O Governo angolano anunciou hoje estar a preparar a retirada dos seus cidadãos em fuga da guerra movida pela Rússia à Ucrânia, estando “em estreita ligação” com as suas representações diplomáticas na Rússia, Polónia, Sérvia e Hungria.
Em comunicado, o Ministério das Relações Exteriores angolano diz estar “a trabalhar para a efectivação do Plano de Contingência de Evacuação no sentido de assegurar a devida protecção consular dos cidadãos angolanos que se encontram retidos nas áreas de conflito na Ucrânia”.
O ministério acrescenta estar “em estreita ligação com as representações diplomáticas da República de Angola na Federação Russa, Polónia, Sérvia e Hungria” para que disponibilizem “todo o apoio indispensável neste momento difícil”.
O Executivo, que supostamente está a ser neutral em relação a esta guerra (o que só por si significa estar a favor do invasor, a Rússia), pede a todos os cidadãos angolanos que colaborem com as instituições angolanas acreditadas nestes países e manifesta “o seu apreço” pela colaboração dos líderes das comunidades angolanas nas zonas afectadas, exortando-os a continuarem a “trabalhar para a mobilização massiva de todos os cidadãos nacionais”.
Um grupo de 168 angolanos residentes na Ucrânia terá chegado no domingo à Polónia.
A Embaixada de Angola na Polónia está a proceder desde sábado, por um período de sete dias, ao acolhimento e retirada dos estudantes angolanos “que o desejarem” no posto fronteiriço de Korczowa-Krokowets, aconselhando-os a fazerem-se acompanhar dos respectivos documentos de viagem, segundo um comunicado do consulado de Angola no Reino Unido.
Os governos africanos, da África do Sul à República Democrática do Congo, estão a tentar facilitar a passagem dos seus cidadãos nas fronteiras, enviando diplomatas para o terreno, perante acusações de tratamento discriminatório.
A União Africana classificou na segunda-feira como “chocantemente racista” que cidadãos africanos sejam impedidos de fugir do conflito na Ucrânia, apelando a todos os países que respeitem a lei internacional e apoiem quem foge da guerra, independentemente da sua raça.
As autoridades polacas já asseguraram que “todas as pessoas recebem um tratamento igual” na fronteira.
Cerca de 677.000 pessoas já fugiram da Ucrânia e o número de deslocados no interior do país já atinge um milhão de pessoas, segundo a ONU.
A Rússia lançou na quinta-feira de madrugada uma ofensiva militar na Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamento de alvos em várias cidades, que já mataram mais de 350 civis, incluindo crianças, segundo Kiev.
O Presidente russo, Vladimir Putin, disse que a “operação militar especial” na Ucrânia visa desmilitarizar e “desnazificar” o país vizinho e que era a única maneira de a Rússia se defender, precisando o Kremlin que a ofensiva durará o tempo necessário.
O ataque foi condenado pela generalidade da comunidade internacional e a União Europeia e os Estados Unidos, entre outros, responderam com o envio de armas e munições para a Ucrânia e o reforço de sanções para isolar ainda mais Moscovo.
Entretanto, o chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, instou hoje as autoridades fronteiriças a darem “iguais oportunidades” aos africanos que tentam sair da Ucrânia, após a invasão russa, para poderem regressar aos países de origem “em segurança”.
“A mensagem de Dmytro Kuleba [ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia] é clara e precisa: os africanos que tentam sair da Ucrânia devem ter acesso às mesmas oportunidades para regressarem aos seus países de origem em segurança”, escreveu Josep Borrell, numa publicação na rede social Twitter.
Numa altura em que surgem vários relatos de discriminação por parte das autoridades fronteiriças face aos africanos que querem sair da Ucrânia, o Alto Representante da UE para a Política Externa adiantou estar “grato aos esforços do Governo da Ucrânia nesta frente”.
Horas antes, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmytro Kuleba, afirmou também no Twitter que “a invasão russa da Ucrânia tem afectado os ucranianos e os não residentes de muitas formas devastadoras”.
“Os africanos que procuram sair [do país] são nossos amigos e devem ter as mesmas oportunidades para regressarem aos seus países de origem”, pelo que “o Governo da Ucrânia não se poupará a esforços para resolver o problema”, adiantou Dmytro Kuleba.
À semelhança de centenas de milhares de pessoas, muitos africanos – na sua maioria estudantes – estão a tentar fugir da Ucrânia para os países vizinhos, incluindo a Polónia, mas a enfrentar um tratamento discriminatório nas estradas e nas fronteiras ucranianas, de acordo com várias organizações não-governamentais.
Recorde-se que o presidente da Associação dos Angolanos na Ucrânia, Manuel Assunção, garantiu à DW que a sua organização conseguiu retirar da zona de conflito na Ucrânia cerca de 90 cidadãos angolanos e de outras nacionalidades, sem receber qualquer apoio do Estado angolano.
O líder da associação dos angolanos reitera a determinação de continuar o processo de retirada dos compatriotas até que último angolano abandone o país. Conta que há seis dias que os estudantes angolanos lutam sozinhos.
“Uma luta, desde o primeiro dia! Chegamos à cidade que faz fronteira e pegámos os táxis, foram para a fronteira, foram 2 horas e meia, mas a fronteira estava congestionada e deixaram-nos a 30 km da fronteira, tivemos que caminhar a pé 30 km”, conta.
Manuel Assunção revelou que na fronteira “as pessoas ficaram expostas a uma grande confusão a noite toda. Houve desmaios, houve casos de racismo… Mas no dia seguinte mudámos a lógica de entrada na Polónia e descobrimos uma embaixada alternativa.”
O jovem diz que, nestes momentos, apenas se pode confiar a solidariedade e interajuda entre os cidadãos afectados.
“Nós saímos por meios próprios. Cada um foi pegando no seu valor. Pagámos os taxis do nosso próprio bolso. Os estudantes foram ajudando uns aos outros”, conta.
A DW contactou nesta terça-feira (01.03) a Embaixada de Angola em Varsóvia, para saber que tipo de apoio os serviços consulares estão a prestar aos seus cidadãos. Mas a representação diplomática, no entanto, não deu as explicações desejadas, avisando que “qualquer informação sobre a matéria deverá ser transmitida pelo Ministério das Relações Exteriores da República de Angola.”
Manuel Assunção reafirma que as notícias de que o Governo angolano terá apoiado financeiramente a retida dos angolanos da Ucrânia, não correspondem à verdade.
“Pedimos apoio, mas não chegaram nenhuns apoios. Mas era urgente. Aqui tem guerra de verdade. Neste momento as cidades da Ucrânia estão ameaçadas. E todo o mundo quer sair daqui,” afirmou.
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