ANÕES COM UMBIGO GIGANTE

No dia 9 de Julho de 2004, o então presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (Portugal), Luís Filipe Menezes, defendeu a criação de um Ministério para a Lusofonia, independente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e a “naturalização de todos aqueles que queiram ser portugueses”. Antes, em 1996, nascia o “Portugal em Linha”.

Por Orlando Castro

Mais tarde, agora pela mão eleitoral do PS, partido que governa Portugal, surgiu a ideia do Estatuto do Cidadão da CPLP, que na prática pode proporcionar a livre circulação de pessoas oriundas dos países de expressão portuguesa.

Embora o primeiro passo no processo de criação da CPLP tenha sido dado em São Luís do Maranhão, Brasil, em Novembro de 1989, por ocasião da realização do primeiro encontro dos Chefes de Estado e de Governo dos países de Língua Portuguesa – Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, a convite do Presidente brasileiro, José Sarney, nunca é tarde para acordar.

“Espero que o próximo primeiro-ministro tenha a atitude de criar um Ministério para a Lusofonia. Qualquer cidadão que viva em Portugal e fale português é português, pelo que devemos assumir a grandeza da lusofonia”, afirmou Luís Filipe Menezes sem que o seu partido, o PSD, ou o PS, tenham feito algo nesse sentido.

Como é habitual, o PS não se recorda das teses que o PSD defendeu nesta matéria, de que a proposta de Luís Filipe Menezes era apenas um, embora muito bom, exemplo. Também não admira. Já nem o próprio PSD se lembra…

A afirmação de Menezes foi feita à margem da cerimónia de inauguração de um complexo habitacional, em Serzedo, ao qual foi dado o nome do futebolista Eusébio da Silva Ferreira, que esteve presente na iniciativa.

Em Agosto de 2007 perguntámos, por escrito, se Luís Filipe Menezes manteria a promessa caso fosse eleito líder do PSD e primeiro-ministro. A resposta foi lapidar: “É óbvio que sim».

A líder do PSD, embora por pouco tempo, chegou. A primeiro-ministro não. E assim se foi a utopia de um Ministério da Lusofonia.

Em Setembro de 2009, o então ministro da Educação de Angola, Burity da Silva, afirmou que “a construção da angolanidade deve ser edificada com a participação de todas as culturas existentes, sem critérios estereotipados de exclusão”.

Se o MPLA é Angola e Angola é do MPLA, herói nacional há só um, Agostinho Neto e mais nenhum. O lugar foi ocupado, embora de forma mais subtil, por José Eduardo dos Santos e hoje é propriedade exclusiva de João Lourenço. Quando o MPLA for apenas um dos partidos do país e Angola for um verdadeiro Estado de Direito, então haverá outros heróis. Isto porque, pensa o comum dos mortais, nenhum partido tem a exclusividade dos heróis. Ou será que tem?

No seio da Europa, Portugal apenas está a aguentar-se. Provavelmente a certidão de óbito já está passada. Apenas isso. E até mesmo em matéria cultural poderia dar, ou voltar a dar, luz ao mundo. No entanto continua a olhar para o umbigo.

Nas comunidades de origem portuguesa, as novas gerações pouco ou nada falam português. Nos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) assiste-se ao legítimo proliferar dos dialectos locais e ao galopante êxito do inglês. O Português tenderá (se nada for feito, se tudo continuar na mesma) a ser apenas uma língua residual.

Não existe, na língua como noutros sectores, uma conjugação estratégica de objectivos. Cada um rema para o seu lado e, é claro, assim o barco comum (a Lusofonia) não chega a nenhum porto. Em muitos casos nem chegou a sair do porto… de abrigo. Há projectos sobrepostos, e muitas áreas onde ninguém chega. Ninguém não é verdade. Chegam os ingleses, os franceses, os norte-americanos e até os chineses.

A CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) deveria ser o organismo que, por excelência, poderia divulgar a lusofonia Está, contudo, adormecida. Quando acordar verá que a Lusofonia já morreu…

É claro que o futuro de Portugal passa necessariamente por África. Mas o futuro dos PALOP não passa obrigatoriamente por Portugal. Ao contrário de outros tempos, Lisboa não está interessada em dar luz ao mundo. Ao contrário de muitos outros países que estão na UE mas também em África. Mas não só.

De uma forma geral, todos (mais uns do que outros, importa dizê-lo) continuam à espera que o burro aprenda a viver sem comer. Mas, quando olharem para o lado, vão ver que quando o burro estava quase a saber viver sem comer… morreu.

Para nós, a Lusofonia deveria ser um desígnio de todos. Defender esta tese é, provavelmente, pregar para os peixes… no deserto. Mas vale a pena continuar a lutar. Lutar sempre, apesar da indiferença de (quase) todos os que podiam, e deviam, ajudar a Lusofonia.

Ter memória e lembrar os que fazem

Há uns anos, isto antes da chegada ao poder em Portugal de carradas de políticos “nescafé” (mistura-se água e… já está), quando se abria o portal do Governo português, na secção Lusofonia encontrava-se o seguinte: “Mais virado para as notícias sobre cada um dos países lusófonos, encontra-se o portal Portugal em Linha.”

Com o assalto ao poder por parte desses (supostos) governantes que não são sérios e nem se preocupam em parecê-lo, essa ligação desapareceu. É natural. O criador do “Portugal em Linha” não era, nunca foi, nunca será, um acólito sabujo dos donos do poder, esteja este onde estiver, em Lisboa ou em Luanda. Muito menos em Malabo. Prefere comer mandioca de pé do que lagosta de cócoras.

Ainda pouco se falava de Lusofonia quando, em finais de 1996 (um ano depois do nascimento do Folha 8), António Ribeiro (é dele que falamos e é a ele que prestamos homenagem) decidiu criar, na Internet, um espaço privilegiado para a comunicação entre todos os falantes da língua de Camões, independentemente do local de habitação.

Sabia, à partida, que este era um espaço necessário e que ninguém decidira ainda cobrir. Estava-se nos primórdios da Internet. Sempre partindo do princípio de que todos temos interesse em saber o que se passa de relevante nos outros países irmãos ou, estando fora do seu país, querem saber o que por lá vai acontecendo.

Assim, em Outubro de 1997, um ano depois do nascimento do Portugal em Linha, nascia o Notícias Lusófonas. Desde essa data publicou, primeiro mensalmente, depois quinzenalmente e, por fim – sempre respondendo às solicitações dos leitores – semanalmente, uma súmula de notícias acerca do que ia acontecendo um pouco por todas as Comunidades Lusófonas.

Nesse tempo, as informações eram enviadas por e-mail aos subscritores. Não foi um trabalho fácil e teve algumas interrupções.

“Mentiríamos se disséssemos que nunca tivemos apoios. Tivemos. Dos muitos milhares de leitores e amigos que sempre nos incentivaram com palavras de apreço e de estímulo. Sempre foram eles que nos deram o alento para continuar, mesmo quando o desânimo pela falta de apoios “mais materiais” sobre nós se abatia”, recorda António Ribeiro.

Sempre com meios próprios e animado da velha paixão pela Lusofonia, resolveu em Outubro de 2002 renovar o Notícias Lusófonas e fazer – uma vez mais – o que não existia em toda a Comunidade Lusófona: um jornal (digno desse nome) online com notícias dos vários países lusófonos e das comunidades lusófonas espalhadas pelo mundo, com actualização dinâmica e diária, contendo ainda entrevistas e artigos de opinião.

Para essa nova aposta, que se revelaria um êxito editorial pioneiro na informação lusófona, muito contribuiu o apoio, a dedicação e o conhecimento profissional de alguns jornalistas amigos.

“Encetamos a formação de uma Redacção e aqui, mais uma vez, fomos pioneiros. Aproveitando a força e as potencialidades das novas tecnologias, o Notícias Lusófonas passou a ser feito em todos os cantos do Mundo onde estavam os nossos colaboradores”, recorda António Ribeiro.

Assim, a Redacção não tinha espaço físico e existia onde estivessem os seus jornalistas e demais colaboradores, fosse em Angola, Timor-Leste ou em qualquer outro recanto onde existisse um computador.

Embora muita da informação fosse colocada online pelos seus jornalistas, o Notícias Lusófonas contava igualmente com agências de informação, casos da France Press, Lusa e Reuters.

Por culpa (mesmo que inconsciente) dos poucos que têm milhões, continuam os milhões que têm pouco à espera que a chamada comunidade lusófona acorde do longo e se calhar irreversível estado de coma em que se encontra. É claro que, como em tudo na vida, não faltarão os que dirão que não é possível entregar a carta a Garcia. Dirão isso e, ao mesmo tempo, apontarão a valeta mais próxima.

Mas não é com esses que se faz a História da Lusofonia, tal como não é com esses que se fez o Portugal em Linha ou o Notícias Lusófonas, apesar de muitos deles teimarem em flutuar ao sabor de interesses mesquinhos e de causas que só se conjugam na primeira pessoa do singular.

Até agora são mais (muto mais) os exemplos dos que, em vez de privilegiarem a competência, preferem a subserviência. Aliás, um dia destes, um velho amigo das causas lusófonas fez-nos o retrato do que entende ser o mal da nossa (lusófona) sociedade: “Quem trabalha muito, erra muito; quem trabalha pouco, erra pouco; quem não trabalha, não erra; quem não erra… é promovido.”

Será? Pela nossa experiência cremos que é mesmo assim. No entanto, pensamos que não poderá continuar a ser assim, a não ser que queiramos ver a Lusofonia substituída pela Francofonia ou por outra qualquer fonia.

Será isso que os políticos das pátrias que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa querem que aconteça?

Resta-nos acreditar (continuar a acreditar) que a Lusofonia pode dar luz ao Mundo e que, por isso, não há comparação entre o que se perde por fracassar e o que se perde por não tentar. Se calhar, mais uma vez, estamos a tentar o impossível. Mas vale a pena (até porque a alma não é pequena), já que o possível fazemos nós todos os dias.

Cabe aqui uma declaração de interesses. Alguns de nós do Folha 8 fizeram, com orgulho, parte desse projecto. Hoje, igualmente com muito orgulho nosso, o António Ribeiro colabora de alma e coração, 24 horas por dia se tal for necessário, com o Folha 8.

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