O Brasil e o mundo assistiram a algo inédito; um homem do povo, humilde, simples, chegar, pela terceira vez, pelo voto do povo, à Presidência do continental Brasil. Ele superou um sistema ideológico e juridicamente adverso, montado para o “assassinar” física e moralmente, através de uma condenação escabrosa, em 2017 e prisão “criminosa” em 2018, para nunca mais almejar a política activa. Contornou e venceu, depois de 580 dias nas fedorentas masmorras de Sérgio Moro, um “juiz Pinóquio”!
Por William Tonet
A República Federativa do Brasil assistiu com euforia, pela terceira vez, a um feito único no país e no mundo, a subida na rampa do palácio, do homem que encarna a gesta da maioria dos brasileiros: Lula da Silva.
Ele é produto da discriminação institucional, contra o seu chão identitário; o Nordeste de onde foi forçado a “fugir” com a mãe e oito irmãos (13 de Dezembro de 1952) e desembarcar, na cosmopolita cidade de São Paulo, onde teve de trabalhar muito cedo para ajudar a mãe e irmãos. Foi engraxador, ajudante de tinturaria, office boy, tendo neste percurso entrado numa escola profissional, o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) obtendo o diploma de torneiro mecânico, nos anos 70.
Lula da Silva, com este feito ímpar passa a ser o mais carismático político brasileiro, sem formação superior universitária, mas com o mais blindado diploma da mais reputada faculdade do mundo: a Faculdade da Vida, onde se graduou em “Philosophia Populis” (Filosofia Popular), capaz de em época de tsunami político, segurar o leme e “domar” os ventos extremistas.
Com este título e embrenhado no interior das fábricas, vê aguçar a sua sensibilidade, em relação à luta de classes, vendo a necessidade da criação de uma forte organização sindical, capaz de impor respeitabilidade e serem considerados como parte, pelo patronato. Assim nasceu a “engenharia” do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista.
Esteve preso pela ditadura, mas ante a sua resiliência e popularidade esta foi forçada a negociar, várias vezes. Capitalizado pela pujança e resiliência dos seus integrantes, cada vez mais respeitados pelos operários e pobres de todo Brasil, Lula achou, tempos depois, estarem criadas as condições objectivas e subjectivas para a formação daquele, que é, actualmente, o maior partido de esquerda da América Latina: o Partido dos Trabalhadores (PT).
Como prova do atrás vertido é que das nove eleições depois do fim da ditadura e da Constituição democrática de 1988, o PT de Lula ganhou cinco de forma justa, transparente e credível, como prova de vitalidade e inserção na sociedade. É um feito inigualável, na América Latina e no resto do mundo.
Lula é autodidacta, lê bastante, principalmente, filosofia, sociologia política e história universal, que lhe permitem navegar, mesmo em intelectuais e turbulentos oceanos, com desenvoltura e confiança. Por esta razão não é surpreendente, a catalogação como sendo, actualmente, um dos maiores líderes da actualidade, ostentando, por via disso, 27 títulos de “Doutor Honoris Causa”, das mais prestigiadas instituições académicas mundiais.
É este operário, intelectual de gema, único capaz de destronar a extrema-direita, com um programa neoliberal de desmonte da soberania económica, capitaneada por Jair Bolsonaro, chegou, novamente, à rampa do Planalto (palácio presidencial em Brasília, capital política do Brasil), mas desta vez recebendo, gloriosamente, a faixa presidencial (num gesto único, pioneiro e inigualável), das mãos dos mais lídimos representantes dos povos e etnias brasileiras, por demissão do anterior presidente, que, não digerindo a derrota, “covardemente”, na véspera (30.12.22), da passagem do testemunho, se “exilou” nos Estados Unidos.
A terceira posse poderia ter sido a quarta, não fosse a absurda condenação, sem provas do cometimento de ilícitos, em 2017 e prisão em 2018, determinada por um juiz “maníaco” de extrema-direita, Sérgio Moro, que tinha (e tem) desmedidas ambições políticas, pese as suas baixas valências e forte conflito com o direito (má interpretação das normas jurídicas e dos seus princípios conformadores) e a ciência política.
Em 2017 Lula liderava todas as pesquisas eleitorais e mesmo durante a prisão (2018), a tendência não descolava de tal monta, que cerca de um mês antes do início da campanha teve, por decisão judicial, de endossar o seu capital para Fernando Haddad.
Pese o curto período de campanha (cerca de 30 dias), com toda a máquina da comunicação social e parte do judiciário contra o candidato de esquerda, este forçou as eleições a uma segunda volta, contra o extremista, Jair Bolsonaro. Assustada a extrema-direita, usando técnicas do americano (assessor do ex-presidente Donald Trump), Steve Bannon, inicia uma violenta campanha disseminando, uma série de fake news, como corrupto e de ter distribuído, nas escolas primárias, livros sobre sexo, entre outras abjecções.
O partido dos Trabalhadores solicitou vídeos de Lula, que se encontrava na cadeia (2018), autorizado pelo STF, o maquiavelismo de Sérgio Moro impediu, mas ainda assim, contra toda a corrente caluniosa, o ex-ministro da Educação e intelectual do PT, alcançou mais de 44% dos votos, insuficientes para aquela, que tivesse concorrido Lula seria a quinta vitória (duas ganhas pelo metalúrgico 2003-2010; duas por Dilma e agora Lula).
ENFRENTAR COM SERENIDADE O MERCADO
Durante todo o período que antecedeu a posse no dia 1 de Janeiro de 2023, o mercado capitalista se movimentava para influenciar na escolha de um ministro da Fazenda, do Planeamento e Economia da sua conveniência, capaz de inviabilizar as políticas sociais do Partido dos Trabalhadores e de Lula da Silva, que resistiu a toda espécie de chantagem, nomeando para uma das pastas mais importantes, o seu camarada e cúmplice de muitas jornadas, Fernando Haddad. “Não podemos ficar reféns do mercado e este não se pode enervar tanto”, reagiu.
No discurso no parlatório (palanque), o novo Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, foi pragmático: “Quero me dirigir também aos que optaram por outros candidatos. Vou governar para os 215 milhões de brasileiros e brasileiras e não apenas para quem votou em mim. Vou governar para todas e todos, olhando para o nosso luminoso futuro em comum, e não pelo retrovisor de um passado”.
Nessa hora tentei procurar as feições de muitos dirigentes africanos, incluindo o de Angola, principalmente depois de Lula avançar: “A ninguém interessa um país em permanente pé de guerra, ou uma família vivendo em desarmonia. É hora de reatarmos os laços com amigos e familiares, rompidos pelo discurso de ódio e pela disseminação de tantas mentiras. O povo brasileiro rejeita a violência de uma pequena minoria”, afirmou Lula.
Não resisti à tentação de questionar, se esse não seria um bom trecho de compromisso, que João Lourenço deveria adoptar, para apaziguar as águas no interior do seu partido e parte da sociedade, na tomada de posse, aos 15 de Setembro de 2022, para cumprir o segundo e último mandato, envolto em múltiplas suspeições de ter perdido as eleições de 24 de Agosto de 2022, para a UNITA e Adalberto da Costa Júnior.
O presidente de Angola poderia emprestar uma magistratura de humildade, para pacificação dos ânimos, como fez Lula da Silva, mesmo tendo enfrentado uma máquina demoníaca, diferente da, demoniacamente, controlada, por João Lourenço, em Angola, onde a democracia reside no lamaçal e a ditadura é equiparada a de Luís XIV, na França do final do século XVII.
E foi no remar de vários braços que Lula rememorou o discurso, proferido, depois de conhecer os resultados da segunda volta, que lhe deram vitória, aos 30 de Outubro, sobre a necessidade de unidade do Brasil.
“Não existem dois brasis. Somos um único país, uma grande nação. Somos todos brasileiros e brasileiras, e compartilhamos uma mesma virtude: nós não desistimos nunca. Ainda que nos arranquem todas as flores, uma por uma, pétala por pétala, nós sabemos que é sempre tempo de replantio, e que a Primavera há-de chegar. E a Primavera já chegou. Hoje, a alegria toma posse do Brasil, de braços dados com a esperança”, afiançou.
O Presidente Lula, pese a pressão e os gráficos, que apontam uma baixa da bolsa e alegada retracção do mercado financeiro e de investimentos externos, não quebrou como forma destes terem de se adaptar à soberania do Brasil, que tem o compromisso de retirar da miséria e fome extrema mais de 33 milhões de brasileiros.
“A fome é filha da desigualdade, que é mãe dos grandes males que atrasam o desenvolvimento do Brasil. A desigualdade apequena este nosso país de dimensões continentais, ao dividi-lo em partes que não se reconhecem. No país existe um tamanho abandono e desalento nas ruas. Mães garimpando lixo, em busca de alimento para seus filhos. Famílias inteiras dormindo ao relento, enfrentando o frio, a chuva e o medo. Fila na porta dos açougues, em busca de ossos para aliviar a fome. E, ao mesmo tempo, filas de espera para a compra de jatinhos particulares. Tamanho abismo social é um obstáculo à construção de uma sociedade justa e democrática, e de uma economia próspera e moderna”, afrontou Lula da Silva.
Alguma vez, ouvirei, ouviremos, isso de João Lourenço, referindo-se aos mais de 20 milhões de pobres, excluídos da Constituição, que se alimentam nos contentores e monturos de lixo, principalmente, depois do presidente ter entregue a soberania económica, aos novos colonialistas; chineses, muçulmanos radicais e ocidentais, desembarcados sob a capa de investidores e que controlam as indústrias, o comércio, as minas, a aviação comercial e as principais terras aráveis.
Lula da Silva mostrou ter um sério compromisso com o seu povo, daí colocar os mesmos no centro do orçamento, afastando todas as políticas que visem privatizar os principais activos e empresas públicas, propostas pelo FMI, que aplaude a pobreza e o subdesenvolvimento dos países da América Latina e África e nunca o empoderamento destes países, para discutirem na arena internacional em pé de igualdade.
Lula da Silva mais experiente e maduro, ao tornar-se no 39.º Presidente da República Federativa do Brasil, adoptou um Pacto de Regime, com várias forças políticas, para fazer um governo de coligação nacional, visando restaurar e reorganizar o Brasil, até 31 de Dezembro de 2026.
Na sua estada em Brasília, João Lourenço teve uma intensa actividade diplomática, dentre as quais uma reunião com a vice- primeira-ministra da Ucrânia, Yulila Svyrydenko, que chefiou a delegação do seu país à tomada de posse do presidente brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva.
Do ponto de vista político nada contra, mas do ponto da geoestratégica mundial, poderá significar a lógica de uma afronta a quem, nos piores momentos, a Rússia, esteve na primeira linha da cantera de solidariedade, apoio militar e manutenção do MPLA, no poder, principalmente, agora que se converteu num partido da extrema-direita.