido enquadramento. Intrigado, tentei concentrar-me na missa que estava prestes a começar.
Quando terminou a missa, saí da Igreja e fiquei lá fora a conversar com amigos. Eis que aparece o nosso pároco que se junta ao grupo e participa da conversa. Dada a nossa proximidade, seguimos juntos para almoçar. Durante o almoço vieram-me as frases da senhora e disse-as ao padre, na esperança que ele me ajudasse a fazer o devido enquadramento. Para meu espanto, jovem da casa dos vinte anos, aquelas palavras tinham uma verdade histórica que eu desconhecia completamente.
No rescaldo da guerra imediatamente a seguir a Independência, entre os anos de 1976 a 1978, houve uma brutal escassez de alimentos e paralisação dos campos de algodão e café do norte de Angola. Para fazer face a esse desafio, o governo de Angola reeditou a guerra do Kwata-Kwata (2) nas terras do planalto e sul de Angola (3) afim de obter trabalhadores agrícolas indispensáveis para revitalização da agricultura nas roças do norte.
Se com a independência, os camponeses do planalto e sul de Angola puderam sonhar com o fim do seu recrutamento forçado para aquelas roças, a sua reedição por um governo independente foi um golpe duríssimo na sua ilusória liberdade. O líder da UNITA, Jonas Savimbi, agastado com a fraqueza e quase exaustão das forças que conseguiram sobreviver à retira das cidades, em direcção as matas do leste (Jamba), onde se reorganizará a luta de resistência, aproveitará esse facto mais a presença dos cubanos para mobilizar aqueles camponeses e relativos à sua causa. O aproveitamento político desse facto e o apelo à resistência a guerra do Kwata-Kwata e a invasão cubana atraiu para as matas muita gente farta da opressão e brutalidade das roças. Conta a história que foi assim que Savimbi conseguiu pôr fim a guerra do Kwata-Kwata. É bem conhecida a máxima Umbundu que Savimbi usava com frequência «ise okufa, etombo livala» (4).
Talvez isso explica, em parte, porque pessoas da minha geração naturais das zonas do planalto e sul de Angola tenham crescido em meios onde os adultos nutriam (e nutrem) uma grande admiração e respeito, quando não devoção, pelo mais velho (Savimbi), que consideravam seu libertador tanto da opressão colonial quanto da opressão do novo governo, malgrado todos os dizeres verdadeiros ou não das atrocidades do mais velho.
Mas para os nascidos depois da independência continua a existir muitas coisas difíceis de compreender, hoje, porque a história foi-lhes negada por muito tempo. Os que a viveram preferem calar, quando não a contam com muita amargura, sendo difícil distinguir o facto da sua recriação. Dessa forma aprendi mais um pouquinho da nossa difícil e complicada história política.
(1) Morreu o mais velho, agora ireis apanhar café em terras do norte como contratados;
(2) Guerra do Kwata-Kwata: literalmente, guerra do apanha-apanha. Foi desencadeada pelas autoridades coloniais para apanhar camponeses e enviá-los às roças, sobretudo do norte de Angola. As famosas levas de contratados Ovimbundu ou Bailundo;
(3) Planalto e Sul de Angola: pessoalmente, não gosto de usar essas expressões, mas servem para identificar o antigo corredor do Planalto de Benguela ou zonas de povoamento Ovimbundu; assim como, as zonas do norte, identificam as de povoamento Kimbundu mais Kikongo (roças do Uíge);
(4) Prefiro antes a morte, do que a escravatura. É um forte apelo a resistência por justa causa: manter a dignidade e a honra do convento. Mas não se compreende plenamente sem a sua complementar: «na floresta, a árvore que não obedece ao vento quebra». Isto é, quando a resistência não é possível, a sabedoria aconselha obediência para sobreviver e contar a história.»
Folha 8 com Lusa