Quem, no caso da Ucrânia, ataca (com razão) os EUA e a União Europeia (UE) por erros do passado em África, por exemplo, está a legitimar e a ser conivente com a guerra movida por Vladimir Putin. Quem se abstém de condenar o agressor está a condenar o agredido. Infelizmente os intelectuais angolanos, mesmo os que dizem não ser do MPLA, tal como o próprio MPLA, estão a condenar o agredido. E que melhor forma de condenar o agredido do que usarmos o nosso congénito complexo de inferioridade, pondo na ribalta o… racismo?
Por Orlando Castro
Em Angola todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há pessoas que morrem de barriga vazia, 70% da população passa fome, existem 20 milhões de pobres. A culpa é dos EUA, da UE, de Portugal, do racismo?
Cerca de 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos. A culpa é dos EUA, da UE, de Portugal, do racismo?
No “ranking” que analisa a corrupção, Angola está entre os primeiros. A dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos. O silêncio de muitos, ou omissão, deve-se à coacção e às ameaças do partido que está no poder desde 1975. A culpa é dos EUA, da UE, de Portugal, do racismo?
O acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder. A culpa é dos EUA, da UE, de Portugal, do racismo?
Uma emblemática sala de espectáculos do Porto (Portugal).
Uma senhora barafusta com o assistente de sala
por não a deixar entrar por uma determinada porta.
Ele explicou: “O seu bilhete indica que a porta de entrada é outra”.
Irritada e aos berros a senhora dizia:
“Está a fazer isso porque eu sou negra”…
Em 22 de Janeiro de 2019, a Embaixada de Angola em Portugal anunciou que estava atenta ao apuramento de responsabilidades no caso que ocorreu no Bairro da Jamaica, no Seixal, apelando aos cidadãos angolanos que “se abstenham de acções negativas”. Foi um bom conselho, sobretudo quando nas redes sociais aumentava exponencialmente a antipatia, e mesmo ódio, contra os portugueses.
“A Embaixada da República de Angola em Portugal tomou conhecimento de uma rixa entre duas senhoras, sendo uma cidadã angolana, depois de terem saído de uma festa, no Bairro Jamaica. Lamentavelmente, ao responder ao apelo feito por uma das partes, as autoridades policiais viram-se envolvidas numa situação de resistência, desrespeito e agressão às autoridades o que derivou no uso excessivo da força exercida contra familiares da cidadã angolana que acorreram ao local”, referiu a embaixada em comunicado.
O documento acrescentava que as imagens divulgadas nas redes sociais, sobre o incidente, foram acompanhadas de “apelos à exacerbação dos ânimos e atitudes incontidas e de intolerância de vária índole”.
“Ao tomar conhecimento dos referidos factos, o Consulado Geral de Angola em Lisboa, deslocou-se de imediato ao local e prestou o apoio consular aos membros da família nos termos da lei e das suas atribuições, inclusive junto das instâncias policiais e judiciais portuguesas, no âmbito das quais foram e estão a ser feitas as averiguações necessárias e apuradas as devidas responsabilidades”, frisa o comunicado.
Em relação aos casos de desordem pública que ocorreram posteriormente, a Embaixada de Angola reprovou os actos, garantindo que iria denunciar “quaisquer tentativas de aproveitamento ou a intenção de ligação desses desacatos que põem em causa a tranquilidade e ordem pública”.
“Assim, apela aos cidadãos angolanos a assumir uma atitude de serenidade e civismo, respeitando as leis e a ordem pública do país de acolhimento, abstendo-se de acções negativas e de participar em actos que mais não são do que aproveitamentos alheios com fins inconfessos”, salientava o comunicado.
A Polícia de Segurança Pública (PSP) de Portugal reforçou o policiamento com elementos da Unidade Especial de Polícia na Bela Vista, em Setúbal, e em algumas zonas de Loures e Odivelas (distrito de Lisboa), após incidentes registados com o lançamento de “cocktails Molotov” contra uma esquadra e o incêndio de caixotes de lixo e de várias viaturas.
Em comunicado, a PSP informou que continuava as investigações a estes incidentes, “nada indiciando, até ao momento, que estejam associados à manifestação” de protesto contra uma intervenção policial no Bairro da Jamaica.
Após a manifestação em frente ao Ministério da Administração Interna, em Lisboa, quatro pessoas foram detidas na sequência do apedrejamento de elementos da PSP por participantes no protesto, convocado para dizer “basta à violência policial” e “abaixo o racismo”.
Este protesto ocorreu um dia depois de incidentes em Vale de Chícharos, conhecido por Bairro da Jamaica, entre a PSP e moradores, de que resultaram feridos cinco civis e um polícia, sem gravidade.
A culpa, dirão agora os arautos pró-Rússia, é dos EUA, da UE, de Portugal, do racismo.
Enquanto isso, a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) acusou algumas entidades políticas e associativas, como o Bloco de Esquerda (BE) e a associação SOS Racismo, de incitamento à violência e de colocarem a população contra a polícia.
O Sindicato Nacional da Polícia – SINAPOL, também acusou responsáveis políticos e a SOS Racismo de produzirem “declarações insensatas”.
“Os comentários de entidades políticas, como o Bloco de Esquerda, e da associação SOS Racismo não vieram contribuir para a solução do problema. Tiveram um objectivo contrário e incitaram à violência”, disse à agência Lusa o presidente da ASPP, Paulo Rodrigues, depois dos incidentes, nomeadamente o ataque com cocktails Molotov contra a esquadra da PSP da Bela Vista, em Setúbal.
Paulo Rodrigues considerou “inadmissíveis” os comentários que “colocam a população contra a polícia” e adiantou que criam a ideia de que é legítimo tentar agredir a polícia.
O sindicalista adiantou que houve uma tentativa de classificar a PSP como racista e xenófoba. Paulo Rodrigues referia-se à deputada do BE Joana Mortágua, que partilhou nas redes sociais um vídeo dos incidentes no bairro da Jamaica, e comentou que os bloquistas iriam pedir responsabilidades.
A associação SOS Racismo anunciou que iria apresentar uma queixa ao Ministério Público na sequência da intervenção policial, sublinhando que as agressões “são absolutamente injustificáveis e inaceitáveis” e, por isso, o caso deve ser esclarecido e as responsabilidades apuradas.
Também o dirigente da SOS Racismo e, na altura, assessor do Bloco de Esquerda, Mamadou Ba, publicou um texto na rede social Facebook em que fala da “violência policial” no bairro da Jamaica, no Seixal, e dos confrontos, referindo-se à polícia como “a bosta da bófia”.
O SINAPOL disse repudiar todos os actos de violência e considerou “verdadeiramente preocupante” que “incentivos gratuitos” à violência contra polícias sejam também induzidos pela SOS Racismo, o que “acaba por agravar situações” que já têm um cariz “explosivo”.
A culpa é dos EUA, da UE, de Portugal, do racismo? Pelo menos há uma certeza. A culpa nunca é dos angolanos, dos africanos, dos dirigentes políticos africanos. É sempre dos outros. E quando faltam argumentos e factos, existe a bomba atómica que serve para tudo: racismo.
[…] Resource web link . […]