“HOJE TU, AMANHÃ EU!”

Isabel dos Santos possui imóveis de valor superior a 20 milhões de euros em Londres e o antigo vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, dois apartamentos de luxo junto à loja Harrods, também na capital britânica, ambos através de empresas ‘offshore’. Quanto ao que o actual presidente do MPLA, general João Lourenço, tem no estrangeiro só se saberá quando, e se, deixar de ser dono do reino.

Os nomes, até agora encobertos graças ao anonimato propiciado pelos paraísos fiscais, foram revelados devido às novas regras de transparência introduzidas pelo Reino Unido para identificar quem possui imobiliário no país.

De acordo com o registo comercial Companies House, a empresária Isabel dos Santos, acusada de desvio de fundos públicos e sujeita a um mandado de detenção internacional, tem duas residências em Londres.

As habitações num condomínio privado no selecto bairro de Kensington são controladas pela Wilkson Properties Limited, sediada na Ilha de Man, da qual Isabel José dos Santos é a única beneficiária.

Uma delas, um apartamento, foi comprada em 2006 por 875.000 libras e a segunda, uma moradia, foi negociada um ano mais tarde, por 8,65 milhões de libras, indica o registo predial Land Registry.

De acordo com o site “The Move Market”, tendo em conta os preços de imóveis adjacentes e a evolução do mercado, o valor agregado daqueles dois imóveis é actualmente de 18 milhões de libras, cerca de 20,5 milhões de euros.

Isabel dos Santos é objecto de um mandado de captura internacional a pedido da Procuradoria-Geral da República de Angola (por ordem superior do próprio João Lourenço), por suspeitas dos “crimes de peculato, fraude qualificada, participação ilegal em negócios, associação criminosa e tráfico de influência, lavagem de dinheiro” (tudo características identitárias do MPLA), incorrendo numa pena máxima de 12 anos de prisão.

O Tribunal Supremo angolano (mais um órgão dominado pelo MPLA e sobre o qual correm acusações de elevada corrupção) determinou em Dezembro o arresto preventivo dos bens da empresária Isabel dos Santos, avaliados em mil milhões de dólares (941 milhões de euros), incluindo saldos bancários e participações sociais em nome da empresária, que chegou a ser considerada pela revista Forbes “a mulher mais rica de África”, e que enquanto o seu pai, José Eduardo dos Santos, esteve no Poder era considerada um exemplo pelo então ministro da Defesa, João Lourenço.

Além dos processos-crime e cíveis em Angola, Isabel dos Santos tem participações e contas congeladas em Portugal, onde correm 17 processos na justiça, segundo o jornal português Observador.

O registo comercial britânico também foi recentemente actualizado para identificar Manuel Vicente, antigo presidente da Sonangol e antigo número dois do Presidente de Angola José Eduardo dos Santos, como dono de dois apartamentos avaliados em vários milhões de euros.

A empresa Riser Limited, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, adquiriu os dois apartamentos por 940.000 libras e 475.000 em 2005 e 2010, respectivamente.

Mas o site “The Move Market” estima que hoje possam valer cerca de 6,6 milhões de libras (7,5 milhões de euros) devido à localização privilegiada na zona de Knightsbridge, ambos a poucos metros da loja de produtos de luxo Harrods.

O nome do antigo homem forte de José Eduardo dos Santos e figura de referência (quase de veneração) na hierarquia do MPLA – a começar no próprio João Lourenço – surgiu envolvido em vários escândalos de corrupção, mas tem evitado investigações criminais graças à imunidade concedida pela Constituição angolana aos antigos titulares deste cargo.

Manuel Vicente foi investigado em Portugal por alegados pagamentos a um magistrado do Ministério Público, Orlando Figueira, o qual foi expulso da profissão e condenado a seis anos e oito meses de prisão por corrupção e outros crimes.

O caso gerou uma crise diplomática entre os dois países em 2018, que ficou resolvida depois de ter sido separado dos autos acusatórios da “Operação Fizz” e transferido para o arquivo morto do MPLA, em Angola, onde aguarda que as galinhas tenham dentes para voltar à ribalta da justiça.

O antigo presidente da petrolífera do MPLA Sonangol também foi mencionado no despacho de acusação do Ministério Público angolano relativa aos generais Manuel Hélder Vieira Dias e Leopoldino Fragoso do Nascimento. Em nenhum caso conhecido aparecem nomes que não sejam de altos dignitários do MPLA, razão pela qual o partido que governa Angola há 47 anos é conhecido por ser, a nível mundial, a seita que mais corruptos tem por metro quadrado.

O documento refere que Angola vendeu à Sonangol International Holding Limited, empresa detida em 70% por chineses e em 30% pela Sonangol EP, entre 5 de Dezembro de 2004 e 6 de Novembro de 2007, petróleo bruto no valor total de 1,598 mil milhões de dólares (1,51 mil milhões de euros) “sem qualquer benefício esclarecido para o Estado angolano ou para a própria Sonangol EP”.

O antigo vice-presidente angolano está também associado à CIF, empresa chinesa cujos activos em Angola passaram para a esfera do Estado e a vários negócios que terão lesado o país em milhões de dólares.

Manuel Vicente foi alvo de uma investigação patrimonial por parte das autoridades angolanas, com vista à recuperação de activos, mas desconhecem-se os montantes recuperados, se é que foram de facto recuperados..

Outra alta figura pública do MPLA com activos imobiliários valiosos em Londres é Silvio Franco Burity, antigo presidente do Conselho de Administração da Administração Geral Tributária e antigo director nacional das Alfândegas de Angola.

Silvio Franco Burity é o beneficiário de duas sociedades sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas, a Wyndham Mews Limited e a Rolling Heights Limited.

Estas empresas controlam uma moradia em Stratford-upon-Avon, vila a noroeste de Londres conhecida por ter sido onde o escritor William Shakespeare nasceu, em 1564, e uma vivenda de seis quartos na capital britânica, avaliada em quase três milhões de libras (3,4 milhões de euros).

Estas revelações são o resultado de uma análise da organização não-governamental (ONG) Transparência Internacional, que há sete anos tinha denunciado a forma pouco transparente como empresas ‘offshore’ localizadas em paraísos fiscais detêm propriedades no Reino Unido, levantando a suspeita de lavagem de dinheiro através do mercado imobiliário britânico.

Desde então, tem feito pressão junto do Governo britânico para que as pessoas reais por detrás destas “empresas fachada” estrangeiras sejam identificadas nos registos britânicos.

Segundo a ONG, sociedades sediadas em “centros financeiros opacos” como as Ilhas Virgens Britânicas surgem frequentemente em casos de corrupção e lavagem de dinheiro.

O Registo de Entidades Estrangeiras foi instituído pela Lei de Crime Económico introduzida no ano passado, acelerada devido à guerra na Ucrânia, “para erradicar oligarcas e elites corruptas que tentam esconder dinheiro obtido indevidamente através de imobiliário britânico”.

O prazo para os verdadeiros beneficiários dos imóveis no Reino Unido serem identificados e registados era 31 de Janeiro, mas milhares de empresas ainda não o fizeram.

O novo registo predial já serviu para colocar em evidência os bens patrimoniais detidos por “Pessoas Politicamente Expostas” (PEP), que a Transparência Internacional argumenta que devem ser sujeitos a um escrutínio mais apertado.

O próximo passo, segundo Ben Cowdock, responsável por investigações na Transparência Internacional, deve ser a abertura de averiguações por parte das autoridades britânicas sobre algumas destas pessoas.

“Gostaríamos de ver investigações policiais começarem sobre qualquer pessoa que tenha sido acusada de corrupção [no estrangeiro] e movimentado grandes quantidades de dinheiro para o mercado imobiliário [britânico]”, disse à agência Lusa.

Ben Cowdock sugere que as autoridades contactem proactivamente a autoridades das jurisdições entre aquelas pessoas estão a ser investigadas.

“A polícia britânica deveria começar a contactar as agências estrangeiras responsáveis pela aplicação da lei e começar a trabalhar em conjunto com elas para tentar averiguar se estes bens podem ser recuperados e as verbas devolvidas ao local de onde vieram”, vincou.

Folha 8 com Lusa

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