O Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) confirmou que 160 funcionários da Sodiba, empresa de Isabel dos Santos que foi alvo de arresto, têm salários em atraso, garantindo estar à procura de uma solução.
“Estamos à procura de uma solução que permita desbloquear os recursos financeiros necessários para investir na linha de produção da Luandina e da Sagres”, disse uma fonte do IGAPE, escusando-se a detalhar quais os valores estimados. “Não há ainda um valor definido, estamos a analisar com a gestão da Sodiba”, acrescentou.
A Sodiba, fábrica de cerveja pertencente a Isabel dos Santos, filha do antigo presidente angolano José Eduardo dos Santos foi alvo de arresto em Dezembro de 2019 por ordem do Tribunal Provincial de Luanda.
Na altura, a gerência da Sodiba foi nomeada como fiel depositaria das quotas, situação que se manteve até Fevereiro de 2022, altura em que foi o IGAPE a assumir-se como fiel depositário das participações sociais.
O IGAPE explicou, num comunicado, divulgado na sexta-feira que a decisão foi tomada em função de um requerimento apresentado pelo Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SENRA) da Procuradoria-Geral da República (PGR) junto do Tribunal, face ao risco de paralisação das operações, “em função da situação de stress financeiro em que a empresa se encontra”.
“Importa dar nota que a Sodiba padece de um desequilíbrio financeiro estrutural, já que não gera receitas suficientes para cobrir o custo do serviço da dívida contraída junto dos bancos, nomeadamente para o investimento na fábrica”, acrescentou o IGAPE.
O IGAPE salienta ainda que “nunca assumiu e, nem sequer é essa a sua vocação, a gestão da referida empresa”, rejeitando responsabilidades nos atrasos no pagamento de salários, “tarefa que compete unicamente à gerência da sociedade que, ainda não foi alvo de qualquer intervenção ou alteração por parte do fiel depositário”
Em causa estão os 160 trabalhadores da área de distribuição da Sodiba que não foram abrangidos pelo contrato de cessão da exploração da fábrica, celebrado em arço de 2021, com a empresa de bebidas Refriango.
Nos termos deste contrato mais de 250 trabalhadores da Sodiba transitaram para a Refriango, que assumiu o compromisso de pagar os respectivos salários, excepto os trabalhadores da área de distribuição, cuja remuneração depende da venda dos produtos das marcas originarias da Sodiba (Luandina e Sagres) que não são suficientes para cobrir o custo da referida distribuição.
A falta de investimento na linha de produção em que são fabricadas estas cervejas levou à paragem da produção e, sem produto para vender, os trabalhadores cuja remuneração depende das vendas ficaram também sem receber.
O IGAPE garantiu, no comunicado, que está em busca de “soluções que permitam garantir a continuidade das operações, preservação do valor patrimonial e a mitigação do risco social inerente a paralisação da empresa”, em conjunto com os órgãos intervenientes neste processo.
No dia 5 de Fevereiro de 2020, o Folha 8 noticiou que as operações da fabricante de cervejas angolana Sodiba podiam colapsar “a curto prazo”, na sequência do arresto dos bens da empresária Isabel dos Santos e do seu marido, Sindika Dokolo, accionistas únicos da empresa.
Mas isso, a acontecer, não preocupa a “pujante” economia do reino do MPLA, embora preocupe – e muito – a economia angolana que está a colapsar. Acresce que João Lourenço até nem bebe… Sagres nem Luandina!
De acordo com um artigo publicado na edição desse dia do semanário Valor Económico, que citava o presidente do Conselho Administrativo (PCA) da Sodiba, Luís Correia, a empresa responsável pela produção das cervejas Sagres e Luandina necessitava de “investimento contínuo e permanente”.
Segundo o executivo, a empresa criada em 2016, para a produção local da marca portuguesa Sagres, necessitava de um investimento em vasilhames avaliado em 1,5 mil milhões de kwanzas (2,75 milhões de euros).
“Isto é o mínimo para permitir às marcas crescerem em linha com as necessidades da empresa”, afirmou Luís Correia, que acreditava que a administração tinha até à altura feito “um percurso de crescimento” e que tem apresentado “bons resultados”, tanto a nível nacional, como a nível internacional.
O PCA da Sodiba vincou que “sem a capacidade de os accionistas apoiarem, o risco de colapso será uma realidade a curto prazo”.
O gestor assinalou que o apoio dos accionistas “estava previsto em orçamento e plano de negócios até ao final do próximo ano [2021]”, altura em que a empresa previa assumir independência do investimento dos accionistas.
A Sodiba detinha ainda uma participação de 51% na produtora de embalagens de vidro Embalvidro – também detida pela Industrial Africa Development (IAD) – “cuja inauguração estava inicialmente prevista para 2019”.
O semanário referia ainda que a falência da Sodiba podia colocar cerca de 500 pessoas no desemprego.
Em Dezembro de 2019, o Tribunal Provincial de Luanda decretou o arresto preventivo de contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos, do marido, o congolês Sindika Dokolo, e do português Mário da Silva, além de nove empresas nas quais a empresária detinha participações sociais.
Com o arresto, a Sodiba foi uma das mais afectadas, uma vez que contava apenas com Isabel dos Santos e Sindika Dokolo como accionistas.
O pomposamente chamado Consórcio Internacional de Jornalismo de (suposta) Investigação (ICIJ) revelou em 19 de Janeiro de 2020 mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de ‘Luanda Leaks’, que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e de Sindika Dokolo (entretanto falecido), que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano, utilizando paraísos fiscais.
Isabel dos Santos, que foi constituída arguida pelo Ministério Público de Angola, por suspeita de má gestão e desvio de fundos da companhia petrolífera estatal Sonangol, onde esteve 18 meses, disse estar a ser vítima de um ataque político.
A empresária refutou o que descreveu como “alegações infundadas e falsas afirmações” e anunciou que iria avançar com acções em tribunal contra o consórcio de jornalistas que divulgou a o dossier ‘Luanda Leaks’, reafirmando que os investimentos que fez em Portugal tiveram uma origem lícita.
De acordo com a leitura do consórcio, Isabel dos Santos terá montado um esquema de ocultação que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para uma empresa sediada no Dubai.
A Sodiba – Sociedade de Distribuição de Bebidas de Angola, Limitada foi constituída em Outubro de 2013, dando início à construção da sua fábrica, no Bom Jesus, em 2014. Um projecto que começou a ser preparado em 2004, que em 2017 assinalou momentos de grande sucesso e que, em 2018, prometeu não deixar o mercado indiferente.
Com uma estratégia multimarca, o seu core assenta na produção e distribuição de cerveja, no entanto, pretendia também abraçar outros segmentos de bebidas, como as águas engarrafadas, refrigerantes, polpas e concentrados, espirituosas, ready to drink, entre outras.
Para superar os desafios, a empresa afirmou ter ciado uma equipa que reunia experiências multidisciplinares e internacionais, com foco em trazer, desenvolver e capitalizar as melhores práticas multinacionais em Angola, empregando e formando maioritariamente colaboradores angolanos.
Em termos económicos, a empresa disse que a aposta no sector das bebidas promove a diversificação da economia angolana, ao contribuir para o crescimento da industria nacional e para a redução da necessidade de importação de bebidas, bem como ao estabelecer parcerias com produtores e empresas nacionais, para obtenção de matérias-primas.
O complexo industrial no Bom Jesus foi considerado como um primeiro grande passo para o caminho que a Sodiba pretendia percorrer enquanto promotora da diversificação da economia angolana.
A capacidade produtiva da fábrica perspectivava a redução significativa da importação de bebidas, numa primeira fase, no segmento das cervejas e, futuramente, noutros segmentos como águas e refrigerantes.
A Sodiba dizia que no âmbito deste projecto de produção de bebidas, seriam ainda desenvolvidas outras actividades, nomeadamente parcerias com produtores e empresas nacionais, para obtenção das matérias-primas necessárias ao fabrico da cerveja, bem como material de embalagem, entre outros produtos.
A empresa considerava como essencial garantir o processo de formação e capacitação continua dos recursos humanos, elemento central do seu programa de responsabilidade social. Para este efeito, construiu um amplo Programa de Formação Interna, que contemplou vários blocos de formação distintos. Este plano incluía formação técnica, formação comportamental e formação em ambiente fabril. Neste contexto, viajaram, para a Europa, técnicos angolanos que assim tiveram a oportunidade de trabalhar numa unidade industrial do Grupo Heineken, e absorver técnicas e conhecimentos, inseridos numa fábrica de um dos líderes mundiais do sector.
Nos primeiros seis meses de operação, a empresa ministrou 85.000 horas de formação totais aos colaboradores, estando alinhados com as melhores práticas internacionais, no que diz respeito a desenvolvimento de pessoas.
Através da implementação desta metodologia, a Sodiba reuniu experiencias multidisciplinares e multinacionais, qualificando assim os quadros angolanos de acordo com os padrões de excelência internacionais.
Folha 8 com Lusa