O director do Programa África da Chatham House, Alex Vines, diz que será difícil um cenário de “transição política suave” no caso da UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite em Angola, vencer as eleições do próximo dia 24.
“Seria preciso uma vitória esmagadora (do MPLA), que não parece ser a tendência actual. O cenário mais provável é um resultado eleitoral apertado e um período de contestação pela UNITA e outros partidos da oposição através dos tribunais e protestos nas ruas”, afirma Alex Vines.
Para o director do Programa África da Chatham House, um `think-tank` [“laboratório de ideias”] com sede em Londres, a votação em 24 de Agosto será “muito competitiva”.
“O que podemos dizer com certeza é que o MPLA não atingirá os 61% que obteve em 2017. O resultado será muito mais curto e, se assim for, podemos esperar uma séria reacção da oposição se o resultado traduzir uma vitória apertada para o MPLA [partido no poder desde a independência, em 1975]”, acrescentou.
Alex Vines recordou que anteriores resultados eleitorais em Angola “acabaram por ser aceites e os parlamentares da oposição assumiram os seus lugares na Assembleia Nacional”.
A verificar-se uma “vitória apertada” do MPLA, “os protestos podem ser mais prolongados”, admite.
“O Presidente de Angola e líder do MPLA, João Lourenço, voltou a sinalizar que irá realizar eleições autárquicas – o que dará à UNITA uma boa oportunidade para obter ganhos eleitorais a nível local. Pode ser do interesse da UNITA continuar a consolidar a sua influência a nível local e entrar numa corrida de longo prazo para, no futuro, formar governo”, destacou.
Quanto aos reflexos da morte do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, e que foi o mentor de João Lourenço, na votação de 24 de Agosto, Alex Vines considera que as divisões no seio do MPLA “continuam por sarar”, mas acredita que não haverá efeitos no resultado. “O MPLA tende a unir-se quando procura manter o poder. Há consenso quanto a isso”, frisou.
Mais de 14 milhões de angolanos, incluindo residentes no estrangeiro, estão habilitados a votar em 24 de Agosto, na que será a quinta “eleição” da história de Angola.
Os 220 membros da Assembleia Nacional angolana são eleitos por dois métodos: 130 membros de forma proporcional pelo chamado círculo nacional, e os restantes 90 assentos estão reservados para cada uma das 18 províncias de Angola, usando o método de Hondt e em que cada uma elege cinco parlamentares.
Desde que entrou em vigor a Constituição de 2010 que não se realizam eleições presidenciais, sendo o Presidente e o vice-presidente de Angola os dois primeiros nomes da lista do partido mais votado no círculo nacional.
No anterior acto eleitoral, em 2017, o MPLA obteve a maioria com 61,07% dos votos e elegeu 150 deputados, e a UNITA conquistou 26,67% e 51 deputados.
Seguiram-se a Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), com 9,44% e 16 deputados, o Partido de Renovação Social (PRS), com 1,35% e dois deputados, e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), com 0,93% e um deputado.
A Aliança Patriótica Nacional (APN) alcançou 0,51%, mas não elegeu qualquer deputado.
Além destas formações políticas, na eleição em 24 de agosto estão ainda o Partido Humanista (PH) e o Partido Nacionalista da Justiça em Angola (P-Njango).
Corrupção e má governação, má governação e corrupção
Recorde-se que, em 4 de Setembro de 2020, Alex Vines considerou que a má governação e a corrupção são um dos principais entraves ao crescimento das empresas em África, defendendo comércio em vez de ajuda. Em Angola temos esses dois cancros. Má governação do mesmo partido (MPLA) há 47 anos e corrupção. Estamos, por isso, entregues à bicharada.
“Segundo centenas de entrevistas que fizemos em vários países africanos, o maior impedimento para o crescimento das empresas é a má governação e a corrupção”, disse Alex Vines durante a sua participação no Fórum Euro-África.
Para Alex Vines, a questão da corrupção e da má governação em África só é possível de resolver mudando o paradigma da relação com a Europa, que tem avançado de uma relação entre doador e recipiente para uma relação mais comercial.
“Há um nivelamento entre a Europa e o continente africano, afastaram-se da relação doador-receptor para uma relação que enfatiza mais o comércio, o que é positivo, mas convém lembrar que há países que ainda precisam de ajuda ao desenvolvimento, e não há uma receita única que sirva todos os 54 ou 55 países em África”, disse o académico que estuda o continente africano.
A pandemia, defendeu na altura, está a mudar a maneira como a Europa encara as suas cadeias de abastecimento, obrigando a uma diversificação das importações, que têm de estar menos dependentes da Ásia em geral e da China em particular.
“A dependência da Europa das cadeias de abastecimento da Ásia expõe a Europa, e é por isso que estamos a assistir a um aumento dos investimentos europeus na África Ocidental, por exemplo na área farmacêutica, com planos para a abertura de fábricas nessa região”, disse, salientando que também os asiáticos estão a aumentar o investimento em África.
“Há um fortalecimento da trajectória de investimento asiático na África Oriental, com a Malásia, o Japão, a China, a investirem na região, e assistimos também ao alargamento da relação entre a África Ocidental e a Europa, não apenas por proximidade geográfica, mas por razões geopolíticas”, defendeu o analista.
Intervindo no debate com o título ‘Made in Africa: Emerging & Fast Track Business’, a directora da empresa de saúde Flying Doctors, Ola Orekunrin, considerou que a corrupção “não é um problema africano, mas sim global” e defendeu que “o dinheiro que sai de África acaba em bancos europeus ou asiáticos”.
Para esta empreendedora nigeriana formada em Londres, o desenvolvimento de África tem de assentar no comércio e na alocação de capital porque “a ajuda nunca desenvolveu nenhuma economia”.
O foco da relação entre os dois continentes tem de mudar, salientou: “Temos de mudar o paradigma, deixar de pensar em aliviar ligeiramente a pobreza através da ajuda internacional, e receber electricidade, capital, capacidade, menores barreiras comerciais e focarmo-nos em criar prosperidade, e assim as economias desenvolvem-se e a governação acaba também por melhorar”.
O Fórum Euro-África teve como propósito aproximar os dois continentes, reunindo personalidades dos sectores público e privado, sociedade civil, empresários, activistas e cientistas, que debateram cinco desafios ao abrigo do tema “À procura de pontos comuns num mundo pós-Covid”.
Os cinco painéis foram as “Perspectivas sobre as relações entre a União Africana e a União Europeia”, a “Transição Justa da Matriz Energética”, “Made In Africa – Negócios Emergentes e em Aceleração”, “Cultura África a alimentar o Mundo”, e “Ligando os Desligados”.
O presidente do Conselho da Diáspora Portuguesa e organizador do Fórum Euro-África, Filipe de Botton, disse que o grande objectivo do encontro é reaproximar dois continentes que estiveram de costas voltadas até há pouco tempo.
“Vemos dois continentes gémeos que têm vivido de costas voltadas nos últimos 50 anos, e o grande objectivo do Fórum é conseguir uma reaproximação da Europa com a África, e que Portugal seja a plataforma instrumental para a relação entre os dois continentes”, disse Filipe de Botton.
O Conselho da Diáspora Portuguesa é uma organização privada sem fins lucrativos, com 95 membros em cinco continentes e tem por missão “alavancar o poder da diáspora, de forma a promover conversas e conexões globais sobre assuntos de cultura, impacto social, ciência, negócios e economia”, segundo a organização.
Há décadas que Mo Ibrahim distingue, ou critica, a boa governação em África. O magnata britânico de origem sudanesa continua a dizer as verdades, mesmo quando o mundo olha para o lado e assobia. Ele, ao contrário de outros, sabe que a verdade dói mas cura.
Mo Ibrahim responsabiliza as “falhas monumentais dos líderes africanos após a independência”, explicando sem meias palavras (coisa cada vez mais rara) que, “quando nasceram os primeiros Estados africanos independentes, nos anos 50, África estava melhor em termos económicos”.
Mo Ibrahim também diz que os interesses da Europa, por exemplo, apenas podem ser duravelmente garantidos pela democracia e não pelo apoio aos ditadores. Um recado claro – mas não escutado – que assenta plenamente no que se se passa há quase 47 anos em Angola.
“Se a Europa quer garantir a longo prazo os seus interesses, ela tem todo interesse em se aproximar dos povos africanos. Pensar que a conivência com os ditadores seria benéfica é um grande erro”, diz Mo Ibrahim.
“Não se justificam a fome, a ignorância e a doença que assolam África”, diz Mo Ibrahim, para quem a solução terá de passar obrigatoriamente por “bons líderes, boas instituições e boa governação”, sem os quais “não haverá Estado de Direito, não haverá desenvolvimento”.
Folha 8 com Lusa