O antigo primeiro-ministro angolano Marcolino Moco disse hoje que Angola precisa de um modelo de Estado “que reconheça a diversidade dos povos” e não que centralize o poder, criticando a “exclusão que persiste” no país desde a independência. É bom que os bons deixem de estar enclausurados no silêncio. Será que ainda vamos a tempo?
“O modelo de Estado que precisamos é aquele que reconheça a nossa diversidade, nós temos um Estado que parte do princípio que Angola é um só povo de Cabinda ao Cunene, uma palavra que já pronunciei muitas vezes na juventude, mas que hoje sei que está completamente errada”, afirmou hoje Marcolino Moco à Lusa.
Segundo o ex-governante angolano, Angola é constituída por vários povos, com diversidades específicas, mas o Estado angolano, frisou, tem funcionado como se essa realidade não existisse
“E por isso erra, centraliza, o poder é dado a uma só pessoa que é o Presidente da República”, disse, à margem da abertura do 1.º Congresso da Nação “Pensar Angola, por um Projecto Comum de Consenso”, que decorre em Luanda.
Para Marcolino Moco, um dos promotores do congresso que decorre até sábado, em Luanda, o conclave constitui um ganho, sobretudo pelas personalidades que congrega para pensar Angola e buscar consensos. De facto, é importante que os únicos donos do pensamento único há 46 anos saibam que há mais gente a pensar pela sua própria cabeça. E que, para além de pensar, também começam a agir.
“Este (encontro) é também um legado para os mais jovens, transmitimos aqui uma espécie de inconformismo para que não se satisfaçam com aquilo que tem estado a ocorrer no nosso país desde a independência, exclusão, exclusão e exclusão”, realçou.
No entender do antigo secretário-geral do MPLA (no poder desde 1975), a ideia de se buscar consensos para o país “é urgente, porque este pressuposto deveria ter acontecido em 1974 e 1975”.
“Não se devia ter permitido a saída de uma parte de angolanos, naquela altura chamados de colonos, porque a maioria era branco, mas foi um grande, erro porque eram angolanos e eram massa pensante que hoje deveria estar aqui connosco e contribuir para a integração de muitos problemas”, notou.
Recordou a actual problemática do emprego, saneamento básico e a perda dos valores éticos e morais, considerando que “tudo isso ficou destruído por causa desta ideia que persiste até hoje na exclusão”.
“Eu, porque fui eleito, sou aquilo, mando e faço, e o congresso é um espaço não de obtenção de resultados imediatos, mas de início também de um trabalho de pedagogia e de relançamento para Angola”, apontou.
Além de Marcolino Moco, o empresário Francisco Viana, académicos e o músico Eduardo Paim são os outros promotores deste congresso, que se iniciou hoje, em Viana, um dos nove municípios de Luanda, e decorre até sábado.
Contribuir para um projecto comum em prol de uma Angola “mais inclusiva, solidária e democrática” para um melhor esclarecimento pré-eleitoral sobre as propostas das forças políticas concorrentes às eleições gerais e criar um ambiente de paz e concórdia são os objectivos do encontro.
Marcolino Moco, que tem sido bastante crítico com a actual governação e o partido no poder, manifestou-se também “preocupado” com o actual ambiente pré-eleitoral, onde há “uma grande ânsia por alternância, mas quem detém o poder finge desconhecer” tal pretensão.
“Ora se se começasse por reconhecer a verdade, hoje o que seria o partido no poder? O que devia fazer é construir uma ponte para o futuro, de tal modo que continuando no poder ou não, não haja problema absolutamente nenhum”, defendeu.
“Temos de encarar esse problema de passagem do poder numa desportiva, mas devido essa diversidade, que não é encarada com naturalidade, dá-se a noção que vem um inimigo ao poder”, rematou Marcolino Moco.
Angola realiza as próximas eleições gerais, o quinto simulacro eleitoral na história política do país, na segunda quinzena de Agosto deste ano.
Académicos, líderes religiosos e actores da sociedade civil também constam entre os convidados e oradores dos debates que vão abordar o actual estado da nação e o futuro e os modelos de Estado, económico, a macroeconomia e o ambiente de negócios em Angola.
Futuro será futuro ou o passado no presente?
Em Julho de 2017, dezenas de pessoas reuniram-se, em Lisboa, para discutir o futuro de Angola. Vários participantes consideram que as eleições de Agosto desse ano poderiam ser “um momento de viragem” para o país. Não foi. Será que este ano será diferente? O melhor é esperar sentados em latas “Nido”, ou num adobe, à porta da cubata.
Eis o artigo então publicado pela DW sobre este assunto:
«O encontro, promovido pelas associações não-governamentais Frente Cívica e Transparência e Integridade e pelo jornal angolano Folha 8, contou com a participação de Marcolino Moco, ex-primeiro-ministro de Angola, José Marcos Mavungo, economista, filósofo e activista dos Direitos Humanos, e Sedrick de Carvalho, jornalista e activista político do grupo dos 15+2. A iniciativa, que decorreu sob o tema “Angola, Que Futuro?”, antecipa as eleições gerais marcadas para 23 de Agosto deste ano.
No debate, William Tonet, jornalista angolano, afirmou que “é preciso refundar Angola com base numa Constituição”. O também director do jornal Folha 8 disse ainda que, na sua opinião, o país é gerido apenas por linhas do constitucionalismo e não por uma Constituição.
Em entrevista à DW, à margem do evento, Marcolino Moco considerou que as próximas eleições constituem uma oportunidade única de mudança geracional em Angola. Afirmando que “o futuro depende sempre daquilo que fizermos agora”, o antigo primeiro-ministro de Angola frisa que se têm “perdido várias oportunidades”. “Seja qual for o resultado eleitoral teremos novos atores. Aquele que for eleito Presidente [da República] tem muitos poderes. Esperemos que os aproveite no sentido positivo e não no sentido trivial de acumular bens materiais para si e para os seus parentes”, acrescenta. Na mesma ocasião, o ex-primeiro ministro angolano lançou o apelo de mobilização para a mudança no país.
Marcos Mavungo, economista e activista dos Direitos Humanos, também defende a mudança política em Angola, apesar dos obstáculos e práticas do regime no poder que, a seu ver, põem em causa a democracia, minada também pela injustiça e pela corrupção.
Também Sedrick de Carvalgo, um dos 17 jovens activistas presos e julgados pelo regime de Luanda, falou à DW em defesa de uma democracia efectiva. Para o angolano, o facto de o “novo [candidato a] Presidente ser escolhido a dedo por José Eduardo dos Santos” é indicativo de que será “alguém que vai, pelo menos, seguir as marcas do seu antecessor”. Pode-se antever por isso, acrescenta, que “João Lourenço vai agir de forma maldosa, tal como tem agido o seu mentor, digamos, quem o indicou. E, certamente, vão ser anos difíceis para todos. É bom o facto de José Eduardo dos Santos não estar [mais na corrida eleitoral] porque isso também revitaliza as nossas forças para continuar a lutar. Afinal de contas, é possível escorraçar um indivíduo que está há muito tempo no poder”.
Segundo João Paulo Batalha, presidente da Transparência e Integridade, o que se pretende com esta iniciativa conjunta, em Lisboa, é “dar uma prova de vitalidade e diversidade da sociedade civil angolana e mostrar que o debate político não é exclusivo dos partidos ou dos candidatos, mas que há expectativas e exigências cívicas para o desenvolvimento de Angola a que os partidos têm de dar resposta”.
À DW África, Paulo de Morais, presidente da Frente Cívica, um dos promotores deste debate, afirmou que as próximas eleições constituem um momento de viragem para Angola. “Se houver uma capacidade dos angolanos em primeira instância, no momento de votar, provocarem uma mudança votando livremente na força política que entenderem, que leve a que a curto prazo se diminua a corrupção, então no médio e no longo prazo, poderemos vir a ter algum desenvolvimento para Angola e para os angolanos”, considerou.
Para este activista, que se tem batido contra a corrupção tanto em Portugal como em Angola, Portugal é onde se encontram os aliados do sistema corrupto e selvagem angolano. Por isso, defendeu, a corrupção angolana é uma questão que “todos temos de discutir, porque os seus efeitos não têm limites territoriais. Como tal, acrescentou, “a luta contra a corrupção não pode ter fronteiras”.
Antes do debate, foi também Paulo de Morais quem fez a apresentação do livro de Wiliam Tonet, “Cartilha do Delegado de Lista”. Trata-se de um guia prático para que os delegados das listas candidatas às próximas eleições angolanas possam zelar pela integridade do processo democrático.»
Folha 8 com Lusa
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