O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, João Gomes Cravinho, disse hoje em Lisboa que quatro membros do Governo vão visitar Luanda nos próximos meses para preparar a visita do primeiro-ministro, provavelmente ainda no primeiro semestre. Ena! Não há mais? É preciso dar gás à bajulação…
Então é assim. “Há vários ministros que têm previstas deslocações a Luanda no futuro próximo: os ministros das Finanças, da Administração Interna, da Defesa Nacional e da Economia e Inovação, tudo no próximo par de meses, na perspectiva da visita a Angola do primeiro-ministro, António Costa, se possível ainda neste semestre”, disse João Gomes Cravinho, no final de um encontro com o seu homólogo angolano, hoje no Palácio das Necessidades, sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), em Lisboa.
“Para preparar devidamente essa visita, temos uma comissão mista intergovernamental para passar em revista o conjunto de matérias e preparar devidamente a visita do primeiro-ministro a Angola”, acrescentou Gomes Cravinho na conferência de imprensa que realizou em conjunto com o ministro das Relações Externas [Mirex] de Angola, Téte António.
Questionado pelos jornalistas, Gomes Cravinho acrescentou que esta comissão, prevista nos acordos bilaterais para preparar a visita de governantes dos dois países, “reúne um conjunto alargado de representantes de diferentes ministérios, será coordenada pelo MNE e pelo Mirex e será uma oportunidade para reuniões num quadro em que os diferentes sectores estão representados e em que esse trabalho irá desaguar num conjunto de acordos que poderão ser assinados e no programa estratégico de cooperação 2023-2027”.
Na conferência de imprensa, o ministro angolano salientou as “excelentes relações” entre os dois países e vincou o desejo de manter a vertente económica no relacionamento entre os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), que foi o tema da presidência angolana da organização, que passará a pasta a São Tomé e Príncipe no Verão.
Sobre a emissão de vistos em Luanda para Portugal, Gomes Cravinho admitiu que tem havido mais dificuldades devido ao crescente número de pedidos, mas salientou que a esmagadora maioria dos pedidos de vistos são atendidos positivamente.
“Temos uma situação em que registamos, nos últimos meses, um aumento significativo da procura, e como há aumento da procura, há um sentimento de dificuldade, mas a taxa de indeferimento é diminuta, anda pelos 3%, o que significa que a grande maioria dos vistos é concedida, mas as pessoas sentem que a tramitação leva demasiado tempo”, disse o governante.
Assim, acrescentou, o Governo decidiu reforçar “mais recursos humanos para o consulado geral em Angola, e a empresa VFS, que faz a triagem inicial da documentação, e que hoje mesmo inaugura novas instalações [em Luanda], terá a capacidade reforçada”, concluiu o governante.
De facto, Portugal inaugurou hoje um centro de vistos, em Luanda, com o qual espera acelerar os processos, segundo a cônsul-geral, que pediu “tempo” e “confiança” aos utentes e avançou que será dada prioridade aos vistos CPLP.
“O foco das autoridades portuguesas está concentrado nas pessoas e na sua mobilidade (…) o consulado-geral tem desenvolvido um trabalho árduo, com esforço, empenho e enorme dedicação. Iremos continuar a dar o nosso melhor. Pedimos ao nosso querido público que nos dê tempo e que confie no nosso trabalho”, apelou Rosa Lemos Tavares, numa altura em que o número de vistos pedidos por angolanos tem vindo a aumentar, colocando sob pressão os serviços consulares, com meios escassos para responder à crescente procura.
Rosa Lemos Tavares salientou que foi iniciada em Outubro a tramitação de novas tipologias de vistos nacionais, introduzidas pela nova Lei de Estrangeiros que permitiu implementar o Acordo de Mobilidade da CPLP, criando o sub-regime de vistos CPLP.
Estes vistos nacionais prevêem estadias em Portugal superiores a 90 dias e têm como finalidade a frequência do ensino superior, trabalho, tratamento médico prolongado e reagrupamento familiar, entre outras categorias, aos quais se juntaram novas como a dos nómadas digitais, procura de trabalho e acompanhamento familiar.
“O nosso consulado tem encorajado os utentes a apresentarem estes novos vistos, aumentando o número de vagas e processando estes pedidos com prioridade”, realçou.
No entanto, a procura continua a ser superior na categoria dos vistos de curta duração (até 90 dias), disse a responsável, explicando que a tramitação é mais demorada em casos de utentes sem antecedentes de viagem a Portugal ou para quem viaja com menores que nunca viajaram e não vão acompanhados pelos pais, o que obriga a diligências suplementares.
O novo regime de entrada de imigrantes em Portugal, que prevê uma facilitação de emissão de vistos para os cidadãos da CPLP, no âmbito do Acordo sobre a Mobilidade entre Estados-membros entrou em vigor no passado dia 30 de Outubro.
Também o embaixador português Francisco Alegre Duarte considerou que este é um passo decisivo para garantir “maior dignidade” no atendimento dos requerentes de visto para Portugal, com “maior conforto e celeridade”, uma mudança que considerou ainda mais relevante face ao pedido de vistos que se tem registado nos últimos meses no contexto da actual procura, impulsionada pela crescente mobilidade e regresso à normalidade pós-pandemia.
O diplomata lembrou ainda que Luanda é o maior emissor de vistos de toda a rede consular, sendo este um sinal do empenho português em implementar medidas que contribuam para aumentar o fluxo migratório “de forma ordenada”, respondendo às necessidades de mão-de-obra e para enfrentar o envelhecimento demográfico. “Que não restem dúvida sobre o nosso empenho”, frisou.
Até agora os pedidos de visto para Portugal eram entregues e processados num centro da VFS Global, juntamente com os da África do Sul, Bélgica, Brasil, China, França, Países Baixos e Ucrânia.
A empresa VFS Global, contratada pelo Governo português, trata do agendamento e aceitação de candidaturas de solicitação de vistos online, enquanto a autorização dos pedidos de visto é feita pelo consulado.
A cônsul-geral afirmou que se tem vindo a reduzir o elevado número de processos em atraso desde 2020, altura em que o espaço aéreo de Angola foi fechado devido à pandemia de Covid-19, mantendo-se com restrições até Março de 2022.
Apontou ainda algumas melhorias que têm sido implementadas como a abertura de vagas semanais, em vez de mensais o que permitiu aumentar o número de pedidos atendidos e reduzir as não comparências.
Não foram divulgadas estatísticas sobre o número de vistos processados actualmente nem o que se espera alcançar com o novo centro, em Luanda, que vai começar a funcionar na terça-feira.
Segundo Rosa Tavares, as novas instalações estão divididas em duas áreas (submissão de pedidos de visto e entrega de passaportes), dispondo de mais balcões, mais funcionários e duas salas de espera em cada área, uma com 40 e outra com 34 lugares sentados, bem como um quiosque digital com acesso aos sites da VFS Global, Consulado de Portugal em Luanda e portal de vistos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
SE NÃO FOR SUFICIENTE COSTA, AVANÇA MARCELO
A propósito da visita de António Costa, recorde-se que o Presidente da República de Portugal considerou, no passado dia 8 de Fevereiro, que Espanha aproximar-se de Angola “é muito bom para todos” e manifestou-se “muito feliz” pela visita do monarca espanhol, Felipe VI, à parte de Luanda à qual só têm acesso de vida os que o MPLA considera serem angolanos puros (os seus). Marcelo Rebelo de Sousa acredita, tal como António Costa, que o índice de bajulação e subserviência de Lisboa é suficiente para o MPLA.
O chefe de Estado português rejeitou ver na visita uma ameaça às relações entre Portugal e Angola: “Eu acho que é muito bom sinal. Eu fico muito, muito feliz”, contrapôs.
E contrapôs muito bem. Quem melhor do que Marcelo Rebelo de Sousa para, mais uma vez, falar do MPLA sem falar dos angolanos, falar do que o seu querido amigo João Lourenço quer ele fale, pouco se importando – por exemplo – dos 20 milhões de pobres e das crianças que são geradas com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com… fome?
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, os portugueses têm sido, no quadro europeu, “praticamente cavaleiros andantes isolados nas relações entre a Europa e África”, seja para dar cobertura às constantes violações dos direitos humanos em Angola ou na “lusófona” Guiné Equatorial.
Espanha “avançar agora para um conhecimento maior da economia, da sociedade de outros países africanos, e grandes países africanos e potências regionais, como é o caso de Angola e para Moçambique, é muito bom para todos, muito, muito bom para todos”, considerou Marcelo Rebelo de Sousa. Certamente o mesmo se dirá de França…
Para o Presidente da República lusa, “os portugueses que lá estão e a actividade económica portuguesa que lá está, está, está bem, é fundamental e vai aumentar”. Tem razão. Basta, para isso, Portugal não falar do que não interessa ao seu amigo general João Lourenço (fome, direitos humanos, democracia, liberdade, estado de direito, Cabinda etc. etc.), mantendo sempre o rabinho entre as pernas.
No entender de Marcelo, “o haver actividade espanhola, italiana ou francesa – que houve noutros tempos, sobretudo na África Ocidental, e diminuiu – é bom, porque isso permite uma ligação entre a Europa e África que não está a funcionar em muitos casos”.
“E ao não funcionar significa que estamos a perder a grande vantagem que levou a que Portugal organizasse as duas grandes cimeiras Europa-África, com outros países europeus a acompanharem mas assim um bocadinho relutantes. A Espanha ter percebido isso é muito bom”, acrescentou.
Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que é preciso “investimento e cooperação económica que crie condições para os africanos poderem viver e procurar a sua realização em África”.
Sem isso, “depois não se queixe a Europa das migrações, dos problemas de instabilidade política, militar, social que obrigam a intervenção de forças destacadas e de missões de paz europeias em África”, disse. E disse muito bem, sendo que quase parece que Portugal não faz parte dessa Europa…
De acordo com o chefe de Estado, para Portugal tem sido “difícil explicar isto” a muitos países europeus que não têm “tradição de conhecimento da realidade africana”. E Portugal tem essa tradição? Se calhar teve, mas já não tem.
E não tem porque:
Alguém ouviu um Presidente ou um primeiro-ministro de Portugal dizer que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é das mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém o ouviu dizer que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém ouviu um Presidente ou um primeiro-ministro de Portugal dizer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém o ouviu dizer que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém ouviu um Presidente ou um primeiro-ministro de Portugal dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos? Alguém o ouviu dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém alguma vez ouviu um Presidente ou um primeiro-ministro de Portugal dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Alguém ouviu um Presidente ou um primeiro-ministro de Portugal dizer que Angola é um dos países mais corruptos do mundo e que tem 20 milhões de pobres?
Ninguém ouviu. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio é condição “sine qua non” para cair nas graças dos donos do dono do nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz sem a devida autorização de João Lourenço.
Portugal consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.
Marcelo Rebelo de Sousa, ao elogiar o “projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção” protagonizado pelo Presidente do MPLA, João Lourenço, mostrou várias vezes que não sabe o que diz nem diz o que sabe. Mas não está só. Quando se está no Poder todos são bestiais. Quando deixam de estar são, regra geral, bestas. José Eduardo dos Santos que o diga, José Sócrates que o diga.
Todos nos recordamos de, numa intervenção durante um jantar oficial oferecido por João Lourenço, no Palácio Presidencial, em Luanda, Marcelo Rebelo de Sousa o saudar como “o vulto cimeiro de um novo tempo angolano”. Não se terá lembrado de o propor para um Prémio Nobel, mas quando “descobrir” que existem 20 milhões de angolanos pobres… vai propor. Justamente, acrescente-se.
“Vossa excelência protagoniza-o com um projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção, de afirmação regional e mundial. Nós, portugueses, seguimos com empenho essa aposta de modernização, de transparência, de abertura, de inovação, de acrescida ambição”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, bem ao estilo dos sipaios coloniais, mas com uma substancial diferença. Estes eram obrigados a bajular, o presidente português não é obrigado a isso. Ou será que é?
Segundo o Presidente português, João Lourenço protagoniza “um novo tempo angolano, na lúcida, consistente e corajosa determinação de aproveitar do passado o que se mantém vivo, mas, sobretudo, entender o que importa renovar para tornar o futuro mais possível, mais ambicioso e mais feliz para todos os angolanos”.
Continuemos, para memória futura, com o brilhantismo bacoco de Marcelo. Diz ele que, da parte de Portugal, Angola conta com “o empenho de centenas de milhares que querem contribuir para a riqueza e a justiça social” com o seu trabalho, bem como “das empresas, a começar nas mais modestas, no investimento e no reforço do tecido socioeconómico angolano” e também com “o empenho das instituições públicas portuguesas, do Estado às autarquias locais”.
“Podem contar connosco na vossa missão renovadora e recriadora. Portugal estará sempre e cada vez mais ao lado de Angola”, acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo aqui e mais uma vez o exercício de passar aos angolanos um atestado de menoridade e matumbez.
Portugal, por sua vez, conta com a “incansável solidariedade” de Angola. “Contamos com os vossos trabalhadores, as vossas empresas, as vossas instituições públicas, a vossa convergência nos domínios bilateral e multilateral. Temos a certeza de que Angola estará sempre e cada vez mais ao lado de Portugal”, prosseguiu Marcelo no seu laudatório e hipócrita exercício de servilismo.
De acordo com o Presidente português, este “novo momento na vida de Angola” coincide com “um novo ciclo” nas relações bilaterais. “E nada nem ninguém nos separará, porque os nossos povos já estabeleceram o seu e o nosso caminho”, considerou Marcelo, sentindo o umbigo aos saltos, alimentado pela esperança de que os portugueses não acordem e os angolanos nunca lhe cobrem a cobardia. Mas vão cobrar.
“Porque estamos mesmo juntos, na parceria estratégica, na cooperação económica, financeira, educativa, científica, cultural, social e política. Porque no essencial vemos o mundo e a nossa pertença global e regional do mesmo modo, a pensar na paz, nos direitos humanos, na democracia, no direito internacional, no desenvolvimento sustentável, na correcção das desigualdades”, argumentou aquele que, em matéria de bajulação, bateu todos os recordes anteriores.
No final da sua intervenção, de cerca de sete minutos (que entrará para o “Guinness World Records” por ser o que mais bajulação fez em tão curto espaço de tempo), Marcelo Rebelo de Sousa disse que “a história faz-se e refaz-se todos os dias e nuns dias mais do que noutros”, acrescentando: “Estes que vivemos são desses dias”.
Folha 8 com Lusa