A UNITA anunciou hoje que vai requerer a audição parlamentar do presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e questionou a escolha da empresa INDRA, velha e querida conhecida (amiga) do MPLA, já condenada em Espanha por comissões ilegais, para organizar a logística das eleições gerais agendadas para Agosto.
“Porquê contratar uma empresa conotada com organização de fraudes eleitorais em África e na América Latina? Porquê contratar uma empresa amiga das ditaduras do mundo”, questionou, em conferência de imprensa o presidente do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiaka, destacando que a INDRA é “rejeitada no país de origem”.
Liberty Chiaka questionou ainda qual o procedimento adoptado (concurso público ou ajuste directo) para a escolha da empresa e se houve outros concorrentes.
A consultora espanhola tem sido apontada pelos partidos da oposição angolana, e não só, como estando ligada à fraude e favorecimentos eleitorais e segundo o jornal El Confidencial foi multada pela Agência Tributária de Espanha, no âmbito de uma investigação pelo pagamento de comissões ilegais de 2,4 milhões de euros, durante as presidenciais angolanas de 2012.
A empresa reconheceu “deficiências de gestão” em relação a Angola, mas negou o pagamento de comissões ilegais, admitindo que foi investigada pela Agência Tributária em 2015.
Liberty Chiaka criticou também o facto de as iniciativas da UNITA, incluindo debates sobre a transparência na contratação pública e o combate à corrupção terem sido bloqueadas, na passada semana, pela maioria parlamentar do MPLA, enquanto o presidente do partido do poder, e chefe do executivo angolano, João Lourenço, juntava “a sua máquina eleitoral” no Menongue (capital da província do Cuando Cubango) para acusar a oposição de querer atingir o poder a qualquer preço.
“Felizmente o povo angolano sabe que se trata de uma acusação sem qualquer fundamento. Não pode haver em Angola quem queira tomar o poder do povo, por que o povo já tomou o poder quando conquistou a independência e a democracia, já existe um calendário político eleitoral para o povo exercer o seu poder”, sublinhou o dirigente da UNITA, apelando aos “representantes do povo cujo mandato está a terminar que deixem de desrespeitar a Constituição da República e a lei”.
No âmbito da sua acção fiscalizadora, Liiberty Chiaka, afirmou que o grupo parlamentar vai recorrer a outros instrumentos para ultrapassar o bloqueio da maioria parlamentar, pedindo audições do ministro do Interior, Eugénio Laborinho, e do comandante-geral da Polícia Nacional “sobre o estranho aumento da violência policial num ano eleitoral”
A UNITA quer também ouvir a ministra das Finanças, Vera Daves, sobre a “prática reiterada” do ajuste directo na contratação pública, bem como o presidente da CNE, Manuel Pereira da Silva “Manico”, mostrando-se “extremamente preocupada” com informações que apontam para a contratação da INDRA para organizar a logística para as eleições gerais de Agosto de 2022
Uma velha, sólida e lucrativa amizade
Há dez anos (2012), a INDRA recusou-se a comentar as declarações da UNITA sobre a sua contratação para o processo eleitoral em Angola, afirmando que a sua participação no acto eleitoral é puramente “técnica e tecnológica”.
A INDRA tem toda a razão. Desde logo porque sabe que dólares é algo que o regime do MPLA tem de sobra, pouco importando o resto. E, como sempre, o cliente tem sempre razão. Então quando “fabrica” dólares em doses industriais… nada mais conta.
A INDRA diz que tem no seu currículo dezenas de processos eleitorais que já conduziu em vários países, incluindo Portugal e Espanha. Não sabemos se isso, no que tange ao reino lusófono do sul da Europa, abona. Sabemos, contudo, que meter no mesmo cesto as eleições portuguesas e as angolanas é o mesmo que meter um elefante no buraco de uma agulha.
“Não entramos em temas políticos. Em Angola estamos a fazer apenas desenvolvimento técnico e tecnológico”, afirmou na altura uma fonte da INDRA, em resposta às acusações da UNITA de falta de transparência da Comissão Nacional Eleitoral na preparação das eleições gerais de 2012, que incluiu (claro) a escolha da INDRA.
A IDRA, apesar de saber que Angola (ainda) não é um Estado de Direito Democrático, explicava que “ganhou o concurso público convocado pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE) de Angola para realizar o escrutínio provisório e fornecer o material eleitoral das eleições gerais”.
“A INDRA foi seleccionada por contar com a proposta mais alinhada com as necessidades do organismo eleitoral”, referuiu a empresa, recordando “a experiência do projecto realizado nas eleições legislativas de 2008”.
Pois é. E é aqui que a hiena deixa de chorar e passa a cantar o hino do MPLA.
Para as eleições de 2008, entre o material desenhado, produzido, transportado, armazenado e distribuído pela INDRA em todo o território angolano encontravam-se, disse a empresa: “13.000 Kits eleitorais, 26 milhões de cédulas, 65.000 urnas de votação, 54.000 cabines de votação, incluindo cabines para portadores de necessidades especiais, 108.000 latas de tinta indelével e 8.500 PDAs para o controlo e informação ao eleitor”.
“O projecto – para o qual cerca de 8 milhões de eleitores haviam sido chamados a votar, contando com mais de 12.200 colégios de votação – implicou o desenvolvimento de sistemas de transmissão de dados, o processamento, a totalização e a difusão de resultados, ao mesmo tempo em que presumiu o emprego de infra-estruturas de Tecnologias de Informação, o desenvolvimento de software, a formação do pessoal local e o transporte do material eleitoral directamente da Espanha para Angola, para o qual foram fretados mais de 10 aviões Boeing 747”, afirmou também a INDRA.
Ora, por falha (obviamente involuntária) nos equipamentos de controlo das autoridades angolanas, quase todos comprados em contrabando, o governo de Eduardo dos Santos referiu que apenas tinham sido comprados 10 milhões e 350 mil boletins de votos.
Tratou-se pois de um ligeiro e involuntário engano do regime. Isto porque, fazendo fé na mega manifestação de apoio a José Eduardo dos Santos então realizada, Angola tinha bem mais (mas muito mais) do que vinte milhões de habitantes.
Ora se, de facto, todos esses milhões votavam no MPLA e ainda haveria alguns votos residuais nos outros partidos, obviamente que a encomenda foi de 26 milhões de votos. Não há, portanto, razões para pôr em dúvida a honorabilidade da CNE e do regime, sendo que as duas organizações (uma só, na prática) são constituídas por cidadãos impolutos.
Ao longo dos últimos trinta e tal anos, a INDRA apoiou mais de 350 processos eleitorais com mais 3.000 milhões de eleitores em 21 países, adaptando a sua tecnologia às necessidades concretas e legislações diferentes de cada uma dessas nações.
Mas ninguém, nem mesmo a UNITA, duvidava na altura ou duvida hoje, que a INDRA responde com toda a eficiência tecnológica às necessidades de cada regime. Isso só prova, aliás, que o MPLA tem toda a razão em continuar a escolher a INDRA. E a INDRA não está, nunca esteve nem estará, preocupada se as eleições são livres ou, até, se um regime que tem como presidente alguém nunca nominalmente eleito tem alguma espécie de legitimidade democrática e legal.
A escolha da INDRA suscitou em 2012 fortes críticas da UNITA, que recordou o facto de em 2008 ter sido esta mesma empresa que forneceu os equipamentos e a gerir o processamento do escrutínio, vencido de forma confortável pelo MPLA, partido no poder desde a independência, em 1975, com 81,64 por cento dos votos.
A UNITA acusou também a CNE de ter assinado um contrato de prestação de serviços com a INDRA no valor de 130 milhões de dólares, quando, a preços de mercado, bastavam 25 milhões de dólares para os equipamentos e assegurar a transmissão dos dados da votação a partir dos 164 municípios.
É certo que a CNE, sucursal eleitoral do MPLA, garante que todos os processos eleitorais foram preparados “com lisura, transparência, com vista à consolidação da ainda jovem democracia”, por isso manifesta a sua “preocupação face às notícias veiculadas”, que “põem em causa a legalidade das deliberações tomadas pelo plenário”.
A transparência é tanta, tal como em 2008, tal como em 2012, tal como em 2017,que até os mortos vão votar (desde que o façam no MPLA), é tanta que também vão repetir-se os casos em que em alguns círculos eleitorais vão aparecer mais votos do que eleitores inscritos.
União Europeia pronta para dizer amém
A União Europeia (UE) anunciou hoje que “está pronta” para acompanhar as eleições gerais em Angola, e “mantém diálogo” com o Governo e com todos parceiros importantes no processo, mas o MPLA “ainda não manifestou interesse”.
A embaixadora da UE em Angola, Jeannette Seppen, augurou que as próximas eleições gerais, previstas para a segunda quinzena de Agosto, sirvam para reforçar a democracia no país.
“Como para todas as eleições, esperamos que seja um momento em que os cidadãos angolanos possam exprimir a sua voz, a sua preferência eleitoral e que vai, mais uma vez, ser uma etapa para Angola avançar na sua democracia”, afirmou a diplomata europeia, em Luanda.
Segundo Jeannete Seppen, o bloco europeu está pronto para acompanhar as eleições em Angola, “mas ainda não sabe” se observadores da UE estarão em Angola, já que “decorrem neste momento conversas com o Governo angolano e com todos os importantes parceiros nesta questão”.
“Para ver como é que vamos avançar neste sentido”, continuou a embaixadora da UE em Angola, no final da cerimónia de lançamento oficial do Projecto de Apoio à Sociedade Civil e à Administração Local em Angola (PASCAL).
Os últimos dois pleitos eleitorais, nomeadamente de 2012 e de 2017, não contaram com observadores da União Europeia. “A União Europeia está ao dispor de Angola e se o Governo angolano desejar esse acompanhamento estamos ao dispor”, realçou a diplomata.
“Ainda não saiu [a manifestação de interesse] e o convite [de Angola], ainda é um pouco cedo para isso”, respondeu.
Jeannete Seppen disse igualmente que o bloco europeu segue com muito interesse o período pré-eleitoral em Angola, mas “não faz julgamentos” sobre a actual “tensão” sociopolítica porque “é um processo interno angolano”.
“Nós, na nossa parceria observamos o que se passa, não fazemos julgamentos sobre este momento, porque é um processo interno angolano e esperamos que as preparações do ano eleitoral corram bem”, realçou.
“E que os passos que estão a ser feitos continuem e que, no dia das eleições, todos os cidadãos angolanos tenham a possibilidade de exprimir o seu voto”, concluiu a embaixadora da União Europeia em Angola.
Folha 8 com Lusa