Óbvia e objectivamente, tu não és um ser isolado no mundo; és alguém pertencente a grupos com características diferentes e iguais às tuas. Nasceste num grupo ao qual estás ligado por laços consanguíneos, mas também afectivos, de afinidade, suscitando nos membros um espírito de pertença: na família, esse corpo não só físico, os membros pertencem-se.
Por Fernando Kawendimba
Escritor
A familiaridade é a maternidade para o parto natural da felicidade. Tens uma necessidade de companhia agradável, própria ou alheia, insaciável. A tua vida quotidiana faz sentido se estiveres com alguém, ainda que seja somente nas perspectivas de ideias: memórias, sonhos, imagens. Antes mesmo do minuto inicial da tua existência concreta, iam-se confirmando as reservas dos espaços que ocuparias, bem como os aliados com quem manterias relações humanas fundamentais na tua vida.
És um ser humano concebido por outro, gerado por um casal formado por uma mulher e um homem. É óbvio, é natural, é lógico. Pois é. Na altura da tua concepção, ainda no ventre, enquanto zigoto, já mantinhas a tua primeira relação interpessoal. Segundo a percepção geral dos adultos, já cientes da realidade, talvez nessa relação os teus pais, com especial realce para a tua mãe que te acolhia dentro dela, eram mais activos do que tu: sabiam que tu existias, sentiam o impacto do teu desenvolvimento intra-uterino, pelas consultas médicas colhiam informações do teu estado pelos especialistas, criavam condições possíveis para a tua chegada à “luz”… entre tantas outras actividades propositadas pelo evento da tua existência como mais um membro único, irrepetível e especial na família, da família, com a família. Tu és uma potencial fonte e foz de riqueza da família que conhece e ama a vida humana.
Nas etapas seguintes de desenvolvimento humano, segue-se a da necessidade natural e cultural de te relacionares com os outros; para além dos pais, os irmãos e outros: familiares e pessoas estranhas, amigos e inimigos, conhecidos e não conhecidos, pelos mundos real e virtual, pela cultura que paulatinamente vais herdando enquanto te desenvolves e a experiência que adquires ao longo dos anos, adicionadas à tendência genética do teu comportamento, vais conhecendo uma maneira peculiar de lidar com as outras pessoas.
Certamente tens uma forma de encarar a realidade que não se assemelha em tudo a de quando eras uma criança, nas diferentes fases que essa idade compreende em si. Os teus amigos, provavelmente, não são os mesmos. Se calhar, optaste por novos critérios de selecção destes ou dos ambientes que frequentas. Em função dos conselhos ou experiências tuas e alheias que acessaste até ao momento, tens preferências actualizadas sobre as relações interpessoais no geral. Isso é importante, pois as pessoas são diferentes, a começar por ti, e o sucesso de uma boa relação passa pelo conhecimento que nós temos uns dos outros, a admissão de que somente as diferenças fazem sentido para a unidade e igualdade.
Tu és parcialmente o que herdaste geneticamente da tua família através dos teus progenitores, és em parte o que da cultura e da sociedade tens aprendido e apreendido… vais sendo aquilo que desejas e investes para ser, com a diferença das indiferenças que às vezes as circunstâncias manifestam. A influência que natural e culturalmente o outro exerce sobre ti é um facto fundamental. Por isso não deves descartar a atenção para estas relações humanas que empreendes dia-após-dia. Não faças ao outro o que não gostarias que fizessem a ti. Esta velha máxima será sempre nova. Utiliza-a através das tuas acções. Embora, por parte de certas pessoas, ela tem sido mais falada do que praticada. Por isso, em teoria, o mundo é um bom lugar para viver; na realidade, é um bom lugar se assim o conservares. Isso requer fazer o bem ao próximo, dentro e fora da família.
A gente casa com a educação em casa, onde começa. Uma frase célebre, que soa bem e que ostenta uma verdade inevitável embora às vezes abortada. Abortada porque nem sempre esses dizeres correspondem à realidade; às vezes, simplesmente convergem no ideal de uma mentalidade cultivada na ética. Para todos os efeitos, se – na realidade – a tua educação não começou em casa, em família, deveria ter começado. A família deve acolher-te com todo o amor que conseguir reservar para te fornecer, ou melhor, para te ir fornecendo para que sejas cheio dele e, desde a primeira hora, esse afecto seja um ingrediente expressivo da tua constituição. Espera-se que a tua ligação com os outros membros da tua família seja consistente, resistente e persistentemente útil. As relações humanas, de um modo geral, são úteis e fazem parte do teu modus vivendi. No fundo, a família atravessa as fronteiras e barreiras da biologia e genética. A família mais social.
A família é o primeiro palco de ensaio, de actuação e de vivência dessas relações. Nela és um actor amador que até pode vir a ser profissional; mas, jamais passarás de um aprendiz, pois, no fundo, as pessoas transformam-se constantemente, nós nunca as conhecemos de modo exaustivo e as circunstâncias são sempre novas, diferentes, surpreendentes. Todos mudam, inclusive tu: isto é imutável, intemporal. Ainda bem, porque todos temos chances de melhorar o nosso desempenho, ultrapassar situações desagradáveis, recomeçar. Daí que tens de estudar tudo e todos de novo, sempre, mesmo sem teres desaprendido nada nem ninguém, nunca.
Tendo vindo ao mundo por meio da família, é por ela que em primeira instância tu te tornas num elemento que se relaciona com os outros. Substancialmente, somos todos seres humanos e devemos respeitar-nos como tal; somos iguais na essência. Desde o ponto de vista criacionista, somos obra do mesmo Autor; os artistas autênticos têm sempre um carinho especial por cada uma das suas criações, sendo geralmente embaraçoso para eles emitir alguma preferência entre elas. Amam todas as suas produções de igual modo, tendo em conta a entrega máxima em cada instante de inspiração e efectivação. Ainda que tenhas a percepção de que estejas a ser mais ou menos amado que os outros, descarta a tua inferioridade e/ou superioridade e mantém a tua unicidade desperta. Da família herdaste características genéticas manifestas na tua aparência ou não e o mais provável é que também tenhas recebido dela valores culturais que fazem de ti a pessoa que actualmente és, que foste e que queiras ser.
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