Algumas das principais ruas de Ouagadougou, capital de Burkina Faso, voltaram hoje a ser bloqueadas por soldados, um dia depois do golpe de Estado que depôs o líder da Junta Militar, também ele chegado ao poder por um outro golpe, em Janeiro.
O regresso de tensões à capital ocorre no dia seguinte ao golpe de Estado em que militares depuseram das funções de chefe da Junta Militar o tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba, ele próprio chegado ao poder por um outro golpe, em Janeiro.
Várias testemunhas relataram ter ouvido rajadadas de tiros perto da rotunda das Nações Unidas, no centro da cidade, no final da manhã de hoje.
Tal como aconteceu na sexta-feira, os soldados bloquearam as principais vias da cidade, em particular no bairro de Ouaga 2000, onde se encontra o edifício da presidência, enquanto helicópteros sobrevoavam a capital e os comerciantes voltavam a fechar as suas lojas.
Na noite de sexta-feira, depois de um dia de tiroteios no distrito da presidência em Ouagadougou, cerca de 15 soldados fardados e alguns encapuzados tomaram conta das instalações da Rádio e da TV nacional, anunciando a destituição de Damiba – cujo destino ainda permanece desconhecido – e o encerramento de fronteiras terrestres e aéreas, bem como a suspensão da Constituição e a dissolução do Governo e da Assembleia Legislativa de Transição.
Para justificar a iniciativa, os militares invocaram “a contínua deterioração da situação de segurança” no país.
O novo chefe da Junta Militar, capitão Ibrahim Traoré, era até agora o comandante do corpo do Regimento de Artilharia Kaya, no norte do país, recentemente atingido por ataques ‘jihadistas’.
A União Europeia (UE) já condenou o golpe de Estado de sexta-feira, através do Alto Representante para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, que em comunicado denunciou a ameaça aos esforços de transição de poder no Burkina Faso.
“A União Europeia apela ao cumprimento dos compromissos assumidos, que constituíram a base do acordo alcançado com a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), em 3 de Julho, com o objectivo de apoiar o Burkina Faso no regresso à ordem constitucional até, o mais tardar, 1 de Julho de 2024”, disse Borrell no comunicado.
O chefe da diplomacia europeia também lamentou a deterioração da situação humanitária e de segurança no país e assegurou que a UE está “ao lado do povo do Burkina Faso nestes tempos difíceis”.
Desde Abril de 2015 que o país tem sofrido frequentes ataques ‘jihadistas’, cometidos por grupos ligados à Al Qaeda e ao Estado Islâmico (EI), sobretudo no norte do país.
Em 24 de Janeiro deste ano, um grupo de militares liderados por Damiba tinha tomado o poder num golpe de Estado, depondo o Presidente em funções.
No dia 25 de Janeiro de 2022, o Presidente do Burkina Faso, Roch Kaboré, demitiu-se após a tomada do poder pelos militares, na sequência do golpe de Estado. Numa carta divulgada pela televisão estatal RTB, e dirigida ao novo homem forte do país, o tenente-coronel Paul Henri Sandaogo Damiba, Kaboré, de 64 anos, disse que se demitia.
“No interesse da nação, na sequência dos acontecimentos de domingo, decidi demitir-me das minhas funções de Presidente (…), chefe de governo e comandante supremo das Forças Armadas Nacionais. Deus abençoe o Burkina Faso”, escreveu.
A carta de Kaboré, que governou o Burkina Faso desde 2015, foi divulgada após os militares terem confirmado na televisão estatal, através da leitura de dois comunicados, a tomada do poder e anunciado tanto a dissolução do Governo e do Parlamento, como a suspensão da Constituição.
Em nome do Movimento Patriótico para a Salvaguarda e Restauração (MPSR), um porta-voz disse que a decisão de derrubar Kaboré foi tomada “com o único objectivo de permitir ao país regressar ao caminho certo e reunir todas as forças para lutar pela sua integridade territorial (…) e soberania”.
“Face à contínua deterioração da situação de segurança que ameaça as fundações da nossa nação, à manifesta incapacidade de Roch Marc Christian Kaboré de unir o Burkina Faso para lidar eficazmente com a situação, e seguindo as aspirações dos diferentes estratos sociais da nação, o MPSR decidiu assumir as suas responsabilidades perante a história”, acrescentou.
Tal como agora, os golpistas também anunciaram o encerramento das fronteiras aéreas e terrestres e o estabelecimento de um recolher obrigatório.
Por outro lado, asseguraram que tinham tomado o poder “sem derramamento de sangue e sem qualquer violência física contra os detidos, que se encontram num lugar seguro e com respeito pela sua dignidade”.
Os militares, cujo golpe foi condenado pela União Africana (UA) e pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), comprometeram-se a propor, “dentro de um prazo razoável, após consulta das forças vivas da nação, um calendário para o regresso à ordem constitucional”.
O Governo negou inicialmente ter sido uma tentativa de golpe de Estado e os meios de comunicação locais indicaram que se tratou de um motim para exigir melhorias ao Governo, incluindo mais recursos para combater o terrorismo ‘jihadista’ (do qual as tropas são geralmente o alvo), e a demissão de altos funcionários militares e dos serviços secretos.
A situação foi precedida por um dia de manifestações não autorizadas no sábado, convocadas por grupos da sociedade civil para expressar um descontentamento social generalizado sobre a insegurança gerada pela violência rebelde e para exigir a demissão de Kaboré.
As organizações internacionais, nomeadamente a União Europeia, União Africana e Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), bem como os EUA, sublinharam a sua preocupação com os acontecimentos no Burkina Faso e responsabilizaram as forças armadas pela integridade física do Presidente Kaboré.
O Presidente Kaboré, reeleito em 2020 com a promessa de lutar contra os terroristas, tem vindo a ser cada vez mais contestado por uma população atormentada pela violência de vários grupos extremistas islâmicos e pela incapacidade das Forças Armadas do país responderem ao problema da insegurança.
Kaboré liderou o Burkina Faso desde 2015, após uma revolta popular que expulsou o então Presidente, Blaise Compaoré, no poder durante quase três décadas.
Ainda que reeleito em Novembro de 2020 para mais um mandato de cinco anos, Kaboré não conseguiu combater a frustração que tem vindo a crescer devido à sua incapacidade de conter a propagação da violência terrorista no país.
Os ataques ligados à Al Qaeda e ao grupo extremista Estado Islâmico têm vindo a aumentar sucessivamente desde a sua chegada ao poder, reclamando já milhares de vidas e forçando a deslocação de, segundo uma estimativa das Nações Unidas, de 1,5 milhões de pessoas.
Anteriormente conhecido como República do Alto Volta, o país abandonou a denominação herdada do período colonial, passando a se chamar Burquina Faso, em 4 de Agosto de 1984, pelo então chefe de Estado, Thomas Sankara, que criou o novo nome a partir das palavras Burkina (‘homens íntegros’, em more) e Faso (‘terra natal’ em diúla), o que resulta em “terra das pessoas íntegras”. Foi colónia francesa até 5 de Agosto de 1960.