O grupo parlamentar da UNITA, maior partido da oposição em Angola, mesmo depois de ter – segundo afirma – ganho as eleições, manifestou hoje em comunicado “enorme preocupação” com o início da greve dos pilotos da transportadora aérea estatal angolana TAAG.
“Numa fase de intensa competição entre as empresas e mudanças constantes no sector, o início da greve vem demonstrar um défice de diálogo, sobretudo uma incapacidade de realização dos grandes desígnios nacionais e interesses de distintas classes de trabalhadores angolanos”, destacou a UNITA.
Para o maior partido da oposição (o tal, repita-se, que diz ter ganho as eleições), “a greve dos pilotos da TAAG, homens e mulheres responsáveis pelo transporte e segurança de milhões de cidadãos, vem comprovar o fracasso da política nacional de quadros, no que respeita à sua valorização através da justa remuneração e com benefícios sociais e económicos competitivos”.
Nesse sentido, o grupo parlamentar da UNITA “exige do Governo a assunção de uma postura alinhada aos interesses dos pilotos, das famílias, das empresas e a resolução satisfatória e sustentável das reivindicações dos pilotos e outros trabalhadores da TAAG”.
“O grupo parlamentar da UNITA manifesta a sua solidariedade ao sindicato dos pilotos da TAAG e apela ao Presidente da República, na qualidade de Titular do Poder Executivo a resolver esta situação o mais rápido possível”, conclui a nota.
Foi a segunda vez em dois dias que a UNITA se pronunciou sobre a greve na TAAG. Na quinta-feira, o grupo parlamentar da UNITA pediu um encontro urgente com o ministro dos Transportes para obter esclarecimentos sobre a greve dos pilotos, atendendo ao impacto da paralisação.
O sindicato dos pilotos da TAAG iniciou hoje uma greve que tem previsto durar 10 dias.
A UNITA pretende apurar as causas que levaram à realização da greve, bem como as “dificuldades que o executivo e o conselho de administração da empresa têm tido para a resolução das preocupações apresentadas, no quadro do caderno reivindicativo, pelo sindicato dos pilotos” da transportadora aérea angolana.
O presidente do sindicato de pilotos, Miguel Prata, disse hoje à Lusa que o nível de adesão é de 100%, estando os filiados em manifestação no aeroporto internacional de Luanda.
Miguel Prata referiu que o caderno reivindicativo, de oito pontos, foi entregue em Junho deste ano, e de lá para cá as partes estiveram à mesa de negociações várias vezes, com o foco no primeiro ponto apenas, sobre o reajuste salarial, sem que tenha sido alcançado acordo.
No passado sábado, a TAAG anunciou em comunicado ter criado um “plano de contingência para minimizar o impacto da paralisação”.
Há um ano, 20 de Outubro de 2021, João Lourenço exonerou o Conselho de Administração da TAAG, fundamentando a decisão com a necessidade de concretizar o plano de restruturação da empresa e os seus objectivos estratégicos.
Segundo uma nota da Casa Civil do Presidente da Republica, cessaram funções o Presidente do Conselho de Administração, Hélder Preza, o presidente da Comissão Executiva, Rui Carreira, cinco administradores executivos e os não executivos.
A nota remete os fundamentos da decisão para o Decreto Presidencial nº 186/20, de 17 de Julho, que adequou o valor nominal do capital social da TAAG e redefiniu a estrutura accionista da empresa, deixando de ser detida totalmente pelo Estado, “havendo necessidade de se concretizar o Plano de Reestruturação” e “incentivar a política empresarial com o propósito de se efectivar os seus objectivos estratégicos”.
A TAAG foi, como todas as suas congéneres, fortemente atingida pelos efeitos da Covid-19 na circulação de pessoas, tendo registado uma quebra de 75% no número de passageiros transportados, e acumulou prejuízos na ordem dos 372 milhões de dólares em 2020 (320 milhões de euros).
O Estado, os trabalhadores e as contas
João Lourenço alertou no dia 21 de Junho de 2018 para o sobredimensionamento da mão-de-obra ao serviço da TAAG, pedindo ao novo ministro dos Transportes uma “solução de equilíbrio” entre os interesses do Estado e dos trabalhadores”.
João Lourenço discursava no Palácio Presidencial, em Luanda, após dar posse a Ricardo Viegas de Abreu como ministro dos Transportes, que sucedeu a Augusto Tomás, entretanto exonerado e detido.
“Sabemos que a empresa está sobredimensionada em termos de mão-de-obra. Procure encontrar uma solução de equilíbrio que defenda os interesses do Estado, mas que defenda também os interesses dos trabalhadores, porque afinal são chefes de família”, exortou o chefe de Estado, admitindo que a situação da companhia “preocupa”.
“Agradeço que preste muita atenção às grandes empresas públicas do sector, à forma como são geridas e à qualidade dos serviços que prestam à população, com destaque para a companhia de bandeira, a TAAG”, disse ainda.
O presidente do Conselho de Administração da TAAG, José Kuvingua, anunciara meses antes, em Janeiro, que a sua direcção iria “ajustar o excessivo número de trabalhadores” com as “reais necessidades”, para garantir o funcionamento da operadora estatal.
“A primeira coisa será o reenquadramento do pessoal de acordo com as reais necessidades, portanto poderá correr transferências internas e também o cancelamento dos enquadramentos ou recrutamentos sem propósitos justificados”, disse José Kuvingua.
Recorde-se que, segundo José Kuvíngua, a TAAG necessitava de uma capitalização estatal de 952 milhões de dólares (805 milhões de euros) para fazer face às perdas acumuladas nos últimos anos. A informação foi prestada na apresentação do plano estratégico da companhia de bandeira para o período 2018/2022 durante um seminário promovido pelo Ministério dos Transportes.
A preocupação da administração da TAAG agravou-se com a necessidade de pagamento de empréstimos contraídos para a aquisição, desde 2015, de três novas aeronaves, bem como revisões planeadas de motores e de manutenção.
Por esse motivo, José Kuvíngua sublinhou a importância da recepção atempada do subsídio de combustível atribuída pelo Estado, bem como uma nova injecção de capital, de pelo menos 150 milhões de dólares (127 milhões de euros) no imediato, para eliminar ou reduzir o défice oriundo de perdas anteriores.
Só no primeiro semestre de 2017, a TAAG tinha registado um prejuízo líquido de 12 milhões de dólares (10,1 milhões de euros), mais do dobro do saldo negativo de todo o ano de 2016, mas devido a dívidas de 2010.
A companhia estatal referira anteriormente que os resultados financeiros não auditados dos primeiros seis meses de 2017 registaram, ainda assim, “algumas melhorias”, apesar do prejuízo do semestre comparar com os cinco milhões de dólares (4,2 milhões de euros) de todo o ano anterior.
“Este nível de desempenho é muito melhor se tivermos que comparar com prejuízos históricos superiores a 150 milhões de dólares [126,6 milhões de euros] em alguns anos”, referia a companhia, que até 10 de Julho de 2017 foi gerida (desde finais de 2015, por contrato de concessão), pelos árabes da Emirates, tendo o britânico Peter Hill como Presidente do Conselho de Administração.
A companhia explicou o agravamento nas contas com a realização de uma provisão total de 21 milhões de euros nos primeiros seis meses, relativa a “passivos fiscais não pagos em escalas, no exterior, referente ao ano de 2010”.
“Se não fosse a redução no subsídio de combustível e a provisão para o passivo fiscal, a companhia teria sido lucrativa. O prejuízo é ainda agravado pelo facto de a TAAG ter de abastecer as suas aeronaves com o máximo combustível permitido em Luanda, onde ele é mais caro, na impossibilidade de o poder fazer nas escalas do exterior, onde o combustível é mais barato, devido à escassez de divisas”, reconheceu a companhia.
Um (mais um) casamento falhado
No dia 30 de Setembro de 2014, o Ministério dos Transportes de Angola e a EMIRATES assinaram, no Dubai, um acordo de pareceria estratégica para o desenvolvimento da TAAG – Linhas Aéreas de Angola.
Segundo um comunicado oficial, o acordo dava corpo a um Contrato de Gestão da TAAG pela EMIRATES, através do qual a gestão de topo da TAAG passaria a ser principalmente da responsabilidade de uma equipa de executivos da EMIRATES.
O contrato previa um novo Modelo de Governação para a TAAG que passava a ser administrada por um Conselho de Administração composto por nove membros, assim distribuídos: Cinco indicados pelo Governo angolano, nomeadamente o Vice-Presidente do Conselho de Administração e quatro administradores não executivos e quatro administradores executivos indicados pela EMIRATES, sendo um o Presidente do Conselho de Administração.
O comunicado referia ainda que a gestão corrente da TAAG seria assegurada por uma Comissão Executiva, composta pelos administradores executivos indicados pela EMIRATES, nomeadamente, o Presidente da Comissão Executiva, os administradores com os pelouros Comercial, Operacional, Financeiro e Administrativo. A esses junta-se o Vice-Presidente do Conselho de Administração, indicado pela parte angolana.
Nos termos do acordo, o objectivo era dotar a TAAG de uma gestão profissional de nível internacional, libertando-a de problemas de eficácia e eficiência que vêm persistindo há longos anos, aumentar a oferta de destinos para os passageiros angolanos, melhorar o serviço que presta a estes e elevar os padrões de operacionalidade e segurança.
Constavam igualmente dos propósitos, a transferência de conhecimentos e boas práticas da EMIRATES para a TAGG, contribuindo para a formação e potenciação dos gestores e técnicos da companhia aérea angolana, sanear financeiramente a companhia angolana, aplicar maior rigor em todos os processos de controlo, bem como reduzir os custos de operação, através de economias de escala que resultem da aquisição de produtos e serviços na rede do Grupo EMIRATES.
O comunicado de imprensa esclarecia que todos os objectivos seriam alcançados sem prejuízos indevidos para os actuais trabalhadores da TAAG, pretendendo-se, antes pelo contrário, a elevação do seu nível profissional e das suas condições de trabalho.
Para a assinatura deste Contrato de Gestão, deslocou-se ao Dubai uma delegação de alto nível do Ministério dos Transportes, encabeçada pelo então titular Augusto Tomás e que integrava também o secretário de Estado para Aviação Civil, Mário Domingues, o director geral do Instituto Nacional da Aviação Civil (INAVIC), Carlos David, e os presidentes dos Conselhos de Administração da TAAG e ENANA, Teixeira da Cunha e Manuel Ceita, respectivamente.
Através deste acordo a EMIRATES iria ajudar na construção e desenvolvimento de uma nova TAAG, que se pretende que seja uma forte companhia de aviação de nível nacional e internacional.
O Ministério dos Transportes esclareceu, no comunicado, que a TAAG continuava a ser uma empresa angolana, utilizada e operada fundamentalmente por angolanos.
A história de um divórcio
A transportadora aérea EMIRATES anunciou no dia 10 de Julho de 2017 o “fim imediato” do contrato de concessão para gestão da companhia de bandeira angolana TAAG face “às dificuldades prolongadas que tem enfrentado no repatriamento das receitas” das vendas em Angola.
Numa declaração à Imprensa, em Luanda, a transportadora referia igualmente que estava a “tomar medidas no sentido de reduzir a sua presença em Angola” e que a partir desse dia reduzia de cinco para três o número de frequências semanais para Luanda.
“Esta questão tem-se mantido sem solução, apesar de inúmeros pedidos feitos às autoridades competentes e garantias de que medidas seriam tomadas”, referiu a companhia árabe.
“Com efeito imediato, a EMIRATES põe fim à sua cooperação com a TAAG – Linhas Aéreas de Angola – ao abrigo de um contrato de concessão de gestão em curso desde Setembro de 2014”, acrescentava a empresa, com sede nos Emirados Árabes Unidos.
“Esperamos que a questão do repatriamento de fundos seja resolvida o mais cedo possível, de modo que as operações comerciais possam ser retomadas de acordo com a demanda”, referiu ainda a companhia.
O contrato de gestão assinado entre o Governo angolano e a Emirates previa introdução de uma “gestão profissional de nível internacional” na TAAG, a melhoria “substancial da qualidade do serviço prestado” e o saneamento financeiro da companhia angolana, que em 2014 registou prejuízos de 99 milhões de dólares (88 milhões de euros).
Em contrapartida, no âmbito do Contrato de Gestão da transportadora pública angolana celebrado com a EMIRATES Airlines para o período entre 2015 e 2019, previa-se dentro de quatro anos resultados operacionais positivos de 100 milhões de dólares.
Em entrevista à Lusa no final de 2016, o PCA da TAAG, Peter Hill, indicado pela Emirates ao abrigo do acordo com o Governo angolano, anunciou ter cortado 62 milhões de euros em custos no primeiro ano daquela gestão.
“Nós dissemos, no nosso plano de negócios, que em três anos íamos reduzir custos em 100 milhões de dólares [89 milhões de euros] e logo no primeiro ano já poupamos 70 milhões [62 milhões de euros]. Por isso estamos muito contentes e posso dizer que as finanças da companhia estão a melhorar dramaticamente”, explicou.
“Herdamos uma companhia não lucrativa, com muitos trabalhadores, e nos últimos 12 meses estamos a reduzir os custos”, enfatizou o administrador, que assumiu funções em Outubro de 2015.
Segundo Peter Hill, a TAAG contava então com cerca de 4.000 trabalhadores, para operar 31 destinos domésticos e internacionais, após uma forte redução, apenas com programas de reforma.
Outros tempos… ou nem por isso?
No dia 1 de Outubro de 2016 o então ministro dos Transportes, Augusto Tomás, afirmou, em Luanda, que o Executivo angolano ia continuar a reforçar a TAAG com meios técnicos e aéreos, a fim de tornar a companhia referência mundial, prestando um trabalho com credibilidade, segurança e conforto.
Augusto Tomás falava à imprensa, no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, no acto de recepção da nova aeronave Boeing 777-300ER da companhia angolana de bandeira.
De acordo com o então ministro, o programa fazia parte de uma estratégia do Executivo de José Eduardo dos Santos, com vista a dotar a empresa de uma gestão profissional de nível internacional, tendo em conta a posição geoestratégica de Angola.
“Era necessário dotar a companhia de meios que permitam exercer o seu trabalho com eficácia e eficiência, sobretudo no âmbito dos padrões internacionais. É preciso igualmente ter pessoal qualificado para poder rentabilizar a empresa, melhorar o serviço prestado aos passageiros, elevar os seus padrões de operacionalidade e segurança”, salientou Augusto Tomás.
No dia 15 de Julho de 2016, a TAAG admitiu que enfrentava “sérias dificuldades” para cumprir as “obrigações contratuais” com fornecedores e credores, devido à conjuntura em Angola, nomeadamente à falta de divisas.
A situação foi admitida num comunicado divulgado pela transportadora, confirmando – como o Folha 8 noticiou – a suspensão da compra, com recurso a moeda nacional angolana, o kwanza, de bilhetes para viagens com destino a Luanda e o início no exterior do país.
“Tendo em consideração a crise económica que assola a República de Angola”, que tem criado “desequilíbrios financeiros e contabilísticos de forma generalizada” e “bem notável e acentuada escassez no acesso e disponibilidade da moeda estrangeira, particularmente no sector da aviação civil”, justificava a companhia.
“Os elevados custos operacionais no exterior do país”, dizia ainda a TAAG no comunicado, tem levado a companhia a “enfrentar sérias dificuldades em honrar com as obrigações contratuais junto dos fornecedores e credores”.
Daí que a companhia esperar aumentar as vendas em moeda estrangeira, como em dólares e euros, para fazer face às necessidades operacionais fora do país.
No dia 3 de Junho de 2016 foi noticiado que Angola era o quinto país do mundo com mais fundos retidos às companhias aéreas, que não pagava há sete meses, acumulando dividendos de 237 milhões de dólares que as transportadoras não conseguem repatriar.
Os dados constavam de um comunicado da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) que colocava Angola numa lista de países liderada pela Venezuela, com 3.180 milhões de dólares (16 meses sem transferir dividendos), seguida da Nigéria (591 milhões de dólares, sete meses), Sudão (360 milhões de dólares, quatro meses) e Egipto (291 milhões de dólares, quatro meses).
No mesmo comunicado, a IATA, que representava 264 companhias aéreas e 83% do tráfego global, afirma que pediu aos governos “que respeitem os acordos internacionais que os obrigam a garantir que as companhias aéreas sejam capazes de repatriar suas receitas”.